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FORA DE PAUTA

Só quero saber de São Borja

Sabe quando alguém te fala que muitas mulheres estão pintando os cabelos de vermelho e, automaticamente, você passa a enxergar mais gente ruiva por aí? Na verdade, é porque a gente passa a prestar mais atenção àquele detalhe. Foi isso que aconteceu desde que a Júlia, minha irmã mais nova, foi morar em São Borja. Claro que o algoritmo das redes sociais colabora para que todos os crimes ocorridos lá surjam na minha timeline, mas eu, inevitavelmente, tenho boa parte da minha preocupação depositada lá.

Não por acaso, a primeira mensagem que mandei para o meu pai depois que fiquei sabendo sobre os incêndios na Argentina, que chegaram à fronteira com São Borja, foi, em tom irônico, mas com um fundinho de verdade: “Temos que buscar a Júlia”, escrevi, no WhatsApp. Eu tinha certeza de que ela não estava correndo perigo, até porque nenhum ser humano estava, e a gente está sempre em contato, mas, convenhamos, seria uma boa desculpa para ter a caçula novamente em casa.

Mas isso não nos pertence mais. Um pouco diferente de mim, que escolhi um destino próximo da casa dos meus pais, fixados em Candelária, para ter uma vida independente, ela optou por iniciar essa caminhada a uns 400 quilômetros de distância. E está tudo bem. Tão bem que enquanto eu pensava sobre o quanto a família estava vivendo o “luto” da partida dela em busca de aprendizado em sonhos, eu recebia outras mensagens no celular: “Vou tomar sorvete com minha colega”; “E amanhã vou numa festa”.

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Não estou dizendo que a Júlia está sendo insensível frente aos sentimentos dos que ficaram no Vale do Rio Pardo. Quero dizer – e com orgulho – que a vida está sendo bem aproveitada por todos os envolvidos nesse momento. É natural que tenhamos dificuldade em deixar alguém que amamos andar para longe, mas também é natural que as crianças se tornem adultos e escolham trilhar seus próprios caminhos. Eu fiz isso, do meu jeito. Por que eu não deveria incentivar ela a fazer o mesmo?

Recomendei cuidado com a bebida e disse que aproveitasse. Talvez seja importante dizer, agora, que ela tem 18 anos e se mudou para cursar Ciências Políticas na Unipampa. Foi aprovada no Sisu, no ano passado. Meu orgulho.


Quando minha irmã nasceu, eu tinha 10 anos. Não tinha vontade de ter irmãos, porque era muito bom ter tudo e todos só para mim. Depois que ela surgiu, eu percebi o quanto era solitária. Desde sempre me deu alegrias. Inclusive, só o fato de ser uma menina já me rendeu frutos: eu apostei uma pizza com a minha avó de que eu teria uma irmã, a Júlia, enquanto todo mundo esperava um guri. A nossa ligação é forte demais, eu sentia.

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Talvez seja por isso que o meu subconsciente não deixou que me despedisse dela antes da ida definitiva para São Borja. Eu fui a Candelária com esse único objetivo e, na hora de voltar a Santa Cruz, esqueci de dar o tradicional abraço e desejar boa sorte nesse novo caminho. Logo depois, antes mesmo de passar o pedágio, lembrei do que eu não fiz. E aí mandei mensagem. Hoje, penso que não estava preparada para esse tchau. Não vejo a hora de reencontrá-la ou de me habituar com essa distância física.

Por outro lado, sei que continuamos cada vez mais unidas em pensamento, sentimento, pelo WhatsApp e através dos alertas que programei com a expressão “São Borja” em todos os sites de notícia e nas redes sociais.

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