A falta de mecanismos que permitam às mulheres equilibrar a vida materna e a vida profissional está no cerne da profunda e persistente desigualdade de gênero em ambientes corporativos – que faz, por exemplo, com que apenas 13% das empresas brasileiras sejam lideradas por mulheres, embora eles representem mais da metade da população. Essa é a visão de uma das vozes mais firmes em defesa de mais espaço para mulheres nas empresas: a jornalista Neivia Justa, que na próxima terça-feira vai palestrar em um evento virtual da Associação Comercial e Industrial (ACI) de Santa Cruz.
Empreendedora, palestrante, mentora e professora, Neivia fala com a propriedade de quem tem 30 anos de experiência como executiva em empresas como Timex, Natura, Schincariol, GE, Goodyear e J&J. Também é criadora do programa #lídercomneivia e dos movimentos #ondeestãoasmulheres e #aquiestãoasmulheres. Em 2018, foi eleita uma das Top Voices do LinkedIn Brasil.
Em entrevista à Gazeta do Sul, Neivia também apontou os estereótipos que associam mulheres a determinadas profissões em detrimento de outras como motivadores dessa sub-representação, que é ainda mais brutal em locais distantes dos grandes centros. “Nossas empresas ainda são feitas por homens e para homens”, resumiu. Por outro lado, ela reconhece que há evoluções significativas e defende a adoção de políticas que permitam a ascensão de mulheres nas empresas – como, por exemplo, a equiparação salarial.
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O evento
O tema do Café Empresarial de março, com a presença de Neivia Justa, será “Onde estão as mulheres”. Promovido pela ACI, com apoio do Núcleo de Mulheres Empreendedoras, o evento será online, na terça-feira, 30, às 10h45, com transmissão pelo Instagram@aci_ scs. O Café Empresarial conta com o patrocínio do Banco de Desenvolvimento Regional do Extremo Sul (BRDE) e da Gazeta Grupo de Comunicações.
Entrevista
Que dados evidenciam a sub-representação feminina nas empresas?
Nós, mulheres, representamos 51,6% da população brasileira, mas apenas 13% das nossas empresas são lideradas por mulheres. Quando olhamos para os Conselhos de Administração, apenas 11,5% dos conselheiros são mulheres. E se olharmos para as empresas com ações negociadas na B3 (Bolsa de Valores de São Paulo), seis em cada dez não têm nenhuma mulher conselheira. Ou seja, embora tenhamos mais escolaridade que os homens e sejamos maioria nas universidades, ainda temos uma longa jornada rumo à igualdade de oportunidades e acesso às posições de poder.
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Essa é uma realidade de todos os setores?
Infelizmente ainda é uma realidade que se estende a todos os setores da nossa economia. Nossa sub-representação é ainda mais profunda quando o setor demanda profissionais com formação nas áreas das ciências exatas, que hoje chamamos de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Culturalmente, nós seguimos reforçando os estereótipos de gênero e educando nossas meninas para que sigam profissões mais “tranquilas”, geralmente associadas ao social ou ao cuidar, que não as impeçam de conciliar carreira e família.
Fatores como o tamanho das empresas e onde estão localizadas influenciam?
Sim. Empresas globais ou aquelas situadas em grandes metrópoles fazem parte de uma realidade mais cosmopolita, múltipla e diversa, em todos os sentidos. Isso faz com que as demandas de igualdade, inclusão e diversidade da sociedade contemporânea acelerem a transformação de suas culturas muito antes das empresas existentes em cidades menores e mais distantes dos grandes centros.
Essa situação vem melhorando ou não há indicativos de evolução?
Evoluímos bastante nos últimos 50 anos. Em 1970, nós, mulheres, representávamos 18% dos trabalhadores formais do Brasil. Em 2020, representávamos 50% da força de trabalho brasileira. Embora a pandemia tenha afetado enormemente nossas carreiras e presença no mercado – hoje a participação caiu para 45,8% –, as barreiras para nossa entrada em boa parte dos setores são muito menores. Nossos maiores desafios ainda estão relacionados à igualdade de oportunidades, salários, promoções e acesso às posições de liderança e poder.
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Existe algo na cultura interna das corporações que favorece a desigualdade?
Nossas empresas ainda são feitas por homens e para homens brancos, heterossexuais e sem nenhuma deficiência aparente. A cultura corporativa ainda é excludente, machista, racista, homofóbica, cheia de vieses inconscientes e preconceitos, feita por homens muito semelhantes entre si, que têm, na maioria das vezes, a mesma formação, mesmo repertório e experiências. A cultura corporativa nada mais é do que um reflexo da cultura brasileira. Essa transformação cultural é urgente.
Mulheres são maioria nas universidades. O que as impede de serem maioria nas funções de chefia das empresas?
Infelizmente, a maternidade ainda é o momento crucial do ciclo da desigualdade de gênero nas empresas. Entre os 30 e os 40 anos, a carreira dos homens costuma decolar enquanto a das mulheres estaciona ou acaba. Por que isso acontece? Porque somos prejudicadas pela falta de mecanismos de equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional. As empresas não têm políticas de apoio às famílias. Com a maternidade vem a síndrome da jornada dupla, uma vez que ainda atribuímos às mulheres o papel e a responsabilidade integral de cuidar da casa e dos filhos. Nesse momento, reforça-se o mito de que as mulheres têm menos ambição de crescer, menor disponibilidade e comprometimento com a carreira. Isso prejudica as chances de progresso, contratações e promoções. Precisamos quebrar esse ciclo vicioso.
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Que tipos de políticas as empresas podem adotar para reduzir a desigualdade?
Todas as políticas afirmativas têm se mostrado bastante transformadoras. Entre elas estão os programas de trainees e estagiárias com vagas somente para mulheres, em especial nas áreas de STEM; a equiparação salarial em todos os níveis hierárquicos; a garantia de 50% de candidatas mulheres em todos os processos seletivos, assim como a garantia de que 50% dos recrutadores de cada posição serão mulheres; modelos e horários flexíveis de trabalho; programas de desenvolvimento de lideranças customizados às necessidades das mulheres; critérios claros de promoção de talentos e programas de mentoria. Além da licença-paternidade de seis meses, que transforma homens em aliados e parceiros reais na divisão das tarefas domésticas, na criação dos filhos e na gestão das carreiras do casal.
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