Quando Heitor Dhalia e André Godoi começaram a gravar a série Arcanjo Renegado, algumas imagens de bastidores vazaram, movimentando as pessoas, que acreditavam que o que viam ali nas imagens se tratava de alguma ação verdadeira, que tomava o morro, no caso o Complexo da Maré.
Isso se deve à proximidade da ficção com a realidade. Para dar esse tom real à produção, contaram com a consultoria do criador da série, José Jr., fundador do grupo cultural AfroReggae. E é essa história, recheada de emoção e ação, que estreia nesta quinta-feira, 4, na Globo, mas que também pode ser vista na plataforma de streaming da emissora, o Globoplay.
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Renovada para uma segunda temporada, Arcanjo Renegado traz a história de Mikhael, interpretado por Marcello Melo Jr., sargento do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e que integra a equipe mais respeitada e eficiente do grupamento. Órfão, perdeu o pai, também policial, vítima da violência, e a mãe, de câncer. Para complicar ainda mais a vida do rapaz, seu parceiro também é morto. Só que ele era o marido de sua irmã, Sarah, vivida por Erika Januza, que, além de viúva, tem um filho para criar sozinha.
Em conversa com o Estadão, a atriz, que também está na novela Amor de Mãe, revela que essa personagem é bem diferente das que já fez, pois vive uma realidade diferente da sua, já que ela ainda não é mãe, nem casada com policial. Segundo ela, é com a morte do marido de Sarah, Rafael (Alex Nader), em combate durante uma missão em uma comunidade, que a ação começa de verdade e sua personagem terá de conviver com essa perda e com o que isso acarretará em sua vida.
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“A partir desse fato, essa mulher terá de lidar com o irmão, que chega com desejo de vingança, mas é o único membro da família que restou, além do seu filho”, conta Erika. Começa assim uma reviravolta na vida de todos os envolvidos. Graças a um problema de saúde do filho, Sarah parou de trabalhar e o marido era quem sustentava a casa. Agora viúva, ela precisa arrumar um jeito de conseguir se manter, o que talvez a leve a “sair do que para ela seria correto, ou não, para sustentar o filho”.
Trata-se de uma série que mostra diversos pontos de reflexão. Como é o caso das mortes de policiais nos conflitos diários que acontecem no Rio de Janeiro. “Quando a gente gravou, em 2019, os números já eram alarmantes, com notícias diárias de mulheres que perdiam o marido ou vice-versa, pois tem muita mulher em combate”, conta a atriz.
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Para ela, sua personagem tem muito de verdadeiro, pois representa o drama de muitas mulheres. Para se preparar para o papel, Erika conta que, além de pesquisar, conversou com algumas mulheres casadas com policiais, mas não com as que perderam alguém nessa violência, embora, explica ela, apesar de serem dores diferentes, não deixam de ser dores.
“Para quem tem um companheiro ou companheira que sai de casa para exercer o seu ofício, logo vem o medo de que aquele pai de família não volte. Como fica a vida dessas pessoas? Isso mexe muito com o psicológico, o emocional da pessoa, com o medo de perder o companheiro de vida. É uma história que deixa uma marca profunda na pessoa, com essa perda repentina para a violência”, reflete a atriz.
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Muitas das cenas de Erika foram desafiadoras, principalmente por serem fortes, exigindo muito do seu potencial. Desde o momento em que pega o roteiro, ela diz que já fica emocionada e até com certo medo da hora de gravar. “Eu queria ser muito respeitosa com tudo o que essas mulheres enfrentam, porque a arte é representação, não é a minha vivência ter perdido um marido dessa forma.”
A atriz enfatiza como foi forte atuar na série, estar na pele de uma mulher que vai passar pelos mais dolorosos momentos de sua vida, como foi receber a notícia da morte do marido. Mas ela não pode fraquejar e ainda tem de procurar forças de onde nem imagina para ser o suporte do irmão, que nem sempre toma decisões acertadas.
“É um retrato da vida e o José Jr. retratou uma realidade crua”, diz Erika, que lembra que, no período de gravações, o autor acompanhava tudo, funcionando “como um codiretor”. Segundo a atriz, José ficava no set e apontava se a cena em questão refletia a realidade. E, lembra Erika, algumas vezes pedia para o diretor parar a gravação para mostrar como deveria ser. “Junto com Heitor e André, o José entrava para trazer a visão dele de mundo, do que já tinha vivido.”
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O diretor Heitor Dhalia acredita que é importante a série retratar os diversos lados da luta que existe no Rio. “É complexa a situação, pois a polícia é algoz e é vítima ao mesmo tempo”, afirma. Para ele, o que há no Estado do Rio é uma guerra civil de fogo branco, que não é tratada como se fosse. “É importante jogar luz em todos os lados, e a série traz a polícia, a imprensa, o crime, e tenta retratar essa zona de conflito em mais um capítulo dessa guerra.”
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Quando foram gravar no Complexo da Maré, que é um conjunto de comunidades, eles primeiro conversaram com os líderes comunitários. “Ali também é uma zona de conflito e a população ficou estigmatizada pelos acontecimentos, então, fomos muito bem recebidos”, conta o diretor. Ele se recorda da primeira noite de gravação, com crianças brincando na rua. “Foi bem emocionante e tivemos uma relação muito boa com a comunidade.”
Com toda sua experiência, Dhalia afirma que, para se retratar uma realidade tão difícil, você tem de estar preparado psicologicamente. “Acima de tudo, é preciso não ter preconceito com a realidade que está retratando.”
Não foi uma situação fácil, mas houve uma imersão total naquela comunidade. “Claro que é difícil filmar em lugares onde as pessoas andam com fuzil na rua, e as comunidades também vivem nessa relação, em que convivem com essa guerra particular, um exército armado, operações policiais em larga escala, tiroteio. Você sente medo, mas, ao mesmo tempo, a comunidade é feliz. Foi uma experiência enriquecedora, aprendi muito e foi bem bacana poder ter vivido isso”, revela o diretor.
E salienta que o que a série acaba passando é que essa é uma realidade que só será resolvida com diálogo, sem uso da força. “Para sairmos dessa situação, há a necessidade de uma reflexão mais profunda, do porquê nós chegamos aqui.”
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