Quem se vê como superior precisa de um inferior, concreto e identificável. Sempre. Não passa pela cabeça de quem se julga assim, no topo da raça humana, que ele próprio talvez seja inferior aos olhos de terceiros. Pensei nisso após finalmente ter lido, esses dias, A escolha de Sofia, romance publicado em 1979 que deu origem ao filme homônimo com Meryl Streep.
A expressão “escolha de Sofia” popularizou-se para além do contexto original – o extenso livro de William Styron e o filme de Alan J. Pakula – e caiu no uso corrente. Significa o impasse de ser obrigado a optar entre duas alternativas igualmente intoleráveis. É o que enfrenta Sofia Zawistowska, polonesa sobrevivente do campo de extermínio de Auschwitz. Mas não vou esmiuçar o enredo criado por Styron, e sim me ater a uma subtrama significativa (para mim).
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Antes do início da Segunda Guerra, muitos poloneses compartilhavam algo com os nazistas: o ódio contra judeus. O pai de Sofia, professor universitário em Cracóvia, era um deles. O velho Bieganski preocupava-se com a influência judaica nos negócios e na vida cultural, a começar pela universidade. Quando o Terceiro Reich assume o poder na Alemanha, ele se enche de admiração por Hitler e sua política antissemita. Eis aí um exemplo para toda a Europa, pensa, é disso que precisamos.
Em casa, a jovem Sofia presencia – a contragosto – o trabalho do pai na elaboração de longo texto, uma peça panfletária intitulada “O problema judeu na Polônia: o nacional-socialismo tem a solução?” Ao ler o manuscrito, ela se impressiona com um termo repetido várias vezes, de forma “nublada e sinistra”: aniquilação.
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Bieganski empolga-se, quer enviar o panfleto para autoridades e formadores de opinião em seu país, na Áustria e na Alemanha. Mas não tem tempo. No dia 1o de setembro de 1939, tropas alemãs invadem a Polônia. O professor é preso e, pouco depois, morto a tiros no campo de concentração de Sachsenhausen.
Por que? Porque era polonês – também uma “raça inferior” na opinião de Hitler. E intelectual, para piorar. O nazismo não queria eliminar só os judeus. Nos grandes transbordamentos assassinos, nas mobilizações de fúria à caça de inimigos, sempre tem lugar para mais um.
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