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Se o mundo fosse acabar

Nunca tive boa memória. Lembro dos olhos arregalados de minha mãe quando eu chegava em casa sem a mochila da escola. Sem o estojo. Sem as canetas. Sem o casaco. Não foram poucas as vezes em que ela precisou seguir comigo até o colégio para resgatar meus pertences. Uma vez esqueci meu boneco favorito na casa de uma madrinha. Isso que eu o amava. Chorei e funguei tanto à noite que de manhã cedo meu irmão precisou ir correndo salvá-lo. Depois disso, nunca mais o esqueci em lugar algum, mas continuei perdendo coisas.

Com o tempo, aprendi a anotar as tarefas, me organizar para driblar minha memória. Faço isso até hoje. Mas sempre que um amigo dispara “lembra daquela vez?” tenho vontade de me esconder. É claro que eu não lembro. Há algum tempo uma amiga me escreveu entusiasmada porque o Maroon 5 se apresentaria em São Paulo. “Lembra que prometemos ir juntas?”. É claro que eu não lembrava. Nem ouvia mais Maroon 5. Mas se ela disse que prometi eu acredito. E lá me fui ao show. Disso, ao menos, tenho certeza.

Por sorte tenho amigos que lembram muito. Chego a ficar impressionada. Isso me ajuda a resgatar momentos que apaguei da memória. Li em algum lugar que isso é uma autodefesa do cérebro, que seleciona memórias. Não lembro onde li. Talvez, na verdade, alguém tenha me dito isso. Mas não pense que é de todo ruim. Há algum tempo – não me peça para precisar quanto – escrevo peças de teatro. E quando releio alguns trechos até me surpreendo com os desfechos. Não lembro de ter escrito aquilo. Mas está lá, assinado por mim, então devo ter escrito.

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Também não pense que esqueço tudo. Recordo de momentos que já deveria ter esquecido. De uma nuvem de poeira sob um móvel da sala, quando eu devia ter um três anos. Dos meus sonhos eu sempre lembro. Em especial os que teimam em ser cinematográficos. Essa semana sonhei que o mundo acabaria em três dias. E eu estava incomodada com as pessoas que pareciam não se importar. Que continuavam suas vidas, metódicas.

Eu queria que elas vivessem. Que vissem o sol nascer. Que amassem. Enlouquecessem. Fizessem coisas que importam e não o que fazemos para fazer de conta que importa. Acordei lembrando de tudo. Contei a história a um amigo, que me enviou um vídeo com o Paulinho Moska cantando “Meu amor, o que você faria se só te restasse um dia? Se o mundo fosse acabar. Me diz o que você faria. Ia manter sua agenda, de almoço, hora, apatia…”. Passei a semana pensando nisso. No que faria.

A verdade é que o mundo está sempre acabando para alguém. E talvez seja também por autodefesa que preferimos não nos dar conta. Não lembrar do pouco tempo que temos. A propósito, o tema desta coluna é este porque alguém me lembrou que eu tinha uma coluna a ser publicada. E eu, claro, não fazia ideia disso. Antes que eu me esqueça, é melhor enviá-la.

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