Um dia, na estradinha de chão que liga o asfalto com minha estância, vi um filhote de pastor alemão, sorrindo, ao lado de uma bolsa de sementes vazia. Alguém o abandonara ali, mas ele pensava que fora colocado para zelar pelo saco. Na volta, lá continuava ele, todo molhado pela chuva. Parei a caminhonete e ele me “rosneou”. Fui “tenteando” e ajeitando até que ele concordou em vir comigo desde que eu deixasse ele vir com o saco plástico vazio.
Eu já tinha um outro cachorro da raça e dei aos dois os nomes de Debby e Lloyd. Debby logo se tornou meu dono, exigia exclusividade, lamuriava-se à minha porta quando eu não estava e ouvia o ronco de minha caminhonete a dezenas de quilômetros e ia esperar no mata-burro. Só se acalmava depois de duas horas de afagos.
Debby tinha uma cadela favorita entre seu harém. Essa fêmea, de nome Frida, era faceira e muito sábia. Quando Maristela tinha recém engravidado, 26 anos atrás, ela se aproximou, lambeu o ventre dela e depois lhe sorriu. Como já disse, os cães falam e sorriem. Mas só para aqueles de quem gostam.
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Esses bichos não precisam de banhos sistemáticos dados pelo homem. Eles se atiram no açude ou no arroio e lá se banham. Claro que precisam de vacinas e desverminações. Ensinam seus filhotes a lutar. São lindos seus folguedos, simulam ataques aos garrões ou à jugular, numa memória ancestral de suas origens. Nossos cães convivem com gatos, galinhas, pintinhos, não fazem danos nas hortas.
São, porém, terríveis com cães estranhos: têm um forte apego aos seus limites territoriais. Um dia meu capataz me ligou durante o dia. Maus presságios. É que o capataz geralmente só liga à noite para contar os “sucedidos” do dia. Se telefona de dia, é zebra na certa. Eu estava no escritório, em Porto Alegre.
– Doutor, seu cachorro tá muy mal! Só deu tempo de abastecer e me toquei na hora para a estância. Cheguei e o pobre cusco estava deitado sob uma árvore. Acariciei sua cabeça e seu lombo, falei com ele, que levantou a cabeça, a duras penas, e me sussurrou: “Seu Ruy, acho que tô na capa da gaita, peleando só com o cabo da adaga”.
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O veterinário que fora chamado já vaticinara que o caso era irreversível. Assim fiquei por horas o acariciando e conversando sobre suas proezas e como deveria ser lindo o céu dos bichos. O pobre fazia um esforço para me olhar, mas sua cabeça pendia e ele arfava já sem forças. Deu um pequeno uivo e faleceu. Jurei não ter mais cachorros. Mas logo vi que não vivo sem eles.
(Muito bom o livro O homem da sepultura com capacete, de Ricardo Düren)
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