Colunistas

Thiltapes, gambá e velório

Devia ter 6 ou 7 anos quando aconteceu uma “noite do pijama” no colégio. Devidamente supervisionados pelos professores, a ideia era ter um momento de interação com a turma em horário totalmente inverso ao turno escolar. As salas de aula viravam quartos, com colchonetes espalhados pelo chão.

O professor de Educação Física chamou a turma para um desafio: caçar Thiltapes. Infelizmente, a memória não me permite lembrar da descrição feita para o tal animal, mas acompanhava atenta as pistas para capturá-lo. Era noite e saímos para localizar a espécie. Na metade do caminho, parte da turma – obviamente estava entre estes – ficou com medo das buscas no pátio e resolveu retornar para a sala de aula. Tempos depois, descobri que continuar seria em vão. Trata-se de um animal imaginário, uma brincadeira feita especialmente em regiões com presença de famílias de imigrantes alemães.


O telhado de casa volta e meia abrigava algum gambá. Ouvíamos o barulho do animal se deslocando pelas telhas e, de vez em quando, sentíamos o odor, inclusive de urina, que escapava pela goteira. Para dar jeito na situação, meu pai colocava no telhado uma arapuca de madeira feita pelo meu avô materno. A armadilha, em forma de caixa, ficava com a frente aberta. Dentro dela, um salame servia de isca.

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Quando o gambá entrava, a porta da arapuca imediatamente se fechava. Feita a captura, tínhamos uma missão a cumprir. Aprendi lá em casa que o ideal era levar o animal a um ambiente onde pudesse seguir a vida em meio à natureza. Para não correr o risco do retorno do visitante, a armadilha era transportada no porta-malas do carro. Embarcávamos no automóvel e seguíamos em direção ao interior, de preferência passando de alguma ponte onde tivesse um córrego de rio para libertarmos o gambá.


Era setembro de 2011. Eu e a mãe já estávamos planejando uma ida a Porto Alegre, já que dia 9 era aniversário da minha irmã. Na véspera, ficamos sabendo que uma tia-avó minha havia falecido, na capital gaúcha. Minha mãe logo avisou que ela e minhas tias estavam organizando alguma forma de ir ao velório para uma última despedida. Não demorou e elas contrataram uma van com motorista para fazer a viagem. Mesmo que a parada fosse em um velório, a viagem de duas horas seguia com muitas lembranças de família e até cantorias pelo caminho. Embora não tivesse conhecido minha tia-avó, não me restou outra escolha. Iria a Porto Alegre no dia seguinte; então, que antecipasse a ida e me unisse ao grupo.

Partimos com menos da metade da lotação do veículo. Uma prima aproveitou a “carona” também. Como ela tinha compromisso, parou no centro da cidade. Eu segui até o velório. No local, não me contive. Mesmo sem qualquer contato próximo, ao ver o viúvo chorando pela amada companheira, chorei junto, como se também a conhecesse. Depois, a van voltou mais vazia a Santa Cruz, pois eu e minha mãe ficamos em Porto. Ironicamente, pouco tempo após chorar por uma morte, já estaria celebrando outra vida.

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Nesta semana, completei minhas primeiras três décadas de vida e tiro dessa experiência o seguinte: guardamos parte das lembranças que construímos. Algumas são amargas e não gostaríamos de tê-las experimentado. Mas é do jogo. Outras tantas são boas, leves, de afetos e risadas. Aqui compartilhei três momentos aleatórios que vivi e, por alguma razão, preservo na memória. Mesmo sem entender o motivo, escrevi para não esquecê-las. Talvez, assim, também abro espaço para novas histórias que virão.

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Heloísa Corrêa

Heloisa Corrêa nasceu em 9 de junho de 1993, em Candelária, no Rio Grande do Sul. Tem formação técnica em magistério e graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Trabalha em redações jornalísticas desde 2013, passando por cargos como estagiária, repórter e coordenadora de redação. Entre 2018 e 2019, teve experiência com Marketing de Conteúdo. Desde 2021, trabalha na Gazeta Grupo de Comunicações, com foco no Portal Gaz. Nessa unidade, desde fevereiro de 2023, atua como editora-executiva.

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