Aos 25 anos, a jornalista goiana Marília Rodrigues está grávida da primeira filha. Falar do pai do bebê – um antigo amigo da infância com o qual se reencontrou há pouco mais de um ano – a faz brilhar os olhos. “Entendemos que a vida a dois é baseada no amor, na parceria, na confiança, na delicadeza dos atos e na admiração. Ele me mostra que eu sempre mereço mais. E, consequentemente, quero poder retribuir esse sentimento de querer bem, de merecimento, de amor. Não é preciso muito para ser feliz e a prova disso é a filha que a gente espera. Ela é o amor que eu sempre guardei para mim e poder dividir esse amor é incrível”, conta, emocionada.
Mas nem sempre a jornalista esteve tão feliz e realizada como hoje. De 2009 a 2014 ela se manteve envolvida em uma relação que só agora, depois de muito tempo, reconhece com firmeza: “era um relacionamento abusivo.”
Marília conta que à época não sabia ao certo o que caracterizava um relacionamento abusivo e atribuía as atitudes do namorado, noivo e, depois, marido, apenas ao ciúme. “Infelizmente, não sabia o que era um relacionamento abusivo. Para mim, abusivo de verdade era agressão física. Eu não caracterizava como abusivas atitudes como vigiar meu celular, vigiar se eu estava mesmo em casa, cronometrar o tempo do trabalho até minha casa e me acusar de estar com outra pessoa quando eu não podia atender uma ligação. Para mim e para maioria das pessoas ao meu redor, tudo não passava de ciúmes”, lembra.
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Situações como a da jornalista goiana são mais comuns que podemos imaginar. Segundo a ONU Mulher, 3 em cada 5 mulheres brasileiras sofreram, sofrem ou ainda vão sofrer algum tipo de violência em seus relacionamentos afetivos. Não à toa, o Brasil está na 5ª posição do ranking de feminicídio e os dados apontam que mais de 40% dos casos de violência acontecem dentro de casa.
Segundo a psicóloga Rosane Santos, colunista do projeto Bem Separadas (rede de apoio a mulheres que estão enfrentando a separação), os abusos podem variar entre físico, moral ou sexual, mas todos têm uma característica em comum: a falta de respeito pela vítima.
“As vítimas recebem uma carga diária de críticas e julgamentos, não podem ser elas mesmas e têm que estar sempre em função do outro. Esse outro, normalmente, é uma pessoa manipuladora, que sente um ciúme exagerado, que tem a ideia do domínio e a sensação de posse sobre a vítima”, explica a especialista. Ela ressalta ainda que a vítima de um relacionamento abusivo não tem seus direitos e gostos respeitados, não pode valorizar suas principais características enquanto ser humano, não tem poder de comando diante das situações e tem que estar sempre a serviço do algoz, atendendo ordens e desejos do que ele entende que é o melhor para a vida da vítima.
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Idealizadora do projeto Bem Separadas, a empresária e coach de relacionamentos Valéria Ruiz conta que recebe, frequentemente, pelo site bemseparadas.com.br depoimentos de situações semelhantes. “Recebo, diariamente, dezenas de relatos de mulheres que se mantêm em relações indesejadas pelos mais variados motivos, muitas delas por estarem inseridas em uma relação abusiva”, afirma.
A situação da jornalista Marília Rodrigues não foi diferente da descrita pela psicóloga. “Lembro que no início dessa relação, minha sogra chegou a me dizer que o pai dele – marido dela – tinha o mesmo comportamento, que eles eram pessoas incríveis e que nós – eu e ela – deveríamos apenas saber lidar com o ciúme que eles sentiam. Então passei a encarar tudo como uma situação de ciúmes”, lembra.
Relacionamentos abusivos normalmente deixam marcas profundas, como explica Rosane Santos: “O trauma nada mais é que uma marca profunda que delimita a vida de uma pessoa em um antes e um depois. Os traumas gerados por essas relações de abuso vão desde questões psicológicas, como medos e preocupações excessivos e depressão ligadas à baixa autoestima, até a questões físicas.”
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A psicóloga explica que, nestes casos, os traumas emocionais precisam de uma atenção especial para que não tornem-se problemas irreversíveis. “Se eles não forem trabalhados, acabam formando novas crenças, como a de que não se pode confiar no outro, que eu não tenho tanto valor, de quem sou diante daquela situação. São traumas que trazem grande prejuízo para vida”, destaca.
Recomeço
“O casamento foi a parte mais difícil de tudo”, relata a jornalista. Ela conta que estava certa de que não queria aquele relacionamento para o resto de sua vida e que no dia da cerimônia pensou até em não entrar na igreja. O álcool, que tornou-se mais frequente na vida do marido após o casamento, agravou, segundo Marília, os problemas enfrentados no relacionamento. “Definitivamente, não era a vida que eu queria. Quando enxerguei isso, abri os olhos para um mundo externo. Passei a enxergar como outros homens me tratavam, com cordialidade, carinho, confiança, e passei a querer isso pra mim, para meu relacionamento afetivo”, afirma.
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Após 5 meses de casamento, Marília resolveu se separar: “As pessoas não entendem porque você se casa e se separa. Foi triste quando me disseram que não importava o que acontecesse, ele era meu marido e eu tinha que me comportar como uma mulher casada para que a relação fosse pra frente. Isso me doía”.
A jornalista entrou, então, num processo que a psicóloga julga como essencial para qualquer vítima se ver livre desse tipo de relacionamento, o do autoconhecimento. “Ela precisa encontrar nela mesma autoconfiança, força e segurança, precisa entender quem ela é e o que quer. Quando você entende quem você é, fica muito mais fácil de colocar limites na pessoa que tem tendência ao abuso, ao ciúmes e à manipulação”, explica Rosane.
Marília conta que a separação foi a melhor decisão de sua vida. “Quando decidi por dar fim àquele relacionamento abusivo, senti um grande alívio! A vida teve mais sentido após assinar meu nome no papel do divórcio”, lembra.
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Bem Separadas
Muitas mulheres permanecem em relacionamentos indesejáveis por diversos fatores. “Tem a questão cultural, em que a mulher acredita que para ser feliz tem que casar, ter filhos e, mais que isso, manter um casamento independente se está feliz ou não. E têm também as questões religiosas, a dependência financeira (essa percebo ser a mais frequente), a dependência emocional, entre outras”, explica a idealizadora do projeto Bem Separadas, Valéria Ruiz.
O projeto nasceu em 2015, depois que Valéria separou-se, com 19 anos de relacionamento. Ela, que é empresária e coach de relacionamentos, afirma que diariamente se depara com os mais diversos tipos de histórias de separação, entre elas, histórias de relacionamentos abusivos. “Venho demonstrando, através da minha própria experiência, que apesar das dificuldades podemos fazer novas escolhas e nos sentir muito melhor”, afirma.
O Bem Separadas funciona como uma rede de apoio e conta com mais de 25 especialistas nas mais diversas áreas que prestam ajuda às mulheres em processo de separação, por meio do site bemseparadas.com.br. Recentemente, foi lançado o sistema de assinatura para as leitoras, com vantagens e serviços exclusivos, como acesso às salas de bate-papo online, grupos exclusivos no WhatsApp e Facebook e a conteúdos exclusivos.
No site, a mulher também tem a oportunidade de construir seu próprio diário online, como forma de contribuir com o processo de superação. Ao final do processo, a assinante receberá um e-book: seu diário será transformado em um livro com sua própria história de superação. As assinantes também receberão atendimento com os “Cuidadores da Alma”, ouvidoria com estudantes de psicologia de plantão, em que o assinante poderá ligar para conversar e desabafar sobre seus problemas, além de outros vários benefícios.
A proposta do Bem Separadas também transcende o mundo virtual, pois incentiva, por meio do projeto “Bem Acolhidas”, o encontro presencial de internautas, para que elas possam desfrutar da companhia e compreensão mútuas.
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