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Sem ilusões

Muito tem sido comentado, muitas opiniões têm sido expressas ousando dizer o que será o pós-pandemia. Porém, se na crua realidade que se vive já há sérias dificuldades em compreender tudo o que está acontecendo aqui e agora, como alguém vai querer já saber o que acontecerá amanhã, ainda que seja com base no que está sendo vivenciado hoje.

Já se tem como certo que muitas formas de viver e trabalhar serão modificadas, que o próprio ser humano irá mudar para melhor. Não se pode negar a possibilidade de fazer conjecturas a respeito; algumas mudanças poderão mesmo ocorrer. Mas, diante de certa experiência de vida em nossa própria aldeia e nação, diante de comportamentos reprováveis que se manifestam no próprio período crítico (caso das fraudes nos auxílios, dos posicionamentos radicais e tantos outros) e de avaliações de diferentes pensadores sobre a história humana nas mais diversas partes do mundo, vejo-me inclinado a não alimentar ilusões.

“A dinâmica da história não está voltada para o aprimoramento do bem-estar humano. Não há nenhuma base para se pensar que as culturas mais bem-sucedidas da história sejam necessariamente as melhores para o Homo sapiens”, diz Yuval Noah Harari, em Sapiens – Uma breve história da humanidade. Já Michel de Montaigne verbera: “É forçoso que com muita frequência as formas menosprezadas voltem a crédito, e que essas mesmas caiam em descrédito logo em seguida, e que um mesmo julgamento, no espaço de 15 ou 20 anos, assuma duas ou três opiniões, não apenas diferentes mas contrárias, com incrível inconstância e leviandade”.

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O mesmo autor proclama que “não há nada em que se acredite tão firmemente como naquilo que se sabe menos”, lembrando ainda máxima grega de que “os homens são atormentados pelas opiniões que têm das coisas, não pelas coisas em si”. Albert Camus, por sua vez, acrescenta: “Exageramos sempre as coisas que não conhecemos”. Já Thomas Bernhard, em Origem, é mais duro: “Os seres humanos são como são, não há como mudá-los, assim como tampouco as coisas que eles fizeram, fazem e irão fazer”. Vale ainda lembrar famoso escritor gaúcho, Erico Verissimo, ao perguntar, em Incidente em Antares, “Que é o povo?”, e responder: “Um monstro com muitas cabeças mas sem miolos. E esse “bicho tem memória curta”, conclui.

Sem querer desesperar, mas também não esperar muito, creio que devamos nos valer de outros pensamentos interessantes, como o do inesquecível Chaplin: “Temos de rir diante do desamparo contra as forças da natureza – ou enlouquecer”; ou do filósofo Clóvis de Barros Filho: “Lamentar-se um pouco menos, esperar um pouco menos e amar um pouco mais”. Enfim, diria que, para abrir espaços propícios à felicidade diante de tudo que se manifesta em nosso dia a dia e evitar frustrações, é preciso ter menos expectativas e ilusões em relação a si mesmo e aos outros. Assim, não será preciso nem projetar muitos cenários, mas apenas estar sempre pronto, com leveza e disposição, para o que der e vier.

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