Tabajara Ruas revela quais são seu planos em entrevista exclusiva à Gazeta
Um dos principais autores de sua geração no Estado e no País, o escritor Tabajara Ruas permaneceu praticamente toda a semana passada em Santa Cruz do Sul. O propósito? Acompanhar de perto as atividades do 7º Festival Santa Cruz de Cinema, que ocorreu de 3 a 6 de setembro, no auditório central da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).
Um dos motivadores para isso estava no fato de que sua esposa, Ligia Walper, era jurada no evento. Uma vez que o convite para a visita fora estendido também a ele, não perdeu a oportunidade de retornar à cidade. Na verdade, o interesse do próprio Tabajara em torno de tudo o que ocorre na cena do audiovisual também é enorme, pois, em paralelo à literatura, ele é igualmente cineasta.
As equipes convidadas para o festival ficaram concentradas no Hotel Charrua, na Rua Marechal Floriano. E foi naquele local, na manhã de 5 de setembro, que atendeu à Gazeta do Sul para uma entrevista exclusiva, em conversa de cerca de 20 minutos. Na oportunidade, comentou sua relação de longa data com Santa Cruz do Sul, ainda que, até o momento, não tenha filmado nem no município e nem na região.
E isso que percorreu todos os demais quadrantes gaúchos em virtude de seus projetos cinematográficos. Entre eles, Netto Perde Sua Alma, de 2001; Netto e o Domador de Cavalos, de 2008; Os Senhores da Guerra, de 2016; e A Cabeça de Gumercindo Saraiva, de 2018.
Ruas empenha-se em levar às telas obras de ficção de sua autoria, como é o caso de Netto perde sua alma e A Cabeça de Gumercindo Saraiva. E ainda de seu mais novo filme, em finalização, uma adaptação de seu romance Perseguição e cerco a Juvêncio Gutierrez, que deve estrear no circuito em 2025.
É essa trajetória que Tabajara ostenta, da altura de seus 82 anos, completados em 11 de agosto. Natural de Uruguaiana, surgiu na cena literária efetivamente em 1985, quando, em parceria com Flávio Colin, lançou o volume de quadrinhos A Guerra dos Farrapos. Nas quase quatro décadas seguintes, assinaria obras que se tornaram best-sellers em todo o Brasil. Em 2023, foi o patrono da Feira do Livro de Porto Alegre.
O cineasta e escritor Tabajara Ruas vivencia a expectativa pela estreia, que deve acontecer em 2025, de seu novo longa-metragem, Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez. E, uma vez mais, é uma dupla ansiedade: a de novamente ver uma história nascida de sua imaginação, e concretizada como romance, também ganhar o formato de outra arte, a do cinema.
As filmagens estavam programadas para ocorrer em sua terra natal, Uruguaiana. Mas uma circunstância fez com que tivessem de ser transferidas para Cacequi, como explica em entrevista à Gazeta do Sul. Entre os atores com os quais trabalhou na produção estava o gaúcho Marcos Breda, que recebeu o Prêmio Tuio Becker no 7º Festival Santa Cruz de Cinema.
Curiosamente, enquanto Tabajara conversava com a equipe da Gazeta no saguão do Charrua Hotel, Breda passou pela área, ao lado da atriz Virginia Cavendish, a homenageada do festival neste ano. Não só eles. Estavam por lá também os cineastas Diego e Pablo Müller, e Ruas pediu licença para cumprimentá-los efusivamente. Diego dirigiu InfiniMundo, longa gravado em Santa Cruz e Sinimbu, e que foi exibido no festival na noite de sexta-feira.
Entrevista – Tabajara Ruas, escritor e cineasta
O senhor veio à cidade para acompanhar o Festival Santa Cruz de Cinema. Mas a relação com a cidade já é de longa data, isso? Sem dúvida! Vim à cidade agora acompanhando minha esposa, Ligia Walper, que é jurada do festival. E como o assunto é cinema, área em que ela trabalha estreitamente, na produção dos filmes que a gente faz, fui convidado para acompanhá-la. E prontamente aceitei, com o maior prazer. Até porque em Santa Cruz tenho grandes amigos, entre os quais a fotógrafa Dulce Helfer.
É de crer que, em virtude dos compromissos, não há tanta oportunidade para retornar a Santa Cruz. Então, foi também boa oportunidade? Com certeza! E quis rever a região depois da enchente, para ver como estava tudo. Não só Santa Cruz, mas a vizinhança toda, queria ver essas coisas e tive oportunidade de conferir, no caminho, com profunda tristeza, os estragos causados. Acompanhei a situação por relatos de amigos, que me contaram suas histórias. Não cheguei a circular mais pela região agora, mas, ao longo do percurso, vindo de Porto Alegre, vi o cenário que ficou. É impressionante, impactante, a altura a que a água chegou, e tudo o que foi destruído.
Quais foram suas impressões sobre os filmes exibidos no festival? Acho o festival muito bom, e a qualidade dos filmes está primorosa. Vi filmes que são top na qualidade artística, e com atores maravilhosos. É um festival que apresenta o que se está fazendo de novo, por jovens, por gente que se firma no ofício e está apresentando trabalho com muita clareza. A gente vê nos filmes que eles estudaram. É bem o contrário da minha geração, que fomos no escuro, aprendendo a facão. Eles não. Já sabem o que estão fazendo, têm um domínio de linguagem, e a gente percebe isso nos filmes a que assisti aqui.
E é um recorte nacional, um panorama do que o Brasil tem feito na área… Perfeitamente! Os filmes que são exibidos aqui saíram de uma colheita feita em todo o Brasil pelos curadores, o que é um belo trabalho de curadoria. Foram mais de 800 inscritos, para seleção dos 18 que foram exibidos.
O senhor ainda tem alguma relação com o curta-metragem? Sim, porque um de meus filhos também faz cinema, o Tomás, que está com 21 anos (o outro é Lucas, de 24 anos). O Tomás fez agora um curta chamado Trapiche, um ensaio de terror, e ele também tem um domínio muito bom da linguagem. Claro que tem professores, mestres e gente que contribui e dá palpites. Mas percebi que o Tomás tem uma visão própria das coisas. Então, fiquei bem contente com o caminho que ele está começando a trilhar, bem adiante do que eu fazia, na tentativa de inventar a minha linguagem. Assistia muito filme, que era o melhor, a melhor escola na época. Mas, se há uma pessoa que diga “olha, não é assim”, ou “faz ou tenta desse jeito”, isso é valioso. Essa geração que está aí está muitos anos na nossa frente. Por isso, acho que vem uma geração muito boa por aí no cinema curta-metragem, no cinema experimental, de vanguarda.
O senhor está com algum projeto em desenvolvimento no audiovisual? Estou com um filme em finalização, que é a adaptação de um romance meu, Perseguição e cerco a Juvêncio Gutierrez. E estou muito animado. O Marcos Breda está nessa produção, com um personagem maravilhoso. É um baita ator, e nesse filme ele se encaixou muito bem. O filme já está editado, pronto, falta apenas a finalização, alguns detalhes. Deve estrear em 2025. Vejo a geração que está apresentando seu trabalho nesse filme com um futuro muito forte. As gravações ocorreram em Cacequi, durante três meses, com toda a equipe.
O senhor chegou a gravar em alguma ocasião no Vale do Rio Pardo? Pois é… Não, nunca. Na verdade, filmei em todos os quadrantes do Rio Grande do Sul: Uruguaiana, a região da Fronteira com o Uruguai, depois a Serra, em toda a Serra… A Cabeça de Gumercindo Saraiva foi realizado ali. Percorri o Estado em várias situações, vários quadrantes. Aqui [Santa Cruz], por enquanto, vim apenas a passeio. Mas é sempre bom vir, tratam a gente muito bem, come-se muito bem, tortas e tudo mais.
Santa Cruz agora tem a sua Film Commission. O senhor é entusiasta desse esforço? A Film Commission é um fenômeno no Rio Grande do Sul. Sabem receber, sabem levar as pessoas nos lugares certos, e acho que Santa Cruz está se organizando muito bem em torno dessa ideia. Acho que isso vai render coisas bem interessantes. O longa-metragem InfiniMundo é só o primeiro caso, como se pode conferir.
E na literatura, algum projeto em realização? Estou com meus projetos todos parados. Estou com dificuldade para trabalhar neles. Mas tenho um livro que está bem encaminhado. Estou fazendo pesquisas em meus arquivos e tenho uma quantidade muito grande de crônicas. Estou juntando uma seleção, para ver se faço um livro com elas. Estão dispersas e quero agrupá-las, para ver se separo as melhores, as que fazem mais sentido. É crônica mesmo, no sentido do dia a dia, das banalidades da vida, dos pequenos detalhes da vida, das pequenas circunstâncias que movem ou levam a gente a seguir em frente. Estou trabalhando nisso agora.
Seja em pesquisas ou trabalhos, ou mesmo na participação em eventos, o senhor viaja muito? De alguma maneira, já sinalizei que estarei cortando cada vez mais as viagens mais longas. Enviei mensagem para as pessoas que fazem reuniões e definem participantes de eventos. Porque isso cansa, e estou com 82 anos.
A sua rotina é bastante intensa e extenuante? Sim. E, além de tudo, peguei Covid-19 muito séria quando começamos a filmar o Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez. Foi terrível, me atingiu forte, fiquei com dificuldades. Ainda estou com muitas implicações daquilo. Mas estava com equipe muito boa, bem preparada, e fizemos um filme bom. Estou bem contente com o resultado, que, de alguma maneira, faz jus ao livro, bem conceituado.
A adaptação implicava em alguma fidelidade histórica necessária? Perseguição e cerco a Juvêncio Gutierrez é história de ficção total, começo, meio e fim. Mas ambientado numa época e contexto específicos. Primeiro quis filmar em Uruguaiana. Quando chegamos lá, não dava, porque era preciso que houvesse trem, e lá não tinha mais trem. Coisas da nossa tragédia comum diária aqui no Brasil, porque as coisas vão desaparecendo. Não tinha mais trem lá. Nem o prefeito sabia que não tinha mais. E aí fiquei: “e agora? Preciso de uma cidade que tenha uma ponte, e que um trem passe”. Aí, surgiu o plano de ir a Cacequi. Fomos, chegamos e imediatamente nos deparamos com a ponte. E tudo foi possível: nos estabelecemos ali, elaboramos as ideias, puxamos a equipe toda para lá e filmamos. Teria sido em Uruguaiana. Mas fomos muito bem recebidos em Cacequi, facilitaram tudo lá. E foi tudo bem, saiu bem.
Com uma equipe experiente? Como foi essa definição? Alem do Marcos Breda, entre os principais está o Werner Schünemann. Por sinal, está extraordinário, no papel de um coronel do pampa. E entre as mulheres estão a Fernanda Moro, a Dea Buzato. Há belas personagens femininas. E tem ainda o grupo de adolescentes, que é bem grande, forte, numeroso. São vários os grupos do filme: os protagonistas principais, o grupo de adolescentes e os foras-da-lei, contrabandistas, entre outros. Bem como também ocorre no meu romance.
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