Meu irmão está morto, eu continuo vivo. Não sei qual a razão para ambas as coisas. E não sei por que eu ainda estou aqui.
Agora é aquele momento em que dizem “Deus sabe o que faz”, mas eu nada sei. Talvez Ele pudesse descer aqui para termos uma conversa honesta, de homem para Deus. Desça, porque eu tenho coisas a dizer.
Por exemplo, certas pessoas parecem nascer marcadas para o infortúnio. Para elas, fechou-se uma porta. Estão condenadas a viver em um cárcere mental sem janelas, numa escuridão ameaçadora, povoada de espectros escarninhos e cruéis. Esse é um dos Seus desígnios? Faz parte de um genial plano superior? Qual?
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Estou aqui sem saber por quê, absorto na tentativa inútil de fazer o tempo retroceder. Pensando em uma história diferente, como naquelas brincadeiras de infância com nossas revistas em quadrinhos. Recortávamos os heróis da Marvel e DC nas HQs, separávamos personagens de seus enredos e cenas originais, inventávamos possibilidades: Capitão América contra o Batman, Thor contra os X-Men. Cansados de roteiros fixos, nós criávamos outros. Tínhamos imaginação.
Nunca esqueço de quando voltamos para casa após ver O Império Contra-ataca no Cine Victoria. Ficamos quase uma hora duelando com cabos de vassoura, imitando Luke Skywalker contra Darth Vader. Lembra disso? Nos divertíamos com pouco. Depois chegou a adolescência, e cada um encontrou novas companhias, outros interesses.
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Então veio a doença. Quando começou? Após aquele acidente que te deixou inconsciente no hospital? Desconfio que sim, mas não estou certo. Numa progressão dilacerante, ela se impôs sobre medicamentos e tratamentos, até passar a torturá-lo dia após dia. Durante anos. Como disse um amigo, a morte foi um “alvará de soltura”.
Restarão ainda boas lembranças, mas também o abraço que não foi dado, a despedida que não houve, a promessa adiada para nunca mais.
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“Foi preciso que te fosses
Para sabermos de nós
Que ficamos sós
Ouvindo tua voz.” (Carlinhos Hartlieb)
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