O presidente do Supremo, ministro Barroso, acabou de anunciar que se empenha na nossa total recivilização, numa entrevista em jornal. Ironicamente, em países com tradição civilizatória, juízes não dão entrevistas, jamais se vangloriam de vencer eleições, muito menos em encontros juvenis. A presidente do TSE acaba de submeter-se a programa de entrevistas na TV e fez manifestações que podem antecipar juízo como, por exemplo, no caso X. Isso já não causa escândalo e é assimilado sem digerir, como normal. Esquecemos todos de um princípio do Judiciário civilizado: juiz só fala nos autos. Esquecemos. Precisamos reincluir isso no processo de recivilização.
Domingo é dia de eleição municipal. Pois bem, a pergunta é: estamos preparados para receber, sem dúvidas, os resultados do próximo domingo? Estamos nós seguros de que o que será anunciado pela contagem oficial refletirá a verdade, a realidade dos votos que foram digitados? Ou restarão dúvidas, como restaram nas eleições anteriores? O fato é que não se compreende a apuração, que deveria ser transparente, como indica o artigo 37 da Constituição. Em países já civilizados há muito tempo, não é assim. Nem na Venezuela.
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Lá, não foi possível Maduro convencer pessoas e países de que ganhara a eleição, pois o sistema tem fácil consulta digital. Tudo indica que Maduro mandou interromper a contagem quando percebeu que perdia por larga margem, mas tardiamente, já com a apuração em eloquentes 83,5%. Um episódio inesperado aconteceu na TV de maior audiência, a Globovisión, quando o entrevistado deu um exemplo de transparência, pedindo o número do título de eleitor do apresentador. Consultou o celular, confirmou a sessão eleitoral onde seu entrevistador votara, e leu o resultado: Maduro 94 votos e González 394. Ali, na hora, ao vivo, sem chance de cortar.
Aqui, vamos para as urnas de novo mesmo sem comprovante físico dos mistérios digitais. A falta disso gerou o 8 de janeiro. Seria recivilizatório ter comprovante do voto, como em países civilizados. Os paulistanos, que vão para uma eleição cuja campanha destoa com a importância de São Paulo, têm na bandeira um dístico em latim que diz: “Não sou conduzido, mas conduzo”. Fico me perguntando o quanto permitimos que nos conduzam. Na relação entre a nação e seu Estado, é a nação que reciviliza o Estado, se necessário – e não o inverso. São os valores culturais da nação que criam uma civilização, como criaram essa que Sérgio Buarque de Holanda procurou explicar.
E já que estamos em vésperas de eleição, notem a hipocrisia tropical. Quando a Lava-Jato, que está sendo removida, descobriu as propinas de empreiteiras para políticos e seus partidos, o antídoto foi proibir a pessoa jurídica a doar para partido. O dono da Cosan, Rubens Ometo, que doou R$ 7,5 milhões na última campanha eleitoral, principalmente para Lula, agora dobrou a doação, com R$ 15,4 milhões para 160 candidatos e partidos.
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Empreiteiras já não podem, mas empreiteiros podem: Ricardo Gontijo, da Construtora Direcional, doou R$ 250 mil para o PSD; Antônio Setin, da incorporadora Setin, deu R$ 1 milhão para o partido de Kassab e Pacheco, noticiou o Metrópoles. Isso sem contar o dinheiro de nossos impostos que vai para o Fundo Eleitoral, ainda que não gostemos do partido agraciado. Tudo nos é empurrado goela abaixo, como agora, essa recivilização que vem do Supremo. Todo poder emana do povo se o povo souber exercê-lo. Aprender a conduzir, para não ser conduzido.
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