Quando a primavera aponta nas primeiras curvas do tempo, vindos não sei de onde, aos bandos, como coros ensaiados, sem noção de relógios, os sabiás acordam as madrugadas. Num entusiasmo assombroso, sopram seus clarins saudando a chegada de um novo dia.
Nosso pátio faz parte do seu patrimônio. Três habitações foram erigidas neste ano, numa rapidez inexplicável, numa perfeição irretocável. Um dos ninhos ficou sob o telhado da área dos fundos. Estava praticamente ao alcance das mãos. No princípio, o casal se assustava, mas aos poucos se tornaram dóceis, perderam o medo e se acomodaram sem cerimônia. Não demorou muito e três filhotes começaram a piar. Queriam comida, insaciáveis, famintos.
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O que me intriga nessa história é que sempre retornam ao mesmo lugar. Quando os filhotes batem asa, costumamos retirar o ninho para evitar a proliferação de insetos. Sem problema. Um ano depois, operários resilientes e incansáveis, começam tudo de novo, preparando com carinho a continuação da espécie. Seriam os mesmos a buscar o mesmo espaço? Isso me levou a ler um pouco sobre eles. Aprendi muitas coisas interessantes, mas o que mais me surpreendeu é que podem viver até trinta anos.
Acompanhamos de perto o crescimento dos três. Assim que se cobriram de penas, era evidente que bateriam asas. Nosso temor era a presença de algum predador, especialmente gatos, no entanto passaram ilesos. Ficaram nas cercanias, no pátio, e imediatamente aprenderam a catar seu próprio alimento: insetos, moluscos, aranhas. Ainda não estavam disponíveis as laranjas, um dos seus pratos prediletos. Seus passos iniciais estavam sob a atenta tutela da mãe e do pai, zelosos pedagogos a ensinar a sobrevivência.
Li que sabiás são aves de ocorrência em todo o mundo e que existem dezenas de espécies. O nosso mais conhecido é o sabiá-laranjeira, esse do canto melodioso, que alegra a vida de quem sabe ouvir. Seu canto nupcial constitui uma obra-prima de diálogo sonoro, pleno de amor. Eles dormem assim que escurece, por isso são madrugadores, animados seresteiros aos quais rapidamente nos habituamos e os acolhemos. Algumas pessoas, menos dadas a romantismos, abominam o que chamam de algazarra, essa gratuita sinfonia da natureza.
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O sabiá é tema muito frequente na cultura, de modo especial na música e na literatura do nosso país. Todos os leitores, em algum momento de sua história, se depararam com a “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias. O poeta maranhense (1823-1864) escreveu esse poema enquanto estudava Direito em Coimbra. Distante da pátria, exalta a sua terra, seus encantos, sua natureza exuberante. Das cinco estrofes, quatro evocam repetidamente o sabiá como cantor incomparável. “Minha terra tem palmeiras,/ Onde canta o sabiá;/ As aves que aqui gorjeiam,/ Não gorjeiam como lá.” Do mesmo poema, são retirados versos inseridos no Hino Nacional, “Nossos bosques têm mais vida,/ Nossa vida mais amores”. Na música, há belas composições de Chico Buarque, Luiz Gonzaga, Jair Rodrigues, só para citar alguns, focando o tema sabiá.
Tudo é gracioso nessa ave encantadora. É bonito observar seu caminhar ágil, entremeado de saltos, olhar atento a qualquer sinal de refeição. Não foi por encomenda nem combinação, porém, enquanto escrevi esta crônica, ouvi o tempo todo a suave harmonia de sabiás gorjeando perto de minha janela.
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