Em dezembro, não há vaga; em dezembro, dizem, todos querem um serviço que não podemos atender; em dezembro, entraremos em férias coletivas e só retornaremos depois de duas semanas; em dezembro, ninguém pode adoecer, porque não há quem possa curar; em dezembro, só há espaço para comprar e vender.
Sempre se decretou que o país começa a funcionar apenas após o Carnaval, mas nunca se estipulou que terminaria em novembro. O Natal é um balizador fatal, uma barreira proibida, intransponível. No entanto, a vida continua, não abdica de suas exigências e alguém deverá atender, alguém deverá ser o anjo da guarda no momento da precisão.
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Enquanto as famílias, os amigos, os vizinhos, os colegas se voltam para seu mundo, suas casas, seus justos festejos, há quem toque a vida e é a eles que dedico esta crônica a que muitos certamente nem terão acesso. Os garis continuam recolhendo nosso lixo, os jornalistas e radialistas seguem escrevendo e falando o que queremos saber, os jornaleiros seguem entregando os jornais, os frentistas seguem abastecendo, os padres e pastores anunciam a vinda próxima do Menino, os balconistas perseguem suas metas, os taxistas conduzem passageiros, presentes e esperanças.
A vida, em dezembro, é frenética. Os motoristas se enervam, as ruas ficam tomadas, as padarias se enchem de pedidos, parece que vai faltar comida, o que em tantos tristes lares é realidade em todos os dias de todos os anos. A loucura é tanta, que sugere representar a última batalha da vida. O tempo que deveria ser de paz, torna-se um acúmulo de estresse, angústias e desnecessários sofrimentos.
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O título da minha crônica vem de Clarice Lispector, que, num breve e dolorido texto, traz uma cena de Natal. Não almejo despertar a tristeza, mas exaltar quem passa a noite de Natal disponível para cuidar dos outros. Ficar à espera do doente, do acidentado, do deprimido, da parturiente, para lhes dar acolhida e possibilitar a reabilitação ou abrir os horizontes da vida, mesmo isso feito longe de holofotes, na recolhida solidão, é também celebrar o Natal.
O médico deixa seu lar e, para uma possível necessidade, assume seu plantão, suavizando a dor de quem precisa. A enfermeira está vigilante e zela pelo bem-estar do doente que lhe é confiado. A atendente da farmácia está disponível para alcançar o necessário medicamento que vai aliviar a inoportuna dor.
O vigilante, em sua solitária cabine, cuida da empresa, imaginando a alegria do filho pelo presente recebido. Estes e tantos outros, dignos por sua profissão e missão, estão ausentes da festa do lar, no entanto também é Natal para eles e merecem o melhor presente: o reconhecimento e a gratidão.
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Um novo ano já desponta. Que nele permaneçam vivos os nossos bons momentos, os nossos melhores sonhos, sejam esquecidas as amarguras, sejam amaciados os corações que amam o ódio, a destruição, a guerra. Parece que aprendemos quase tudo, mas ainda não aprendemos suficientemente como se semeia e se colhe a paz. Que o Natal deixe este presente: os braços são mais felizes quando abraçam do que quando tornados instrumentos da violência.
Desejo a todos os meus leitores um abençoado Natal e um feliz 2024! Obrigado por me terem acolhido ao longo de mais um ano.
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