“Eu sou uma burra, não sei aprender Inglês”. Até os 15 anos de idade, esse foi o pensamento de Tatiana Möhler, que viveu sob o medo da reprovação e das dificuldades em aprender. Nascida no interior de Santa Cruz do Sul, em Linha Santa Cruz, ela estudou em uma escola particular da cidade, frequentada por estudantes oriundos, a maioria, de famílias com maior poder aquisitivo. Além de não gostar de estudar, os pais batalhavam muito para pagar os estudos dela e dos outros dois irmãos, Josiane e Nathan.
O medo chegou a se transformar em pânico, o que, mais tarde, despertou sintomas de ansiedade. Foi quando Tatiana trocou o inglês, um dos maiores obstáculos de aprendizado até então, pelo alemão, na esperança de resolver o pesadelo que a assombrava. “Eu odiava, tinha pavor.”
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Na memória estão falas de professores, como “Quem tirou a nota mais baixa de novo?”; ou, ainda, a chamada em público para informar quem fazia parte da lista do reforço escolar, o que apenas expunha as dificuldades, mas não as resolvia. Tatiana recorda que, naquela época, ser do interior já era considerado uma forma de exclusão. “Era não ser popular.”
A educadora Tatiana ainda recorda de momentos da infância, que marcaram a vida dela para sempre. “Minha autoestima era baixíssima, porque me achava burra e tinha dificuldade de aprender”. Os pais, Edson e Neusa, sempre a apoiaram, mas não tinham como bancar reforço escolar particular para que ela alcançasse o nível de aprendizado dos demais colegas. “Quem não tinha condições ficava para trás.”
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Além disso, Tatiana sempre foi uma menina tagarela. E as reclamações dos professores junto aos pais dela quase sempre eram as mesmas: “Ela conversa demais.”. A “tagarelice” de Tatiana tornou-se uma verdadeira barreira nos primeiros anos da vida escolar. “Eu lembro do sentimento. De ter vergonha, de não querer ir para a escola, de ter dor de barriga antes de alguma prova.”
A vida de Tatiana começou a mudar aos 15 anos, quando o pai, que trabalhava em uma fumageira, foi transferido para a Tailândia. A família toda foi para a Ásia. Quando estava lá, a santa-cruzense passou a frequentar uma escola internacional. Em três meses, aprendeu inglês e chegou a virar garota-propaganda da instituição, por ter aprendido a língua tão rápido.
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Diferente da realidade no Brasil, lá eles usavam a “tagarelice” dela como impulso para o aprendizado. “Na Tailândia eles olham para as ações das crianças e enxergam potencial, não um problema. Foi aí que percebi que a comunicação é meu ‘super poder’”.
A metodologia aplicada não se baseava em um professor diante de uma lousa; os estudantes eram convidados a realizar atividades externas. “Havia projetos relacionados ao dia a dia. Naturalmente queríamos nos expressar e, aos poucos, íamos aprendendo.”
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Já na universidade, na Tailândia, a escolha de Tatiana Möhler foi o curso de Comunicação Inglesa. “Eu sabia que queria ir para a área da educação”, conta. No entanto, para dar aulas em uma escola internacional era necessário ter dois anos de experiência. Foi aí que Tatiana separou um quadro em branco, fez panfletos e cartões e anunciou que era professora particular de inglês.
Depois do bacharelado, veio o mestrado. Ela se dedicou a estudar quanto a criatividade na sala de aula acelera a formação do conhecimento. Quando concluiu o curso, depois de nove anos morando na Tailândia, o pai foi novamente transferido, dessa vez para a Indonésia. Tatiana resolveu acompanhar os pais, mudança que já soma quase dez anos.
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Na Indonésia, em 2019, a educadora cofundou a The Hyouman. A empresa se dedica à estruturação de currículos de educação humanizada, desde a primeira série do Ensino Fundamental até o Ensino Médio, com as disciplinas de educação socioemocional, habilidades de vida, projetos de empreendedorismo e projetos de impacto social. As experiências nos países asiáticos permitiram que ela percebesse que cada pessoa tem uma maneira diferente de aprender.
Tatiana Möhler lembra que um dia chegou em casa chorando e disse aos pais: “Um dia vou voltar ao Brasil e levar essa educação respeitosa com as crianças, para que nenhuma delas passe pelo que eu passei, e ache que é burra. O problema não está nelas, mas no sistema de educação”. E isso se transformou em um objetivo maior, o de fazer a diferença na educação.
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A The Hyouman e o nascimento dos sobrinhos gêmeos, filhos da irmã dela, a fizeram se sentir mais segura para seguir o sonho e tirá-lo do papel. “Não quero que eles tenham acesso a uma educação tradicional, que envergonha a criança quando ela erra. O erro deve ser uma oportunidade de aprendizado”, analisa.
Tatiana Möhler partiu do questionamento de como transformar a educação. Primeiro, pensou em abrir uma escola de inglês em Santa Cruz do Sul, para as crianças aprenderem a língua de forma diferente. Mas ela desejava um impacto maior. Em 2021, fundou o Método ABCéu de Educação Humanizada, após mais de dez anos de estudos e aplicações, dentro e fora do Brasil.
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O projeto é focado na qualificação dos adultos, para que entendam o que é uma educação respeitosa. Por outro lado, a The Hyouman é voltada à educação das crianças com aprimoramento dos professores. Os dois se complementam e são projetos parceiros, dos quais Tatiana pretende permanecer à frente. Segundo ela, é comprovado pela ciência que a educação respeitosa é muito importante para o desenvolvimento do cérebro.
O projeto-piloto do Método ABCéu foi implementado em uma escola de Linha Santa Cruz, em Santa Cruz do Sul. O impacto foi tamanho que a instituição chegou a mudar o nome de “Piá” para “ABCéu – Daqui até o céu, o início para o mundo”. A escolha do educandário se deu pelo fato de Tatiana Möhler ter nascido e vivido na localidade e ser “apaixonada por esse lugar”. A escola teve acompanhamento durante um ano e, agora, segue as diretrizes do método. Foram realizados workshops com professores e pais, tanto presenciais quanto online.
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De professora a coordenadora do departamento de Humanas e diretora da educação infantil de uma escola internacional, a menina “tagarela” ainda tem muitos sonhos a serem realizados. Um dos maiores desejos de Tatiana Möhler é trazer para o Brasil, onde morou por 15 anos, uma educação diferente. A educadora reconhece que é difícil para a maioria das escolas investir nesse tipo de projeto, já que exige dedicação em longo prazo. “É preciso qualificar os adultos primeiro. Não vou abrir mão desse sonho, vou lutar por ele até o fim dos meus dias. Poderia ser uma vítima, mas escolhi usar isso como força para fazer a diferença”, desabafa. O principal desafio dela, atualmente, é ter investimento para tornar o projeto maior. “Quero inspirar outras histórias de ‘superpoderes’, transformar em potenciais ‘daqui até o céu, o início para o mundo’”, afirma.
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