O título poderia ser “A Santa Cruz que eu desconhecia”.
Como já referi, quando terminei o segundo ano do Científico do Colégio Mauá, resolvi cursar o terceiro ano do Clássico no Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. Trabalhava de dia e estudava à noite.
Ia visitar meus pais quando conseguia carona. Chegava na casa paterna e praticamente não saía. Conversava bastante, me atracava na maravilhosa comida de minha mãe e depois do meio-dia de domingo me mandava de volta. Quando estava no quarto ano da Faculdade de Direito da Ufrgs consegui comprar um carrinho usado e minhas idas passaram a ser mais confortáveis. Meu trajeto era descer a estrada do Grasel, fazer o sinal da cruz ao passar pelo penhasco onde meus avós paternos sofreram um acidente e faleceram, cruzava pelo estádio do Santa Cruz, subia a Thomaz Flores, estacionava e não saía mais. No máximo ia a Boa Vista visitar meu tio Lino Etges. Não ia ao Quiosque, não ia a bailes. Sempre com pressa, sempre correndo.
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Depois de alguns anos a coisa foi ficando estranha. Eu já era juiz e estive em muitas cidades distantes. Perguntavam-me: de onde tu és? Eu respondia: de Santa Cruz! Ao que me indagavam: conheces o Fulano de Tal? Quinze anos depois de ter saído eu só conhecia os amigos de infância e da adolescência. E aí vinha a frase: mas como? És de Santa Cruz e não conheces o Fulano?
Tinha até o sonho de um dia voltar a morar na minha terra natal, mas quis o destino ter tido a sorte e a ventura de ser feliz como magistrado, depois na advocacia e no agronegócio. Filhos, netos, todos enraizados em outros lugares. Será que eu me adaptaria nessa altura do campeonato? Concluí ser melhor não aventurar. Meu prêmio foi a formação de caráter que tive em Santa Cruz.
Minha irmã Cleonice estava gravemente enferma e fui ao Hospital Ana Nery visitá-la. A descida do Grasel estava bloqueada e foi necessário ir pela estrada da Linha João Alves, por onde nunca mais havia passado. Levei um susto. Será que estava na via certa? Liguei o GPS e fui observando os clubes, as mansões, naquilo que antes eram singelas casas de colonos. Uma torrente de imagens do passado invadiu minha retina.Só ao chegar na hoje demolida casa de meus pais é que me dei conta de onde estava. Desviei o olhar para não chorar. O GPS foi me guiando e eu admirado do tamanho da cidade. Não reconheci mais o Arroio Grande, me perdi, mas depois achei o hospital. Mais de 50 anos de ausência cobraram seu preço. Heráclito de Éfeso (540 a.C) tinha razão. O rio não passa duas vezes pela gente.
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