A gente já não aguenta mais! Moramos aqui há 45 anos e o que vem acontecendo nos últimos tempos está passando do limite!” O desabafo da aposentada Beloni Henn, 63 anos, reflete uma visão praticamente geral dos moradores e empresários que vivem no Bairro Goiás, em Santa Cruz do Sul. A criminalidade, segundo eles mesmos, tomou conta. E não há mais dia ou horário para os delitos.
Furtos a residências e a empresas, invasão de domicílios e uso de drogas acontecem a qualquer momento. Beloni mora com o marido Egon Henn, de 78 anos, em uma residência da Rua Fernando Abott, quase esquina com a Carlos Trein. Na última terça-feira, um criminoso arrebentou a porta que fica junto a um quiosque, nos fundos do terreno deles, e entortou a proteção de uma grade instalada na janela da cozinha, por onde conseguiu entrar na casa.
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Com os idosos dormindo, por volta das 2h40, o bandido furtou uma televisão de 50 polegadas, uma assistente virtual Alexa e R$ 800,00 em dinheiro. Câmeras de segurança flagraram a movimentação do ladrão, que, ao sair da casa, pareceu escolher os objetos a levar da bolsa de Beloni, deixando cartões e documentos e se apropriando apenas do dinheiro
“Quando acordamos, vimos o que tinha acontecido. Percebemos que as alfaces que plantamos estavam amassadas. Nas câmeras, observamos que ele largou a televisão em cima das alfaces, enquanto escolhia bem tranquilamente quais objetos levava da minha bolsa”, contou a mulher. O caso foi registrado na delegacia, mas não como os idosos queriam.
“Eles tiveram a capacidade de registrar na delegacia como furto simples, sendo que arrombaram a nossa casa, quebraram as coisas e levaram nossos objetos. Da onde isso é um furto simples?”, disse Egon. “Nos trataram muito mal na delegacia, quase não quiseram registrar”, complementou. Morador há 45 anos do bairro, Egon diz ter certeza que já foi vítima de furto mais de 45 vezes. “Em uma reunião para tratar disso na Câmara de Vereadores, uma delegada disse que sabia dos furtos, mas as pessoas não registravam ocorrência. De que adianta registrar, se não fazem nada?”, questionou o idoso, que gostaria de ter detalhado os casos na reunião na Câmara.
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“Não me deixaram falar, mas um major me viu e me ouviu depois. Ficou de vir fazer uma visita. Eu disse para ele que muitas vezes não registramos porque não adianta nada”, salientou.
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Casas abandonadas: um problema a ser resolvido
O filho do casal de idosos trabalha com caminhão e o deixa estacionado na frente da casa dos pais. No local, já cansou de ter o veículo de trabalho arrombado. “É uma sequência. No caminhão dele, mexem toda hora. Levam bateria, fiação elétrica. Arrancam até o painel, que custa uns R$ 5 mil para arrumar”, salientou Beloni Henn. “A caixa nova de cozinha que ele fez para o caminhão, com jogo de panela e fogão com chapa, também foi levada.”
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Para o líder comunitário do Bairro Goiás, Jeferson Peres, são claros os motivos das invasões. “Temos um problema grave das casas abandonadas, que atraem ladrões de ocasião. Eles veem onde as moradias estão vazias e invadem a qualquer hora. Estamos acompanhando e vamos tentar conversar com o poder público e os órgãos de segurança”, comentou.
“Nosso bairro é de pessoas mais idosas, então acontece muito de uma ou outra pessoa falecer com os filhos morando fora do País ou do Estado. E as casas ficam abandonadas”, observou. “Os criminosos invadem, dormem durante o dia e de noite saem para cometer os furtos dentro do bairro.” Para se ter uma ideia da relação entre os imóveis abandonados e os crimes, a residência de Beloni e Egon fica ao lado de uma obra e de uma casa abandonada.
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A Gazeta do Sul acompanhou o morador Jeferson nesse último imóvel e flagrou um espaço deteriorado pelos ocupantes irregulares. A porta estava aberta e logo na entrada havia dejetos humanos. O cheiro de urina e fezes era muito forte.
Em algumas peças, havia restos de comida e bebidas alcoólicas. Uma parte da residência chegou até a ser queimada e o assoalho foi quebrado num ponto, criando um “fundo falso” para esconder objetos furtados.
Em uma residência mais para baixo na Fernando Abott, quase em frente à Câmara de Vereadores, outra casa abandonada tinha sinais de ocupação vistos já na área de frente. Várias peças de roupas estavam jogadas no local. Na parte de trás do imóvel, um flagrante. Dois indivíduos foram abordados pelo líder comunitário. Questionados se estavam ocupando a área privada, afirmaram que nos últimos dias sim, mas não cometeram furtos no bairro.
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“Fazer por nós”
Um caso de repercussão aconteceu em 16 de março deste ano, na loja especializada em materiais de construção Cassol Centerlar, na Rua Carlos Trein Filho. O gerente do estabelecimento, Leandro Aires, junto de um funcionário, deteve dois criminosos. Durante o expediente da empresa, às 10 horas, eles tentavam furtar quatro rolos de cabos flexíveis, que totalizavam R$ 3,4 mil.
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Conforme Aires, que recebeu a Gazeta nesta semana, o caso ilustra uma série de furtos consumados ou tentados que vêm aumentando cada vez mais. “Eles se disfarçam de catadores, para observar as casas e furtar. A gente tem que fazer por nós mesmos, porque tá demais essa situação no bairro”, comentou o empresário. Ele deve instalar uma rede de concertina em uma área aos fundos da empresa, para auxiliar na contenção dos criminosos.
Na noite de sexta-feira da semana passada, o gerente precisou lidar com outra situação. Um dos criminosos que mais cometem furtos na região do Goiás quebrou parte de um tapume em frente ao estabelecimento da Cassol e invadiu uma área interna, em obra, no subsolo. Nesse local, ele furtou uma caixa de ferramentas e tentou invadir a loja através de uma porta, usando uma marreta.
Contudo, frequentadores de uma igreja que fica nas imediações ouviram os barulhos e foram ver o que era, flagrando o ladrão. “Ele ia levar o nosso lava-jato também, mas como viu a movimentação, fugiu pelo telhado da igreja e acabou quebrando uma janela de um posto de combustíveis”, disse Aires. Nas imediações da loja, a reunião de usuários de drogas vem sendo outro problema.
Próximo da Cassol, à noite, pessoas costumam usar drogas e consumir bebida. Pinos de cocaína e garrafas de vidro são facilmente vistos na calçada. O gerente da Cassol citou ainda, como outro delito recente, o furto de um ar-condicionado em uma pizzaria na última semana. “A situação no bairro tá demais. Estão entrando nas casas e invadindo empresas em qualquer horário. E não temos uma resposta digna da polícia. A gente já não sabe mais o que fazer.”