O Brasil está dividido entre dar continuidade à posição dos técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que proíbe a fabricação e venda dos dispositivos eletrônicos de fumar (DEFs), e a liberação. A primeira situação, que é defendida por órgãos de saúde, faz com que seja ampliada a circulação de produtos de origem desconhecida, sem controle ou fiscalização, além de não representar incremento no orçamento público. Possibilitar a produção e venda, por sua vez, faz com que seja viável o controle sanitário, amplia a arrecadação tributária e permite uma revolução na cadeia produtiva do tabaco. Atualmente, entre 3 e 4 milhões de brasileiros usam DEFs, mesmo sendo proibidos.
A expectativa é de que a utilização siga crescendo e ganhando mais espaço no mercado. Com a regulamentação, a partir de regramento rigoroso – como o do projeto de lei em tramitação do Senado –, serão criadas dezenas de milhares de oportunidades de trabalho na indústria da transformação, além de representar, em números atuais, um incremento de R$ 8 bilhões no pagamento de tributos. E isso pode se tornar ainda maior, com a nova taxação que deve ser adotada sobre produtos similares, no apelidado “imposto do pecado”.
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Mais empregos e retorno em tributos
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou em abril uma resolução que mantém proibidas a fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte e propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), popularmente conhecidos como “cigarro eletrônico”. O assunto, porém, tem motivado uma série de debates em órgãos oficiais ou não, sobretudo pelas pesquisas que evidenciam o consumo por quase 4 milhões de brasileiros. Essas pessoas utilizam um produto com origem duvidosa e, a princípio, sem nenhuma fiscalização sobre seu conteúdo e consequências.
Uma eventual liberação no Brasil, seguindo decisões semelhantes em cerca de 80 países, pode representar uma profunda alteração na cadeia produtiva do tabaco. As empresas que, atualmente, fazem o cigarro tradicional têm interesse em produzir a versão em DEFs em solo brasileiro. Isso representaria, segundo estimativa da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), um incremento de 125 mil oportunidades de trabalho, além de R$ 8 bilhões em retorno tributário para o governo, levando-se em consideração as projeções de quem faz uso atualmente.
Um dos defensores da cadeia produtiva do tabaco em Brasília, o deputado federal Heitor Schuch (PSB) defende a liberação e acredita que ela possa estar mais próxima. Com essa decisão, o produto passaria a ter maior controle. Assim, o governo contaria com arrecadação adicional para reinvestimento em áreas como saúde e educação, trazendo benefícios diretos à sociedade e melhoria da qualidade de vida da população.
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“Esses pontos refletem uma visão otimista sobre as potenciais mudanças na cadeia produtiva do tabaco, destacando como tanto os produtores quanto o governo e consumidores podem se beneficiar dessa nova abordagem regulatória”, reforça Schuch.
Segundo o gerente-executivo da entidade representativa, Edimilson Alves, para operacionalizar a extração da nicotina líquida do tabaco, as indústrias deverão fazer um investimento de R$ 1,2 bilhão. A capacidade instalada, que é o quanto as empresas conseguem produzir com a atual estrutura, possibilita o uso da mesma área, ampliando apenas a quantidade de funcionários e equipamentos específicos. Assim como é preciso criar mecanismos para a extração da nicotina líquida, será necessária a instalação de indústrias que produzam o maquinário utilizado.
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Atualmente, os DEFs chegam ao Brasil por meio de contrabando e em formatos diversos, em especial com alusão a personagens infantis e sabores variados. A Abifumo vê nessa prática uma forma de atrair o público mais jovem a um produto sem nenhuma fiscalização. A preocupação da entidade é justificada com o resultado de uma pesquisa da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que mostra que 19,7% das pessoas entre 18 e 24 anos já experimentaram os DEFs.
Na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, o deputado Marcus Vinícius (PP) criou uma subcomissão do tabaco que enfatizou a importância do setor para a economia. Depois, apresentou a discussão a respeito dos DEFs.
“Cabe ressaltar o papel do fumicultor e da agricultura familiar nessa cadeia produtiva. A regulamentação abriria novos mercados para milhares de pequenos produtores que dependem do cultivo do tabaco para seu sustento”, aponta. O parlamentar defende que a produção de nicotina líquida, extraída das folhas do tabaco, representa uma oportunidade para agregar valor ao produto agrícola, transformando-o em um insumo de alta demanda no mercado global.
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Há três décadas, o Brasil é o maior exportador e um dos maiores produtores de tabaco do mundo. Cerca de 90% do que é colhido no País vai para mais de cem paíes. “Com o setor [DEFs] crescendo entre 15% e 20% ao ano, o Brasil poderia consolidar sua posição como um dos maiores exportadores desse insumo estratégico”, acrescenta Marcus Vinícius.
Em números
- Em 2023, o Brasil exportou 512 mil toneladas, equivalendo a US$ 2,7 bilhões.
- Com boa valorização a expectativa é de que alcance US$ 3 bilhões, em 2024.
- Produção nacional vai para mais de cem países, em especial Bélgica, China, Estados Unidos, Indonésia e Egito. Os DEFs são liberados em mais de 80 países.
- Com a liberação no Brasil, geraria 125 mil empregos, R$ 1,2 bilhão em investimentos e R$ 8 bilhões em retorno de tributos.
- A estimativa é de que cerca de 4 milhões de brasileiros façam uso dos DEFs.
Dispositivo é o futuro da utilização do tabaco
Os números mundiais mostram que o Brasil segue em sentido contrário quando mantém a proibição dos DEFs. Atualmente, são ilegais todos os “vapes” – como são conhecidos – vendidos no País. Mesmo assim, o número de usuários tem aumentado, o que implica em acreditar no risco, devido à falta de fiscalização. Os brasileiros, porém, defendem a liberação. Em pesquisa pública, cerca de 60% votaram contra o banimento dos dispositivos.
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A Philip Morris International é uma das empresas que se manifestam favoráveis à revogação da decisão da Anvisa, tendo como ambição disponibilizar alternativas sem fumaça e sem combustão a todos os adultos fumantes o mais rápido possível. A indústria entende que, apesar de não serem produtos livres de risco, são melhor opção para quem continuar fumando.
O atual portfólio de produtos da empresa consiste principalmente em cigarros e produtos sem fumaça, incluindo tabaco aquecido, cigarros eletrônicos e produtos de nicotina oral. Em junho de 2024, 90 mercados dispunham de produtos sem fumaça da PMI. A empresa estima que aproximadamente 36,5 milhões de adultos no mundo já migraram para o IQOS/tabaco aquecido e pararam de fumar. Os itens sem fumaça representaram em torno de 38% da receita líquida total da PMI no primeiro semestre neste ano.
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Além dessa característica de evolução no setor da transformação do tabaco, os DEFs representarão incremento nos orçamentos públicos. E Santa Cruz do Sul pode ganhar com isso, já que tem importante fatia de sua arrecadação nesse segmento.
Estudo realizado pela Escola de Segurança Multidimensional (Esem) do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) calcula que, somente neste ano, o Rio Grande do Sul deixou de arrecadar R$ 343,7 milhões em impostos estaduais e federais com o comércio ilegal de cigarros eletrônicos.
Projetando um crescimento anual de 10% do mercado de DEFs, a arrecadação de impostos para o Estado, se houvesse legalização, poderia atingir R$ 503,14 milhões em 2028. Esses valores são baseados na estimativa de crescimento contínuo da demanda por DEFs e no aumento das vendas tanto em lojas físicas quanto em plataformas online.
Mas e o produtor? No que muda a vida daquele que faz do tabaco a fonte de renda da sua pequena propriedade? A PMI ressalta que os agricultores sempre foram, e continuarão a ser, uma parte importante do negócio. Os produtos sem fumaça têm requisitos específicos em termos de quantidades e variedades do tabaco.
O País continuaria tendo relevância mundial no setor. Atualmente é o principal exportador de tabaco do mundo, e a PMI utiliza o produto em itens sem fumaça fora do País, sobretudo na produção de tabaco aquecido. No contexto das operações globais da PMI, o tabaco brasileiro desfruta de uma participação significativa, representando, em média, 20% do volume total utilizado pela empresa. Aproximadamente 30% desse volume é destinado aos produtos sem fumaça.
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Entidade representativa dos produtores, a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) apoia a regulamentação dos DEFs, que usam o tabaco ou a nicotina extraída da planta. Acrescenta que os dispositivos precisam ser abastecidos e elaborados com o que é colhido pelos agricultores.
Valorização do produto nacional
O deputado Heitor Schuch acredita que o primeiro passo da Anvisa para a regulação será na linha do cigarro aquecido, que utiliza produtos muito semelhantes aos do cigarro convencional. “Essa decisão pode impactar diretamente a forma como a cadeia produtiva se organiza”, alerta.
Defende que essa liberação seja feita com maior rapidez para que os consumidores tenham acesso a produtos nacionais, com qualidade garantida e origem conhecida. Entende que elimina a necessidade de recorrer ao mercado clandestino, no qual os produtos são contrabandeados e sem garantias, o que reforça o controle da situação pelo tráfico de drogas.
“A Anvisa deve sair da zona de conforto e tomar decisões que ajudem a reduzir as despesas do SUS, proporcionando um ambiente mais seguro para os consumidores”, afirma. Isso fará com que aumente a arrecadação de impostos e se amplie a instalação de fábricas e o desenvolvimento de novas atividades, como a extração da nicotina líquida, abrindo elos na cadeia produtiva e potencializando a economia.
Em tramitação
O Congresso Nacional tem diferentes projetos em tramitação que tratam sobre os DEFs. Um deles ganhou destaque durante os debates na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Apresentado pela senadora Soraya Thronicke, o texto defende a liberação para a produção, comercialização e importação das diferentes modalidades de cigarro eletrônico. Ao mesmo tempo, cria mecanismos para que a fiscalização seja rigorosa.
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De acordo com o texto, as empresas interessadas na produção devem fazer o registro do produto na Anvisa, precisando da atualização anual. Também deverão providenciar a avaliação de risco toxicológico, com informação dos componentes dos DEFs. O texto fala sobre restrições quanto à publicidade e a embalagens, determinando que não tenham dispositivos sonoros, palavras, símbolos ou desenhos que estimulem diretamente o consumo, nem atribuam propriedades calmantes ou estimulantes ao produto.
A senadora enfatiza a proibição da utilização de atrativos, como a exposição de personagens infantis e aromatização, que possam incentivar o uso por crianças e adolescentes – que é o que ocorre hoje com os produtos contrabandeados e consumidos no País.
A outra matéria apresentada no Congresso é do senador Eduardo Girão. Ele é taxativo para vedar a produção, comercialização e importação dos DEFs. Diz que a Anvisa estaria apta a fazer a regulamentação do uso, desde que seja com a finalidade de agente ativo no tratamento contra o tabagismo e comprovada a eficácia, por meio de estudos toxicológicos e testes científicos específicos.
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Enquanto isso, aos poucos os órgãos de fiscalização e de segurança atuam para cumprir a determinação da Anvisa. Em São Paulo, o Procon tomou medidas contar a publicidade irregular de aparelhos para uso de tabaco aquecido, os vapes (cigarros eletrônicos), em redes sociais da empresa Meta, responsável pelo Facebook e o Instagram.
Além de pedir informações sobre critérios de suspensão de anúncios, a agência solicitou medidas para impedir a veiculação das peças publicitárias aos assinantes brasileiros. O Procon-SP diz que tem recebido informações reiteradas da aparição de anúncios desses produtos no feed de notícias de muitos consumidores.
O órgão participou de operação conjunta com a Polícia Civil de São Paulo que resultou na apreensão de grande quantidade de vapes à venda em estabelecimentos físicos. Ainda que os órgãos de defesa do consumidor e de segurança tenham agido, apontando uma redução da participação do material contrabandeado – no caso do cigarro convencional –, acredita-se que nem 10% do material que circula no País seja apreendido.
A Meta manifestou-se por meio de nota sobre as declarações do Procon, dizendo observar a legislação atual. “Proibimos anúncios que promovam a venda ou o uso de produtos de tabaco ou nicotina e de equipamentos relacionados. Os anúncios não devem promover dispositivos de vaporização como cigarros eletrônicos, vaporizadores ou outros produtos que simulem o fumo. Usamos uma combinação de denúncias da nossa comunidade, tecnologia e revisão humana para aplicar nossas políticas, removendo conteúdos violadores”, diz a empresa.