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Sem solução: burocracia que atrapalha a vida do cidadão

Há três anos, o empresário santa-cruzense Celso Kist sente no bolso o peso da burocracia. O jogo de empurra-empurra entre órgãos públicos tem lhe causado uma dor de cabeça constante e um prejuízo que coloca em risco boa parte do investimento que fez às margens da RSC-287, em Linha Pinheiral. O problema é que ele vendeu parte da área de 12 mil metros quadrados e, agora, paga indenização ao comprador em razão da divergência de informações obtidas junto à Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) e ao Departamento Autônomo de Estradas e Rodagem (Daer).

Kist conta que comprou o imóvel, na altura do quilômetro 93, considerando uma faixa de domínio de 30 metros a partir do eixo da rodovia (meio da pista), o que havia sido autorizado pelo Daer em 2010. Na época, a Santa Cruz Rodovias possuía a concessão, mas o assunto competia ao órgão estadual.

Três anos depois, já com a EGR à frente da administração rodoviária, Kist desmembrou o terreno e vendeu 10 mil metros quadrados a uma empresa local. Entretanto, ao tentar regularizar a negociação, os trâmites esbarraram na estatal, a qual cobra faixa de domínio de 40 metros a partir do eixo, alegando que a distância estaria determinada em um decreto (veja no quadro abaixo).

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Com isso, o empresário precisou indenizar o comprador. Porém, como havia utilizado o valor que recebeu para quitar dívidas e investir em outros negócios, recorreu a um empréstimo para quitar as parcelas da indenização. “Penhorei o restante do imóvel como garantia para conseguir o dinheiro. Vou acabar perdendo ele também. Estou num beco sem saída, não consigo resolver nada.” Para amenizar o prejuízo, ele pede que o Estado o indenize pelos 2.550 metros quadrados (frente da área), os quais foram comprados por Kist, mas teoricamente pertenceriam à faixa de domínio.

A Gazeta do Sul entrou em contato com os dois órgãos. O Daer informou que os lindeiros têm o direito de reivindicar a desapropriação diretamente com a EGR, que possui a circunscrição sobre o trecho. Já a estatal afirmou que os proprietários de terrenos que entenderem ter direito a indenização devem recorrer judicialmente.

O que diz o decreto

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O decreto 33.556, mencionado pela EGR para justificar a exigência de 80 metros de domínio (40 de cada lado), é de junho de 1990. O documento renova outro de 1970. Porém, ao citar os quilômetros compreendidos pela regra, não é claro. Pelo decreto, a faixa de domínio de 80 metros vale para o trecho entre os quilômetros zero e 50 e “estacas 0 + 0,00 a 2.500 +0,00”. Segundo a  EGR, o documento faz referência à quilometragem do projeto original da rodovia, onde “o km 0,00 corresponde ao km 54 + 660 m verificados in loco no entroncamento com a ERS-129, já o km 50 do projeto corresponde ao km 104 + 650m, no entroncamento com a BR-471”.

Medidas do recuo também geram confusão

Outra preocupação de quem é proprietário de áreas às margens da RSC-287 é o tamanho do recuo – tecnicamente chamado de faixa não edificante. O vereador de Santa Cruz, Mathias Bertram (PTB), possui um estabelecimento comercial com a família, na altura do quilômetro 92.

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A estrutura passou por reforma há cerca de dez anos. Na época, Bertram obteve do Daer um documento informando que a faixa de domínio era de 30 metros do eixo da rodovia e, para a construção, deveria ser respeitada uma distância de quatro metros. No entanto, segundo o vereador, atualmente são exigidos 15 metros. “Quem alterou a obra tenta regularizar e não consegue”, comenta. “Mesmo que pretendam fazer a duplicação, não é necessário todo esse espaço. Daria quase para fazer um campo de futebol”, ironiza.

Tanto Daer quanto EGR explicam que o que vale é a lei federal 6.766 de 1979, a qual determina 15 metros não edificáveis ao longo de faixas de domínio de rodovias. O Daer havia estabelecido uma regra flexível que reduzia para quatro metros essa área na zona urbana. No entanto, segundo o Daer, ela foi considerada inconstitucional em 2014 e voltou a valer a legislação antiga.

O órgão afirma que há uma flexibilização em vigor para quem construiu até setembro de 2013 e conseguir comprovar a antiguidade do prédio (por meio de contas de luz, IPTU, fotos, notas fiscais de materiais de construção, entre outros documentos). No entanto, ressalta que, caso seja feita alguma modificação na estrutura, a edificação deverá se enquadrar na regra geral de 1979.

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Entenda o caso

  • Em 2010, Celso Kist comprou uma área de 12.028 metros quadrados, cuja planta, naquele ano, indicava faixa de domínio de 60 metros (30 para cada lado do eixo da rodovia). O Daer havia concordado com as medições via documento oficial entregue aos proprietários (ao lado). Na época, a Santa Cruz Rodovias administrava a RSC-287.
  • A escritura do imóvel foi feita no ano seguinte, sem impedimentos. Em 2013, o empresário vendeu parte das terras – 10 mil metros quadrados – a empreendedores.
  • Um ano depois, ao tentar fazer a escritura para entregar aos novos donos, começou a confusão. Para continuar a regularização, necessitava de uma nova aprovação das medições (tendo em vista que a área foi desmembrada), desta vez, da EGR,  que passou a explorar a rodovia em 2013.
  • Depois das tentativas frustradas de avançar o processo, o empresário contratou o advogado Claudino Etges para cuidar do caso. Etges conta que esteve na EGR em diversas oportunidades para tentar resolver o problema sem entrar na Justiça, sem êxito.
  • Na EGR, ele foi orientado a fazer um procedimento administrativo dirigido à área técnica e jurídica. O documento foi protocolado em março deste ano e, em maio, a estatal respondeu reforçando que a faixa de domínio no local seria de 80 metros (40 para cada lado).
  • A estatal disse ainda que a declaração emitida pelo Daer em 2010 não alterava a manifestação da EGR (acima). Sobre o pedido de indenização, a Empresa Gaúcha de Rodovias afirmou que, caso desejasse buscar na Justiça, deveria recorrer ao governo do Estado, proprietário da área da faixa de domínio.

EGR obteve autonomia para decisões

Segundo o Departamento Autônomo de Estradas e Rodagem (Daer), a faixa de domínio tem como função a segurança dos usuários e lindeiros. Ela é propriedade do Estado. O Daer é a maior autoridade sobre a faixa. Entretanto, em 2013, o governo transferiu à Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) a administração e a exploração das rodovias que integram o Polo de Rio Pardo.

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Como a estatal passou a ser responsável pela RSC-287, tem autonomia sobre o assunto. A EGR explica que o que define a largura de faixa de domínio é o projeto da rodovia. Esse espaçamento deve “comportar não somente as pistas de rolamento, como canteiros centrais, obras de arte, acostamentos, sistema de drenagem, área para futuras ampliações e/ou duplicações”.

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