Claro que a linguagem entre humanos sempre teve signos e falares dúbios. Os germânicos a chamam de “durch die Blume sagen”, que é aquele falar através da flor, ou seja, afirmação cautelosa e amigável.
Com a chegada das redes sociais, as radioemissoras e a TV passaram a não vigiar com rigor o uso correto do idioma. Não se está a querer uma linguagem empolada ou quinhentista.
“Ele disse para ‘mim’ (que horror) fazer”; a cerveja é “primium”, quando bastava usar o vocábulo “premium”, que é latino. Mas até aí já é querer demais, pois nas “farmaciais” e nas “lojais” não há remédio para evitar a grafia calcada em cima da pronúncia equivocada.
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Tomemos agora o exemplo do WhatsApp. Se dá para aceitar o kkkk e o rsrsrs como risada, teria que haver uma modernização total.
Mas não: muita gente começa uma mensagem assim: “oi, Ressakssonn”. Do outro lado: “oieeee”. Ao que o outro propõe: “tudo bem?”. Em resumo, transportou-se para o Whats um diálogo que se fosse telefônico convencional seria mais rápido.
Meu pai pedia, quando eu era criança, que sempre pensasse antes de falar.
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Hoje, tanto no rádio como na TV, assiste-se à pandemia do “éééé” dentro de cada frase. “Você viu, éeeee, que o, jogador do, Caxias machucou, ééé, magoou, ééé, coisa triste”. Como se vê, há duas opções agora: não saber usar a pausa e, na linguagem escrita, não usar nenhuma vírgula.
Enviei certa feita a seguinte mensagem: “Já estás em casa, Kithiélli?”. A resposta foi “não estou no aeroporto”. Até hoje não sei se ela queria dizer “não, estou no aeroporto”.
Mudando.
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Nico Fagundes gostava muito de me visitar na fazenda. E ele me alertou, num dos momentos de muita conversa, para um costume encontradiço na zona da campanha, principalmente entre peões de estância.
“Seu João, quantas novilhas estão naquela invernada?”
“Umas quantas, Seu Ruy.”
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“Mas quantas mais ou menos?”
“Mas bah, o quié que vou le dizer.”
Claro que eu tinha o número certo no meu computador. Mas nunca atinei da razão dessa fuga.
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Nico asseverou que isso ainda é um legado que perdura dos tempos antigos, em que o peão não queria ser dispensado caso o número não batesse.
Bom, o que não tem solução, solucionado está.
Vou ter que começar todas as frases com “então”, usar bastante o “aí”, nunca esquecendo o “né”.
Com a pandemia, tenho que ouvir o número de infectados a cada cinco minutos, sempre aceitando que esse bombardeio vai espantar os vírus.
Isto posto, urge que se abandonem e se incinerem as gramáticas, nomeando gente com “expertise” para regrar o idioma. É o novo normal.
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