Sob um céu cinza e melancólico, o corpo da policial militar Marciele Renata dos Santos Alves deixou a capela da Funerária Madre Teresa em direção ao Cemitério Municipal de Cachoeira do Sul no fim da tarde dessa terça-feira, 26. Marcado para as 17 horas, o sepultamento da brigadiana atropelada por criminosos durante um cerco policial na segunda-feira teve início com uma salva de palmas. Seguiu-se uma caminhada silenciosa rumo ao jazigo que, pouco mais tarde, seria coberto com 56 coroas de flores.
As homenagens à jovem começaram ainda na manhã dessa terça-feira, vindas de familiares, amigos e colegas de profissão. Na porta do cemitério, o caixão com o corpo foi recebido com o som da marcha fúnebre, que marcou o tombamento de mais um policial em serviço. Desde o início deste ano, seis policiais militares já foram mortos em combate. Marciele é a primeira policial mulher a morrer em uma ação no Estado.
Nas redes sociais, ela costumava prestar homenagens e lamentar a violência da qual acabou se tornando vítima. Em uma postagem de junho deste ano, quando dois policiais morreram em confronto com traficantes na zona leste de Porto Alegre, ela mencionou declarações que haviam sido feitas na mídia por governantes sobre o salário dos brigadianos e questionou: “Continuamos ganhando muito ‘apenas’ para arriscar a vida?”.
Publicidade
Apesar da indignação com a falta de segurança e valorização da categoria, Marciele seguia firme na linha de frente da BM, e há três meses fazia parte do Pelotão de Operações Especiais (POE) de Santa Cruz do Sul, comandado pelo tenente Marcelo Machado Sune. De acordo com ele, a jovem cumpria com excelência todos os requisitos de uma policial apta a atuar no POE: sabia trabalhar em equipe, tinha experiência e desprendimento no atendimento de ocorrências e no manuseio de armas. “Era uma profissional dedicada e qualificada e um ser humano muito especial, querida por todos os colegas por ser uma pessoa muito alegre”, comentou.
Além das homenagens em Cachoeira, onde Marciele nasceu e foi sepultada, sirenaços por todo o Rio Grande do Sul foram realizados ontem em respeito à PM.
Marciele seguiu os passos do padrasto
Foi correndo atrás dos passos do padrasto, o sargento aposentado Gildo Alceu Kappel, que Marciele decidiu se tornar brigadiana. Quando era criança, segundo ele, a cachoeirense o perseguia dentro de casa, querendo ser policial também. “Era o sonho dela sempre. Um dia teve o concurso, ela fez e passou. Foi uma das minhas maiores alegrias e hoje é uma das minhas maiores tristezas”, comentou. A jovem formou-se no curso da Brigada em 2012 e desde então vinha percorrendo diferentes áreas da corporação, inspirada constantemente pela carreira de Kappel.
Publicidade
Após o estágio probatório em Lajeado, Marciele foi atuar no policiamento ostensivo de Taquari. De lá, quando o padrasto se aposentou, a soldado passou a ocupar o lugar dele no Serviço de Inteligência da BM em Santa Cruz. A transferência, segundo o coronel Valmir José dos Reis, foi um “presente” concedido ao sargento pela carreira de sucesso na instituição.
“Ela já estava capacitada para fazer tudo, escuta telefônica, espionagem, porque eu treinei ela em casa para isso. Ela ficou lá até enjoar, aí deve ter fuçado o meu fichário e descobriu que eu fui pro pelotão de motos da BM, e então ela se tornou a primeira mulher do pelotão em Santa Cruz”, detalhou Kappel.
Marciele havia entrado para o pelotão de motos, hoje conhecido como Rondas Ostensivas com o Apoio de Motocicletas (Rocam), em novembro do ano passado. Há três meses, no entanto, ela estava integrando o Pelotão de Operações Especiais (POE), núcleo seleto da BM do qual Kappel também fez parte. “Era o maior sonho dela, e ela teve que seguir vários passos para conseguir. Eu fui das operações especiais também, tive treinamento na Swat, em várias cidades do País e fora. Tentei passar tudo do bom e do melhor para ela, devo ter esquecido de (ensinar a) desviar de carro, ter olhos nas costas. Tudo ela aprendeu, era praticamente uma professora na tática operacional e uma exímia atiradora, e aí deu essa fatalidade.”
Publicidade
De acordo com o sargento, o conforto diante da morte da enteada e parceira de profissão vem do fato de ela ter falecido fazendo aquilo que amava. “Ela morreu em combate, não foi fugindo de ocorrência. Honrou o juramento dela, soube trabalhar em equipe, mas infelizmente parece que era a hora dela. Em casa, assunto meu e dela era tontear todo mundo com assunto de polícia 24 horas por dia, sempre. Assim era ela, companheira, amiga. Para mim era uma policial completa, sempre vai ser a minha heroína.”
Um sonho interrompido
Além da conclusão nas especializações em Fisioterapia, que vinha realizando em Porto Alegre e Santa Maria, Marciele deixou mais um sonho para trás. Conforme o padrasto, a soldado pretendia se tornar delegada de polícia. “Estava devorando apostilas. Ela chegou à conclusão de que, para chegar a ganhar bem na BM, ia precisar ser coronel, e isso leva 30 anos. Já se passasse no concurso de delegada, sairia ganhando bem de saída, então era mais futuro estudar para isso e continuar fazendo o que ela gostava, que era ser polícia”, contou. Pela experiência nas diferentes áreas da BM que já tinha, Kappel acredita que a enteada teria sido uma excelente delegada. “Teria uma grande bagagem, mas infelizmente não conseguiu. Foi um sonho interrompido”, lamentou.
Publicidade
This website uses cookies.