Em março deste ano, enquanto países fechavam suas fronteiras devido à pandemia do coronavírus, precisei decidir se manteria uma viagem de trabalho à Índia. Dois dias antes da partida, o visto de entrada indiano em meu passaporte italiano foi cancelado, resultado da situação dramática em que a Itália se encontrava. Como alternativa, solicitei um visto de emergência em meu passaporte estadunidense. Com o documento em mãos, parti para o país de Gandhi. Além da agenda de trabalho, decidi manter também meu plano original de passar alguns dias no Sri Lanka.
Logo após a chegada à Índia, meu segundo visto também foi cancelado e a entrada de estrangeiros bloqueada. Terminados os compromissos profissionais, parti de Chennai, no sul da Índia, para Colombo, a maior cidade do Sri Lanka. Estava apreensivo, pois na volta teria de retornar a Delhi para uma conexão, agora sem visto de entrada válido.
Como uma lágrima que cai do subcontinente indiano na entrada da Baía de Bengala, a ilha-nação do Sri Lanka é um entreposto da rota marítima da seda há mais de 2 mil anos. Em seu passado colonial, chamou-se Ceilão, com a chegada dos portugueses em 1505. Seguiram-se os domínios holandês e inglês, sob o nome de Ceylon. A independência só veio em 1948, e desde 1972 o país se chama República Socialista Democrática do Sri Lanka.
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Pelas ruas de Colombo, encontro uma cidade limpa, arborizada e com um povo muito simpático e hospitaleiro. A ausência de turistas nesse período fez com que eu encontrasse os principais pontos de interesse turístico quase vazios. Na área central, a simbólica Torre do Relógio Khan é a primeira referência. Sobre a mesma rua, a residência presidencial é uma bela mansão, cercada pela biodiversidade característica do clima tropical. Vejo também pouca proteção policial, o que, espero, seja um bom sinal. O país teve 26 anos de Guerra civil, até 2009. Desde então, viveu um período de tranquilidade, até que na Páscoa de 2019 oito radicais islâmicos suicidas deixaram 267 mortos e mais de 500 feridos em três comunidades de minorias cristãs.
A arquitetura da Estação Ferroviária do Forte, do Centro Comercial Cargyll, do antigo parlamento e de muitos prédios clássicos remete ao passado colonial deste país de 21 milhões de habitantes, que agora ocupa a segunda posição em renda per capita no sul da Ásia. 75% da população é de origem singalesa, nativos da ilha desde antes da chegada dos europeus. A mistura com os colonizadores criou uma nova etnia, os burgher, que falam uma mistura de português, holandês e a principal língua local, o singalês. Mesmo sendo um estado oficialmente laico, a religião, predominantemente budista, está costurada na constituição e presente no dia a dia. Um decorado tuk-tuk me leva até o Templo Gangarayama, enorme complexo de veneração e educação budista. Em meio a muita arte religiosa, apontam-me um relicário dourado que guarda um fio de cabelo, supostamente do próprio Budha.
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Após quatro horas de estradas estreitas e esburacadas, cheguei ao templo Dambula, que ocupa cavernas naturais com harmoniosa decoração e muitas estátuas. Ali tive a oportunidade de conversar com vários monges e fiéis. Os temas foram variados, mas uma das mensagens que levei é a de que, diante de um mundo envolto em conflito, controvérsia e intolerância, deixamos de canalizar nossa energia na busca do autoconhecimento, e afundamos na ignorância, a raiz de todo o mal para os budistas.
Não muito longe dali está o local que eu mais queria conhecer: A cidade e a Fortaleza de Sigiriya. Sobre uma coluna de rocha de 200 metros de altura, cercada por magníficos jardins e lagos, o Rei Kashyapa construiu seu palácio no ano de 477. Os afrescos nas pedras, o enorme leão que serve de portal e as fundações preservadas da cidade, do palácio e seus jardins tornam Sigiriya o mais importante exemplo preservado de planejamento urbano do primeiro milênio.
Deixei o país feliz por não ter desistido da viagem. O que viria em seguida já indicava o fim da normalidade: funcionários nos aeroportos em trajes “espaciais”, as várias checagens de temperatura e repetidas perguntas dos agentes de saúde, ainda confusos sobre os sintomas causados por um vírus mal conhecido. Os novos procedimentos e o atraso no primeiro voo me fizeram atravessar o aeroporto correndo como um fugitivo, com a porta da aeronave se fechando assim que embarquei.
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Cinco minutos a mais e eu estaria retido no limbo diplomático da área internacional do Aeroporto Indira Gandhi, sem poder entrar na Índia. Ao aterrissarmos na Inglaterra, o piloto pediu que todos ficassem sentados, enquanto um batalhão de ambulâncias cercava a aeronave. Seria preciso retirar um passageiro que tossia muito e estava com febre alta. Após horas de espera, desembarcamos na nova surrealidade do pós-pandemia.
Aidir Parizzi Júnior – Natural de Santa Cruz do Sul, é engenheiro mecânico e reside no Reino Unido. É diretor global de suprimentos para uma multinacional britânica que atua no fornecimento de sistemas de controle e segurança para usinas de geração de energia, usinas nucleares e indústria de petróleo, gás natural e petroquímica.
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