Dentre as diversas atividades artísticas que as gurias vêm fazendo durante a clausura imposta pela pandemia está a produção de fantoches de papel. Inspiradas em técnicas que descobriram na internet, Isadora, Yasmin e Ágatha desenvolveram um complexo sistema de dobradura capaz de transformar uma folha de papel A4 em um bocão que, com encaixes para os dedos, move-se simulando a fala do personagem. Sobre cada bocarra, as gurias colaram os elementos que compõem o rosto – olhos, orelhas, nariz – e, assim, criaram toda uma fauna de criaturas.
Com isso, eventualmente eu e a Patrícia somos convocados a compor a plateia para os espetáculos. Uma das encenações mais tocantes foi a do sequestro do Coelho da Páscoa, protagonizado pelo temido Mosquito da Dengue, criatura dotada de grandes olhos e ameaçadora probóscide – como é chamada a “agulha” com que pica as vítimas. Durante o enredo, o vilão comete o erro de revelar seus planos maquiavélicos ao Papagaio, conhecido no reino animal pela fama de fofoqueiro, o qual trata de espalhar entre os bichos a identidade do criminoso.
– Foi o Mosquito da Dengue, foi o Mosquito da Dengue!
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Não à toa, o papagaio é interpretado pela Isadora, a mais falastrona das gurias e que acumula também a função de diretora do teatro. As falas dos personagens, cumpre citar, são acompanhadas por pontuação que evidencia o tom do discurso: reticências, pontos de exclamação e interrogação, desenhados com canetinha em pedaços de papel colados a varetinhas, emergem ao lado do ator quando ele fala. E o surgimento do Sol e da Lua, também colados em varetas, indicam quando amanhece e anoitece.
Na peça, coube ao núcleo barra-pesada da floresta – o Elefante, o Rinoceronte e o Urso – resgatar o refém das garras do bandido e, por fim, recuperar a pecúnia que motivara o sequestro: os ovos de chocolate. Para tanto, esses caras não brincaram em serviço.
– Então, camaradinha… vai contar onde está o Coelho? – Cobrou, em dado momento, o Rinoceronte, com seu imenso chifre quase tocando o Mosquito, na interpretação da Ágatha.
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– Tudo bem, eu conto, eu conto – rendeu-se de pronto o Mosquito, na voz da Yasmin.
Felizmente, salvo a sutil ameaça, não houve cenas de violência na peça e pôde-se manter censura livre. E, enfim, com o Coelho a salvo e as guloseimas recuperadas, a Páscoa estava garantida na floresta.
Esse resumo do enredo, contudo, não dá conta da complexidade das encenações. Há também vários personagens secundários e figurantes que intercalam-se em cena, caso do Sapo, da Cobra e do Gambá. Sem falar no Leão, rei da floresta, que passa o tempo todo dando ordens. Com tamanho elenco, os bastidores da peça, sob a mesa que serve de palco, convertem-se em uma organizada balbúrdia durante as encenações, com intenso troca-troca de fantoches entre as seis mãozinhas.
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Obviamente, a estreia de cada peça é precedida por rigorosos ensaios, que duram horas e, assim, as crianças vão passando seu tempo e quebrando a monotonia do confinamento. Fico na torcida para que os espetáculos continuem, mesmo depois que tudo isso passar.
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