– Eu não quero nada. Só o rádio.
João não tinha 40 anos quando apareceu na assistência judiciária em busca de atendimento gratuito para o divórcio. Pedreiro, pai de uma garota de 15, estava convencido de que o casamento havia chegado ao fim. Disse que tinha uma boa esposa, honesta, trabalhadora. Mas não se sentia feliz e queria uma nova vida. A mulher poderia ficar com a casa que compraram juntos com sacrifício, e tudo o que havia dentro. Menos o rádio. O rádio com toca-fitas e CD ele queria levar.
Na semana seguinte, mal cheguei no gabinete e lá estava ela. Era uma mulher pequena e jovem, costureira de profissão, a quem as roupas sóbrias faziam parecer mais velha. Sentou a minha frente com a coluna muito reta e séria e disse:
– Não tem problema, eu assino o divórcio se esse é o desejo dele. Mas dessa vez, quando ele quiser voltar, eu não vou aceitar.
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Contou então que não era a primeira vez que o marido caía de amores por alguma menina da noite. Na última, saíra para viver com a moça e voltara um ano depois “só com a roupa do corpo”. Agora, tudo começara de novo. Mas com uma diferença. Ela não iria perdoar. Estava decidida. “E a doutora pode deixar isso bem claro para ele. Não vai ter volta.”
Volto a chamar o João. E ouso, em um conselho que me incomodou a consciência durante anos, sugerir que ele viva sua nova paixão. Mas sem sair de casa. “Sua mulher deixou claro que não vai aceitá-lo de volta se o senhor for embora. Então, aproveite este momento sem destruir seu casamento. Afinal, vai passar. Todas as paixões passam, Seu João. E quando isso ocorrer, o senhor ainda terá sua família e sua casa. E o rádio.”
Ele me olhou entre incrédulo e decepcionado e começou a chorar. Eu não havia entendido nada. Tudo que ele queria era ser livre para ficar com a amada. E o rádio. E ao invés de receber meu apoio, ouviu uma sugestão pragmática. E, admito, um tanto inescrupulosa. Saiu porta afora com os olhos úmidos e nunca mais o vi.
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Não sei o que houve com eles. Pelas lágrimas e pela tristeza, suponho que João se foi mundo afora com aquela paixão que mal cabia nele. Quanto à esposa, talvez até o tenha aceitado mais uma vez só com a roupa do corpo quando ele, inevitavelmente, tentou retornar.
Mesmo que os desfechos tenham sido outros, menos prováveis, nunca esqueci o episódio e aquele homem chorando. Nas grandes paixões, todas, não existe amanhã. O amanhã é coisa para quem está com os pés no chão. O resto é passageiro.
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