Daivid, de três anos atrás, não mudou muito. Contudo, parece inquieto. Faz as rodas da cadeira seguirem com mais pressa. Visualiza a loja de produtos “pets” à frente. Rodopia. Analisa a Praça da Alfândega. Observa o ir e vir das pessoas se entrecruzando no Centro Histórico da Capital gaúcha.
Já quase junto ao banco onde, em bronze, Carlos Drummond de Andrade e Mario Quintana poetizam, se detém ao ouvir: “Posso te pagar um café?” Quem pergunta aprendera a lição de 2019. Ele não aceita moedas condoídas. Quer ser reconhecido. Sabe de seu valor. Sente-se machucado pelo olhar escondido das pessoas. Não é invisível. Se reconhece provocador de uma sociedade distanciada, apressada, quase desinteressada dos que, como ele, enrijecem os braços ao mover das rodas.
Daivid aceita a proposta, contanto que partilhada. Chama um “novo amigo”, como diz de um recém-chegado à praça. Um pouco sem jeito, o convidado segura o copinho de plástico pela borda espessada. Por sua vez, Daivid desafivela uma caneca do braço da cadeira e a estende ao vendedor que inclina a térmica. “Já tenho a minha, vamos poupar”, ensina o cadeirante. Sobre o amigo, considera: “Ele chegou não faz muito. Ainda não conhece tudo por aqui. Mas logo vai entender o que é viver na rua”.
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“E como é viver na rua, ou nesta praça?” Aquele que lhe oferecera o café sabe da resposta à mesma pergunta de anos atrás. Fora-lhe respondido que “é bom e ruim. Ruim, porque muitas pessoas te veem com desprezo; bom, porque a gente sente a energia de tudo. As coisas vão rápidas, mudam muito. A rua agita. Vem coisa de todo lado.” “E como fica à noite?” À época citara a casa de acolhimento: “Tem o albergue. Bom. Só que quando tu vais procurar emprego e te perguntam pelo endereço, complica. Se disseres que moras no albergue, quase terminam com a entrevista. Já vi colegas que no passado tiveram bons empregos e agora não conseguem nada. Só porque não têm endereço fixo. Mas ainda é melhor do que dizer que se mora na rua.”
O novato degusta agradecido o café. Encorajado, toma acento no banco dos poetas. Daivid destrava a cadeira num gesto dificultado. Faz a cadeira girar. Agradece com um simples meneio de cabeça. Palavras se fazem desnecessárias. Precisa ganhar o dia. Segue rodando, ouvindo sons, sensibilizando movimentos, pressentindo desolhares. Mas fez um novo amigo. E este também. E se mais não puderem, eles dispõem de um banco, onde melodias em letras divagam horas, parceiras diurnas e companheiras das incertas noturnidades. Todavia, ficou a pergunta não feita: “Como seria o nome do amigo recente, que aceita compartilhar um café ao invés de se dividir em ódio e guerra?” Por certo, seu nome é PAZ!
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