Depois do sucesso de O Palhaço, em 2011, o cineasta e ator Selton Mello retorna aos cinemas no dia 3 de agosto com sua nova produção, O Filme da Minha Vida, produzido pela Bananeira Filmes, do Rio. E essa película tem curiosa relação com Santa Cruz do Sul. Em 2013, quando se encontrava na cidade para o lançamento da antologia Nem te conto, na qual contribuiu com texto de sua autoria, o escritor chileno Antonio Skármeta mencionou que gostaria ver seu romance Um pai de cinema, transformado em filme no Brasil. Acabou sendo colocado em contato com Selton Mello.
Skármeta assistiu a O Palhaço e Selton e a produtora Vania Catani leram Um pai de cinema. Foi admiração recíproca. Estava selada a parceria. Selton, claro, conhecia a obra de Skármeta, que resultara em três produções classificadas para o Oscar, entre elas O carteiro e o poeta. O filme da minha vida foi rodado na Serra Gaúcha, em 2016, e Skármeta inclusive fez participação. O francês Vincent Cassel e os brasileiros Johnny Massaro e Bruna Linzmeyer, bem como o próprio Selton, lideram o elenco. Em breve, o público poderá ver o resultado nas telas.
À véspera da estreia, Selton, 44 anos, mineiro de Passos, concedeu entrevista exclusiva por e-mail ao Magazine, caderno de variedades do jornal Gazeta do Sul, detalhando as circunstâncias dessa produção. Sua expectativa é de que a nova obra venha a se transformar no filme da vida de muitas pessoas.
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ENTREVISTA / SELTON MELLO
Ator e diretor de cinema e TV
Magazine – O Palhaço, de 2011, projetou teu nome no cinema brasileiro como diretor. Em que medida avalias e situas agora O Filme da Minha Vida em tua trajetória?
Selton Mello – Eu acho que é um amadurecimento, já é o terceiro longa-metragem. No meio desses três filmes teve três temporadas da série “Sessão de Terapia”, que eu dirigi sozinho, foram 115 episódios. Acho que é o início da maturidade atrás das câmeras. A novidade é que é a primeira transposição de uma obra literária para as telas. Eu nunca tinha trabalhado em uma adaptação de um livro. Isso foi bastante rico e interessante de viver. É um livro muito delicado, muito bonito, divertido. Tinha todos os elementos que eu buscava depois de “O Palhaço”. Esse filme chega em um momento maduro atrás das câmeras.
Magazine – E a parceria com Antonio Skármeta. Como foi, ao longo do processo de produção do filme, o diálogo entre vocês? Ele chegou a participar com comentários, sugestões, opiniões?
Selton – A parceria com Skármeta foi incrível. Desde o começo ele se mostrou um interlocutor ideal, é o homem que criou esse universo em seu livro. E por ter vivido várias experiências de adaptações, tem também a generosidade de saber que o filme precisa ter vida própria e precisa ir além das páginas. E ser recriado, ter coisas inventadas, sem perder a essência. Ele leu todos os tratamentos, deu opinião em todos, mas sempre de uma forma muito gentil, sabendo que eu precisava ser o autor desse salto estético para as telas. Então, não podia ter sido uma experiência mais feliz. Porque eu contava com um camarada muito sensível, criador da obra original, mas que entendia exatamente que eu precisava ter a liberdade para criar em cima da criação dele. Foi incrível.
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Magazine – O próprio filme, assim como o romance original de Skármeta, já dialoga ou presta uma espécie de homenagem ao cinema. O que O Filme da Minha Vida passa a representar para a vida do próprio Selton, ator e diretor?
Selton – É uma pergunta interessante, porque “O Palhaço” traz, entre outras coisas, uma homenagem à minha profissão de ator (esse ano, aliás, completo 35 anos de carreira). E “O Filme da Minha Vida” presta uma homenagem ao próprio cinema. O protagonista de “O Filme da Minha Vida” é um jovem amadurecendo, suas angústias, o primeiro amor, a ausência do pai. É o jovem se tornando adulto e o cinema tem grande parte nesse amadurecimento. Foi muito bonito poder fazer isso.
Magazine – Havias manifestado desde o princípio interesse em filmar no Sul do Brasil. Por que essa região mostrou-se especialmente indicada para ambientar essa história?
Selton – A minha aproximação com o cinema brasileiro aconteceu quando eu nem fazia cinema. Quando eu fazia novela e era convidado, frequentemente, para o Festival de Gramado. Fui algumas vezes, ficava vendo aqueles filmes, com muita vontade de fazer parte daquilo. Demorou um tempo para o cinema descobrir meu trabalho. Foi no filme dos Trapalhões, Uma Escola Atrapalhada, depois foi o Lamarca, com o Sergio Rezende, Guerra de Canudos, de novo com o Sergio. Depois a vida foi me levando cada vez mais para esse desejo de fazer cinema. E aí o Lavoura Arcaica e O Auto da Compadecida foram pedras fundamentais nessa história, em 1998. Por isso, sempre tive um carinho muito grande pelo Sul, porque foi ali que eu vi os filmes brasileiros e comecei a entrar no universo da nossa indústria – quem fazia, como fazia, as dificuldades, as belezas de se expressar na tela grande. Eu tinha essa relação afetiva com o Sul. Quando li o livro do Skármeta, que se passa na serra chilena, eu falei: perfeito! É a minha chance de filmar no Sul! E aí a história virou anos 60, Sul do Brasil. Originalmente é anos 50, serra chilena. Fizemos essa mudança porque a virada da rádio para TV no Brasil foi um pouco depois do Chile. E é exatamente nesse momento que se situa “O Filme da Minha Vida”. E sem contar a delícia de ficar no Sul. Adoro o frio, gosto de chimarrão, aprecio a cultura do Sul. E a luz linda da serra gaúcha. A minha referência do Sul era Gramado e arredores, mas quando mergulhei nisso profundamente descobri que eu estava atrás de outro lugar da serra gaúcha, que era Bento Gonçalves e arredores, onde tinha uma arquitetura antiga. E aí foi ótimo, porque acabei conhecendo um lado da serra que eu não conhecia. A gente rodou por Garibaldi, Monte Belo do Sul… Foi muito boa a experiência para mim e para toda a equipe.
Magazine – O elenco, bem como a equipe técnica, traz nomes de forte referência nacional e internacional, a exemplo de Vincent Cassel, o que já revela preocupação com a exposição internacional da produção. Qual deve vir a ser a agenda internacional a ser cumprida?
Selton – Ainda não sabemos, agora nosso esforço maior é concentrar totalmente no lançamento no Brasil. O filme estreia no dia 3 de agosto, toda a energia está voltada para isso, vou colocar todos os meus esforços pessoais para fazer do filme um grande sucesso e tentar repetir o feito de “O Palhaço”. É um filme que dialoga com o grande público, com uma história linda, que emociona, diverte, que tem espaço para a imaginação, ou seja, o mesmo público que amou “O Palhaço”, pode assistir esse com tranquilidade.
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Magazine – A recessão econômica nacional certamente agregou desafio ainda maior a uma produção por si só bastante complexa. Como avalias o momento atual do cinema brasileiro? Que tipo de cinema emerge desses anos recentes?
Selton – Sim, vivemos um momento mais delicado, mas na verdade o cinema brasileiro sempre teve dificuldades e sempre se reinventou em cima dos problemas. Eu participo dessa parte de uma forma menor. O filme é produzido pela Vania Catani, através da Bananeira Filmes, ela quem cuida de toda a produção, a captação e tudo. Cabe a mim ajudar a abrir portas, trazer possíveis investidores. Mas o cinema brasileiro sempre foi um cinema de resistência, e continua sendo.
Magazine – O Filme da Minha Vida fala de relações familiares, de amizades e de amadurecimento. É, em tua avaliação, uma história de forte atualidade e que emocionará os espectadores?
Selton – Sem dúvida, eu acho que isso também tem a ver com a pergunta anterior. Em momentos duros, o cinema pode cumprir um de seus papeis mais nobres, que é fazer você sonhar acordado. Entrar numa sala escura e esquecer um pouco da vida lá fora. E se deparar com uma história bonita, com valores que talvez se perderam ou estão se perdendo. Uma história bem bonita. Isso que me agradou na literatura do Skármeta. Eu já era um grande fã dele e essa história também fala diretamente aos fãs de “O Carteiro e o Poeta”.
Magazine – Além da participação em produções cinematográficas, tens marcado presença na televisão. A TV seguirá cumprindo papel relevante inclusive na divulgação e na difusão do cinema? Como avalias esse diálogo?
Selton – Sim, minha relação com a televisão vem desde criança. Gravei uma minissérie que está sendo finalizada, “13 Dias Longe do Sol”, do Luciano Moura e da Elena Soares, que deve estrear em janeiro, na Globo. No momento, estou filmando com o José Padilha uma série chamada “O Mecanismo”, para a Netflix. E estou desenvolvendo um sonho antigo, a adaptação de “O Alienista”, de Machado de Assis, para a Globo, mas ainda não sei quando vou começar a filmar. A parceria com a televisão tem sido grande na difusão, na divulgação do cinema. Acho que é bem importante e natural que isso aconteça, já que as janelas se modificam o tempo todo. Há dez anos você não pensava em video on demand, há mais tempo tínhamos o vídeo cassete. Tudo muda a todo o instante e o cinema tem de estar antenado e fazer parcerias para estender sua capacidade de atingir ao público.
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