A arroio-tigrense Marli Andres Mainardi, 63 anos, passou, em 2023, a celebrar seu aniversário três vezes por ano. É que além da data oficial, duas cirurgias lhe deram novas chances para aproveitar melhor a vida. As cirurgias têm um nome muito especial: transplantes.
Conforme a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), o equilíbrio da química interna de nossos corpos se deve, em grande parte, ao trabalho dos rins. Nossa sobrevivência depende do funcionamento normal destes órgãos vitais. Entre as principais funções no organismo, destaca-se a eliminação de toxinas do sangue por um sistema de filtração; a regulação da formação do sangue e dos ossos; a regulação da pressão sanguínea; e o controle do delicado balanço químico e de líquidos do corpo.
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Logo após os primeiros sintomas, Marli, ao consultar com médico e depois ser encaminhada a especialistas, teve, nos exames realizados, evidenciada a alteração no funcionamento dos rins, em um quadro de doença renal crônica. “Quando eu percebi que estava doente, já estava perdendo os rins. É uma doença silenciosa. Os únicos sintomas foram febre e cansaço, e algo que, em casa, não havia notado, que é a urina mais escura, o que no exame apontou. Foram oito dias entre os sintomas e o resultado da biópsia”, conta Marli.
Foi então que deu-se início a uma longa caminhada: o processo de tratamento. Diagnosticada com glomerulonefrite, inflamação da parte do rim responsável pela filtragem do sangue e formação da urina, Marli conta que foram dois anos de tratamento com hemodiálise, com viagens até Cachoeira do Sul, três vezes por semana. “Meus dois rins estavam comprometidos. Depois de meio ano de hemodiálise, entrei na fila para um transplante renal. O nome do paciente fica registrado na Central de Transplantes junto com as informações sobre a situação atual”, detalha.
Neste processo de espera, conforme Marli, houveram muitos dias desafiadores, mas a fé sempre esteve presente, nela, na família e nas orações dos amigos. “Quando o médico falou que precisaria fazer hemodiálise eu disse de imediato que não queria. E ele me questionou o porquê. Eu o respondi: ‘porque eu comecei a morrer’. E ele me disse: ‘morrendo a senhora já está. Se a senhora fizer, você irá viver’. Eu guardei o que ele me disse. Então levantei a cabeça, segui e a partir dali enfrentei. A fé é fundamental, assim como o apoio da família”, salienta Marli.
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Até que o momento mais aguardado chegou. “O telefone tocou”. A partir do momento da ligação, é preciso correr. O transplante vai acontecer. “O que mais a gente espera é por essa ligação. Depois que tu está na fila, só quer ir para o transplante”. Mas, para isso, além da compatibilidade do órgão de quem doa com quem irá recebê-lo, é necessário que o quadro do paciente esteja de acordo com o que exige o procedimento. Foi em 2010 quando a arroio-tigrense realizou seu primeiro transplante renal. “Quando o médico chama é feita toda uma bateria de exames e se confirma ou não a possibilidade da cirurgia. Depois de feito o procedimento, no qual recebi um ‘novo’ rim, foram menos de 15 dias no hospital e retornei para casa em 24 de dezembro, véspera do Natal”, recorda a aposentada.
Quando internada no hospital de referência, em Porto Alegre, Marli e o marido Ricardo Antônio Mainardi, 66 anos, viram muitos casos semelhantes ao dela (outros mais complexos), e também vibraram com as conquistas dos pacientes, dando força uns aos outros. “Para nós aqui não é algo tão comum ouvir falar em transplantes como é nestes lugares, onde reúnem-se pacientes de diferentes faixas etárias e regiões. A união de quem faz hemodiálise é muito bonita. Quando um é chamado, todo muito fica feliz por ele. Isso é do coração. Se ele foi, conseguiu, logo serei eu”.
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Foram mais de 11 anos (con)vivendo com o novo rim oriundo do primeiro transplante. Até que, a partir das consultas e exames de acompanhamento, se percebeu o funcionamento novamente reduzindo, então o processo para Marli começou outra vez. “No primeiro diagnóstico, foram dois anos na fila do transplante. Agora nem imaginei que pudesse conseguir novamente, ou que então demoraria mais, mas um ano depois de iniciar o segundo tratamento com hemodiálise, e três meses após entrar na fila, me chamaram. Foram dez dias no mesmo hospital em Porto Alegre, no fim de junho, e já estou em casa. Tudo através do SUS”, salienta Marli, que encontra-se em processo de recuperação, lembrando ainda que o acompanhamento médico e dos medicamentos segue, assim como todos os cuidados e recomendações de um pós-transplante.
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Na primeira vez, conforme Marli, o órgão que recebeu foi de uma pessoa de meia idade. Já desta vez, conforme ela, o rim compatível foi de um doador jovem, que através do gesto de sua família em autorizar a doação, possibilitou com que melhorasse o estado de saúde de alguém e mais do que uma vida fosse salva. “A gente não fica sabendo o nome de quem doou, mas sim do gesto tão bonito e importante que dá a outras pessoas novas chances de vida”, salienta ela. “Quando vi o rim dentro do recipiente, ao entrar na sala para a cirurgia, pedi para o médico se poderia ir mais perto para enxergar melhor. É um presente”, acrescenta Marli, que é grata pelos doadores e suas famílias, afinal, a doação de alguns órgãos ou tecidos pode ocorrer em vida (doador vivo) sem que isso afete a saúde do doador e para outros órgãos ou tecidos somente podem ser doados após quadro de morte encefálica (doador falecido). A legislação brasileira em vigor determina que a família seja a responsável pela decisão final da doação, por isso a importância de falar para os familiares que deseja ser um(a) doador(a) de órgãos e tecidos.
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“As cicatrizes não são nada perto do poder que isso me dá. É saúde. É outra vida” – Marli Mainardi
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