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Trabalho, a muitas mãos, para a construção de um legado

A crise de 1929, a Segunda Guerra Mundial, um grande incêndio, mudanças econômicas, políticas e sociais. Para cada momento, um desafio e a definição de estratégias para superá-los. Aos 95 anos, uma das mais tradicionais empresas em atividade em Santa Cruz do Sul, a Mercur tem esses e outros episódios registrados em sua trajetória. Marcantes sob o prisma do desenvolvimento, tantos fatos ajudaram a construir um modelo de negócio que hoje é tido como referência.

Na história recente da empresa, uma das mudanças mais significativas se deu por volta de 2007. Essa “virada de chave” marcou uma nova fase para a indústria. Tudo começou, segundo Jorge Hoelzel Neto, descendente dos fundadores e que hoje trabalha na facilitação de processos e projetos, a partir do compromisso de agregar valor humano àquilo que a Mercur fazia. “E esse compromisso, que vem sendo construído desde então, no dia a dia da empresa em todos os seus relacionamentos, é a base dos resultados colhidos nas questões humanas, sociais, ambientais e econômicas”, afirma.

Mais do que a adoção de novos conceitos e olhares voltados aos processos internos – o que também ocorreu em outros momentos –, as atenções foram redirecionadas. Em um vídeo publicado no site da Mercur, Hoelzel descreve que o atual compromisso surgiu no instante em que começaram a ser questionados aspectos relacionados ao negócio e seus impactos. Durante o trabalho prestado por uma consultoria externa, uma pergunta ressoou: qual era o propósito da Mercur? Se ela acabasse, qual seria seu legado? Responder a essas perguntas, no entanto, não foi tarefa fácil. Pelo contrário, a partir delas é que começaram a ser revistas práticas do cotidiano.

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Em uma época na qual conceitos sustentáveis difundiam-se no meio corporativo, o desafio serviu de estímulo. Com o passar do tempo, as mudanças foram sendo implementadas. Hoje, o que se vê é uma empresa distinta daquela existente há pouco mais de uma década. Além do novo olhar em relação aos processos internos, a linha de produtos – desde os voltados à saúde e bem-estar aos escolares – foi revista, inclusive com a retirada de alguns itens da linha.

“Talvez o resultado mais visível seja o compromisso dos colaboradores com toda essa construção. Principalmente porque ela tem sido feita com o envolvimento de todos. As pessoas têm atuação forte em todos os processos e projetos da empresa, desde as operações mais simples até as mais complexas. Além disso, colhemos resultados importantes na cocriação de produtos e serviços com clientes, usuários e instituições de saúde e de educação, nas relações de confiança e reciprocidade com nossos clientes e fornecedores, e também na mitigação dos impactos ambientais como emissões de gases de efeito estufa, consumo de água e de energia”, afirma.

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No contexto da pandemia do novo coronavírus, ele observa que cada vez mais as crenças, teorias, certezas e conhecimentos têm sido colocados à prova. E por isso mesmo, diariamente, empresários e trabalhadores precisam lidar com o bombardeio de opiniões, sugestões e suposições. Para Hoelzel Neto, no entanto, a hora é de pensar no outro.

“No nosso caso, estamos considerando avaliar a situação pelo prisma da vida das pessoas, considerando que a empresa, ou os negócios, ou ainda a Economia, como muitos gostam de chamar, são apenas uma parte da nossa vida e precisam ser profundamente repensados sob a ótica da inclusão social e da possibilidade da manutenção da vida humana neste planeta, que tem recursos finitos e extremamente mal distribuídos”, diz. Segundo ele, a partir desse ponto de vista, é preciso pensar em uma nova forma de criar, produzir e distribuir a riqueza de todas as ações da empresa focando na estratégia da colaboração.

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Pensar, mais do que nunca, passou a ser a palavra de ordem. E esse pensar deve se dar de modo coletivo e comprometido na busca de alternativas, salienta o empresário. “Entendemos que sozinhos não temos a capacidade nem o direito de criar soluções que sejam socialmente justas e viáveis sem considerar as pessoas que serão impactadas nessas situações.”


A lição que fica

A pandemia do novo coronavírus vem gerando preocupações, mas também pode servir de convite à reflexão acerca de atitudes do dia a dia. Para Jorge Hoelzel Neto, o momento é de rever modelos tradicionais. “Espero que, enquanto sociedade, possamos compreender a real necessidade de criarmos um modelo de vida que valorize mais a colaboração ao invés da competição, e possamos colocar nossas competências a serviço da sociedade ao invés de nos servirmos dela para o enriquecimento individual”, propõe.

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E isso não está necessariamente relacionado ao porte das empresas. Segundo ele, existe uma interdependência entre grandes empreendedores, pequenos e individuais. “Independente do tamanho ou do tipo de negócio, ele precisa estar a serviço da vida sob pena de colocarmos em risco nossa permanência no planeta.” Ou seja, torna-se importante pensar em aspectos que vão além da esquina da empresa. “As mudanças climáticas já mostram que passamos do limite. As tecnologias desenvolvidas para enfrentar os problemas que nós mesmos criamos não têm se mostrado eficazes para diminuir as diferenças socioeconômicas, tratar da saúde ao invés de tratar as doenças, desenvolver uma educação que não seja excludente e funcional, e por aí vai… Penso que o momento é de extrema riqueza para a construção de um modelo de vida significativo para todos, espero que saibamos aproveitá-lo.”

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Momento de pensar nas pessoas

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Desde a inauguração, em junho de 1924, a Mercur passou por diferentes fases. Mas foi diante dos desafios que as mudanças se materializaram, explica Jorge Hoelzel Neto, 59 anos. “Nossa empresa tem 95 anos e, portanto, já passou por inúmeros momentos difíceis, dos mais diversos possíveis. Também nestes 95 anos nossa humanidade já viveu diversas formas de enfrentar as dificuldades advindas, normalmente, pela própria ação humana. Na Mercur não foi diferente. Em cada período da história, as soluções dos problemas consideraram os conhecimentos e as possibilidades da sua época.”

Com sua experiência, ele analisa os desdobramentos da pandemia e a questão do mercado de trabalho. Nos últimos tempos, já foi possível verificar o aumento das demissões ou suspensões de contratos em diferentes setores. “Se o olhar for pautado pelos resultados econômico/financeiros de curto prazo do negócio, que tem sido a visão mais comum nos dias de hoje, diria que a estratégia é essa mesmo.” No entanto, pondera que antes de realizar cortes de mão de obra, é importante fazer uma avaliação mais ampla. “O que precisamos reavaliar, enquanto comunidade humana, é se esse olhar faz sentido a partir de toda a miséria que foi construída por ele. Nosso planeta é finito. Em outras palavras, nada se cria, tudo se transforma. Significa dizer que quanto mais a riqueza estiver acumulada nas mãos de poucos, mais vai faltar para muitos, e assim a miséria se distribui mais rápido”, acrescenta.

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Hoje a empresa tem 610 colaboradores. Com diferentes perfis, habilidades, conhecimentos e características pessoais, esse time possibilita, na opinião de Hoelzel, uma grande diversidade de ideias, formas de pensar, sentir e agir. “Essa riqueza faz ainda mais sentido quando estimulada a assumir sua autonomia e protagonismo no dia a dia da empresa. Fazer com que essa diversidade toda tenha voz e vez na construção de um mundo mais justo e sensível para as necessidades humanas é a forma que escolhemos para conviver”, enfatiza.

Experiência para toda a vida

Em junho de 1974, Fermino Godoy havia deixado a casa da família no interior em busca de uma oportunidade. Na cidade, logo conseguiu uma vaga na construção civil. Mas seu objetivo era trilhar uma carreira na indústria.

Cerca de 15 dias após ter dado os primeiros passos no canteiro de obras, ele seria contratado para trabalhar no processo de mistura de borracha, na Mercur. À época a empresa, que havia sido inaugurada em 1924, passava por uma fase de crescimento. Hoje, 46 anos depois, o simpático senhor revira seus guardados e não esconde o orgulho em mostrar a primeira carteira de trabalho com a anotação feita na então Hoelzel S/A Indústrias Reunidas Mercur. “No ano passado, precisei fazer uma carteira nova porque essa já não tinha mais espaço”, diz animado.

Aposentado, Godoy segue na ativa. Agora, em função da pandemia do novo coronavírus, passa os dias em casa. Assim que a situação se normalizar, ele estará pronto para o serviço. A motivação vem do orgulho em ter a história de vida ligada à empresa, mas também da gratidão por ter trilhado uma carreira que possibilitou conquistas materiais e assegurou a educação dos filhos, Marcelo e Katiusa. Casado com Loni há 43 anos, seu Godoy conta que ela também era funcionária da empresa, mas acabou optando por se dedicar à família.

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A experiência que adquiriu passando pelos diferentes setores da indústria, por inúmeras vezes foi compartilhada com os colegas. “Me considero um privilegiado pelas oportunidades que tive. Sempre trabalhei com dedicação para fazer aquilo que precisava”, anima-se o hoje funcionário mais antigo da Mercur. Agora atuando como encarregado de produção, continua atento a tudo o que acontece no dia a dia da empresa e compartilha suas vivências sempre que pode.

Em uma trajetória tão duradoura, mais do que habilidade nas suas funções, ele testemunhou e foi parte de importantes capítulos na história da Mercur. Viu a empresa crescer, superar dificuldades, presenciou lançamentos de produtos e, acima de tudo, a adoção do novo modelo da organização a partir de 2007. Foi, na sua opinião, um dos episódios mais representativos que se refletem na vida não apenas das equipes, mas da sociedade em geral. “Passei por fases boas e ruins. Vi muitas mudanças. Mas agora, com o vírus, está acontecendo algo que nunca se imaginou no mundo. Acredito que o que vai ficar é que as pessoas vão aprender a ter mais sensibilidade com o próximo”, afirma. E esse sentimento, segundo ele, é o que deve prevalecer no dia a dia dos trabalhadores e empresários a fim de superar os desafios.

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