Durante passagem da Gazeta do Sul por São Leopoldo, no dia 18 de julho, além da entrevista com o professor e historiador Martin Norberto Dreher, outro grande especialista em imigração alemã foi ouvido: Arthur Blásio Rambo, de 93 anos. Também professor e historiador, foi um dos fundadores do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), do qual também foi coordenador por vários anos.
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Além da formação e do vasto conhecimento adquirido ao longo de décadas de estudo e pesquisa, o professor Rambo, como é conhecido, tem outra característica singular: seu trisavô Mathias Rambo era agricultor na região de Hunsrück, na Alemanha, de onde saiu em 1829. Ele chegou ao Brasil em 1830 e se instalou com a família – a mulher, Susanna, e dois filhos – no município de Lindolfo Collor. Nascido no interior do então município de Montenegro – hoje Tupandi –, em 1930, Arthur Rambo teve criação e educação típicas das antigas colônias. Portanto, pode falar com uma propriedade limitada a poucas pessoas nos dias atuais.
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“Apesar da penúria, daquele ambiente, em que faltava quase tudo, saíram três catedráticos”, diz Arthur Blásio Rambo ao recordar o local onde nasceu e foi criado. Além dele próprio, os outros citados são os irmãos Balduíno Rambo, que foi padre e um dos mais importantes botânicos do Rio Grande do Sul, e uma irmã, da qual não citou o nome, mas foi também religiosa, professora da Universidade Federal de Santa Maria e uma das fundadoras do Centro Universitário Franciscano (Unifra).
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Ele recorda que fez o Primário, atual Ensino Fundamental, na escola mantida pela população da colônia onde nasceu. “A comunidade providenciava tudo, inclusive o professor, e impunha informalmente o currículo.” Revela que, além dos conteúdos básicos, como ler, escrever e calcular, havia ainda uma disciplina chamada de realia, do latim “coisas reais”. Seu objetivo era ensinar às crianças sobre a geografia do entorno, as árvores, os animais e tudo mais que era necessário para realizar as tarefas rotineiras.
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Rambo reforça que essa ambientação era necessária para que todos os moradores aprendessem a viver em comunidade e cumprissem com seus compromissos dentro dela. “Tudo girava em torno da igreja, da escola e do cemitério. Esses eram os três elementos primordiais.” Depois, chegaram a casa comercial, os artesãos, que produziam os equipamentos básicos para o dia a dia; e o negociante, que fazia o papel de representante comercial com outras colônias.
Aos 12 anos, Rambo foi para o Seminário em Salvador do Sul, onde ficou por oito anos, até o fim da década de 1940. Nesse mesmo período, recorda ter utilizado um telefone pela primeira vez. “Foi logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial; era um aparelho daqueles bem antigos, ainda a manivela.” Aos 20 anos, foi para o noviciado dos Jesuítas, no Seminário São José, em Pareci Novo. Nessa mesma instituição, fez sua primeira graduação, o curso de Letras Clássicas, onde aprendeu latim e grego.
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Depois, graduou-se em Filosofia na primeira turma do curso formada pela Unisinos. Ainda no campo acadêmico, fez outra faculdade de Letras, agora Português/Alemão, bem como concluiu o curso de História, além de mestrado e doutorado também em História, todos pela Unisinos. Com a memória intacta e ainda ativo na produção acadêmica, Arthur Rambo é uma das maiores autoridades em história das comunidades teuto-brasileiras. Durante os últimos 30 anos, ele vem escrevendo uma autobiografia e garante que já busca editoras interessadas em publicar sua trajetória.
Antes de falar de tudo isso, há um fato que precisamos insistir e discutir: por que o homem migra? A resposta dessa pergunta já foi motivo até mesmo de teses de doutorado totalmente furadas. Eu acho que os velhos romanos, em toda a sua sabedoria, responderam em apenas quatro palavrinhas: ubi bene, ibi patria. A tradução pode ser algo como: onde a pessoa se sente bem, é a sua casa. Este é o motivo fundamental das migrações: quem não está bem em um lugar, vai para outro. Quem está bem não se muda, isso é evidente. A história progride e a humanidade se dispersa porque as pessoas vão em busca de coisas melhores. Claro que isso é na visão geral, enquanto os motivos podem ser religiosos, econômicos, climáticos e muitos outros, mas por trás de tudo sempre está o fato de que a pessoa que se muda não se sentia mais bem onde estava.
Quando ocorre uma migração, há também o desenraizamento compulsório de uma tradição e o re-enraizamento em outra. Essa transição tem que ser muito bem avaliada. No caso dos germânicos, precisamos lembrar que se tratavam de povos originários da Europa Central e do Norte, que hoje são repúblicas como Alemanha, Suíça, Norte da Itália, Romênia, Bulgária, Hungria, República Tcheca, Polônia, Ucrânia e os países nórdicos e do Báltico. Todos eles faziam parte de um cenário complexo. No século 4, partiram para o Sul e deram início ao período das grandes migrações. Nesse contexto, que pode voltar a pelo menos 10 mil anos, tem origem a história da germanidade, que tem como palco as grandes florestas.
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Então, os colonos que vieram para o Brasil eram afeitos da veneração pela floresta. A diferença é que lá eles tinham carvalhos, tílias, castanheiras e álamos, enquanto aqui encontraram louros, canelas, canjeranas, e assim por diante. Com isso, quero dizer que eles encontraram uma mata fechada aqui também; mas a simbologia da floresta precisou ser desenraizada de lá e transplantada para cá. É por isso que os móveis religiosos eram feitos de cedro, madeira simbolo da religiosidade por aqui, enquanto na Europa era utilizado o carvalho.
Veio a admiração pelas personalidades fortes, bem como a admiração pelas mulheres. A mulher germânica tinha a posição definida, que começava pela família monogâmica. Ela era considerada parceira do homem e até ia para o combate junto dele. Tivemos dois momentos que eu considero o renascimento da mulher germânica. O primeiro foi após a destruição de Berlim e Dresden, na Segunda Guerra Mundial. Foi um período em que todos os homens abaixo de 60 anos haviam sido mortos ou estavam presos em campos de confinamento e trabalhos forçados.
Em Berlim, calcula-se que pelo menos 50 mil mulheres se reuniram para recolher e limpar os tijolos dos escombros para começar a reconstrução da cidade. Toda essa figura feminina nós vamos encontrar aqui também; nas frentes de colonização, as mulheres pegavam os machados e serrotes e iam junto com os homens abrir clareiras no mato, elas não ficavam em casa. Ocorreu o desenraizamento de um contexto, mas a índole permanece a mesma, ainda que em outro lugar geograficamente diferente. É por isso que eu acho que não se faz História sem conhecer profundamente Geografia, Geologia e, principalmente, Geomorfologia.
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O aspecto mais fundamental e que não pode ser ignorado é o que eles trouxeram para cá e o que permanece até hoje dentro do nosso contexto. No último capítulo do livro que estou escrevendo, tentei esquematizar como foi esse contato dos imigrantes com a nova realidade física e humana, o contato com as outras etnias que tiveram por aqui. Depois houve os nossos eventos históricos, como a Guerra dos Farrapos, que dividiu a colônia. Ivoti era ligada aos farroupilhas e Dois Irmãos ligada aos imperiais. Os dois lados se matavam mutuamente e temos histórias famosas como a de Antônio Joaquim da Silva, o Menino Diabo.
Houve o contato com a realidade e os eventos históricos daqui, dos quais ainda podemos citar a Guerra do Prata, a Guerra do Paraguai, o envolvimento com a Revolução Federalista e a Revolução de 1923. Dentro desse contexto, foram criadas as companhias de autodefesa nas colônias, que foram muito importantes na Revolução Federalista. Basta lembrarmos que Santa Clara do Sul não foi conquistada pelos maragatos porque lá havia um grupo que emboscou a tropa que vinha de Soledade. A ordem era não atirar nas pessoas, mas nos cavalos, para que não pudessem fugir.
Durante sua trajetória profissional, Arthur Rambo foi também diretor do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo. O local, situado nas redondezas da Praça Centenário, às margens do Rio dos Sinos, é parada obrigatória para todos aqueles que gostam de história e procuram aprender mais sobre a imigração alemã no Rio Grande do Sul. Estão em exposição milhares de itens que ajudam a entender contextos e costumes do passado.
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