As primeiras impressões sobre o Brasil nos vêm através do cronista da frota de Cabral, Pero Vaz de Caminha. Em sua Carta de Achamento do Brasil, transmite ao rei de Portugal o que percebeu na nova terra, a paisagem, o clima, os índios e tudo mais que observou. Seguem seus passos outros viajantes que, em curiosos e divertidos relatos, transmitem sua visão sobre o novo mundo recém-descoberto. Esses cronistas muito pouco se assemelham aos que começam a despontar na literatura, especialmente a partir do século XIX, incluindo aí, por exemplo, Machado de Assis.
Se antes a crônica era muito mais um relato histórico, circunstancial, em sua nova configuração torna-se um gênero de acentuado caráter literário. Quando os jornais passam a fazer parte da vida cotidiana, a crônica encontra seu espaço privilegiado de existir. A crônica é um texto que mora essencialmente nos jornais. Também em vista disso, apresenta um despojamento verbal, como escreve Jorge de Sá. Praticamente, todos eles acolhem cronistas dos mais variados perfis. Raridade é um autor publicar um livro de crônicas que antes não tenham figurado em algum jornal.
O jornal vive um dia. Na manhã seguinte, vem outro. Portanto, é um ente de vida efêmera. Se a crônica está nele, também ela assume esse caráter de efemeridade, de precariedade. Quanto mais uma crônica registra um fato pontual, um acontecimento marcado, datado, mais nasce para morrer.
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Mas, há crônicas que, por seu encantamento, superam a transitoriedade e se estabelecem para sempre. São aquelas em que o autor, segundo Massaud Moisés, tem “a intenção menos de persuadir que entreter e, quem sabe, colaborar para o amadurecimento do leitor por meio da reflexão que espontaneamente lhe brota da pena”. Nas crônicas de caráter lírico, por exemplo, a impressão subjetiva se sobrepõe ao fato observado que lhes deu origem.
O Brasil é agraciado por extraordinários cronistas: Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Drummond, Luís Fernando Veríssimo, só para citar alguns. Meu foco, no entanto, é Rubem Braga (1913-1990), que, ao contrário dos demais, na literatura se dedicou apenas à crônica, tendo publicado em torno de 15 mil, a maioria reunida em livros. No livro A borboleta amarela (1955), encontra-se “O sino de ouro”, que sempre me encanta quando a leio. É de uma singeleza incomum.
Conta que numa “povoação de poucas almas”, no interior de Goiás, há uma pequena igreja que tem, como em nenhuma grande catedral do mundo, – “coisa bela e espantosa” – um grande sino de ouro. Seu som “vai voando em ondas mansas” sobre a paisagem e as pessoas simples, dando a cada uma sua “ração diária de alegria”, impregnando a alma de cada um como se tivesse em si seu particular sino de ouro.
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O narrador conta isso a uma criança que acha que “a coisa mais bonita do mundo deve ser ouvir um sino de ouro”. E conclui em tom melancólico: “Pois cada um de nós quando criança tem dentro da alma seu sino de ouro que depois, por nossa culpa e miséria e pecado e corrupção, vai virando pedra e terra, e lama e podridão”. Como diz Rubem Braga: “Minhas crônicas são instantes de ternura, que são os instantes da verdade.”
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