Ingenuidade a nossa, dos que queríamos acreditar que um ditador pudesse submeter seu poder ao voto. Segundo a oposição, o resultado seria 73% para González, derrotando Maduro, o que é corroborado pela contagem independente, de 66% para González a 31% para Maduro. Mas foi de 51,21% para Maduro, talvez um percentual tabelado por já conhecido algoritmo. No dia das eleições, agiu a “polícia eleitoral”, fechando ou abrindo lugares de votação e boa parte das atas não foi considerada – o sistema eleitoral saiu do ar antes de chegar a 80% das atas de urnas. As duas candidatas mais fortes foram tornadas inelegíveis. Enfim, tudo como se deveria esperar de uma ditadura, não houvesse a ingenuidade animada da nossa esperança.
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Não há caso de ditador sair pelo voto; só há caso de ditador usar arremedo de eleições para tentar legitimar-se. Só será legítimo se tiver a permissão do povo. O prócer uruguaio Don José Artigas, no Congresso de Abril de 1813, deixou esse princípio lapidar que as crianças recebem nas escolas: “Minha autoridade emana da vontade de vocês, o povo; e cessa diante da vossa presença soberana”. Quando cessa a soberania popular e impõe-se a vontade de um homem, seja quem for, é porque já não há democracia. Ainda que Maduro fosse derrotado, teria seis meses até a posse para inventar uma agressão da Guiana à honra da Venezuela. Um estado de guerra seria o pretexto de manter o comandante supremo Maduro no poder, já que a oposição não pretende tomar Essequibo.
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O presidente do Brasil mandou como observador o seu assessor para política externa, Celso Amorim, que trata Maduro com o mesmo amor com que tratou o esquerdista Zelaya, derrubado pelo Congresso e pelo Supremo de Honduras, que se homiziou na Embaixada Brasileira em Tegucigalpa e a converteu num diretório político. O Itamaraty teve imenso trabalho para emitir uma nota sobre a transparência ainda não aceitável de atas, mas saudando “o caráter pacífico da jornada eleitoral”. Observadores da ONU e da União Europeia não viram essa paz. Há mortos e feridos nas ruas; estátuas de Chavez derrubadas; cartazes de culto à personalidade de Maduro removidos.
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O esquerdista presidente do Chile, Gabriel Boric, postou no X algo que pode bem servir de recado para Celso Amorim: “Exigimos que observadores internacionais não comprometidos com o governo deem conta da veracidade dos resultados”. E foi fundo: “Exigimos total transparência das atas”. Com a posição que levou Bolsonaro à inelegibilidade, Boric postou: “Não reconheceremos nenhum resultado que não seja verificável”. O governo brasileiro, com imagem mundial consolidada de Lula parceiro de Maduro, teve que aderir à óbvia exigência democrática de transparência, de atas auditáveis. Parece nossa história em 1945, na volta de nossos soldados da Itália, onde deram sangue para derrubar duas ditaduras e são recebidos no Rio por um ditador.
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Bem fez a presidente do TSE, ministra Carmen Lúcia, que aproveitou a oportunidade e cancelou a ida de técnicos da Justiça Eleitoral a Caracas. Hoje seriam cobrados e não teriam respostas; poderiam ser atingidos pelo que está acontecendo, com o risco de parecerem fiadores do processo. A eleição, ao contrário do que pretendia Maduro, descerrou mais a realidade que ainda era encoberta por simpatizantes de regimes totalitários. Como disse Lula, “democracia relativa”. O que Maduro fez mostra aos ingênuos que não há democracia na Venezuela. E que ditador não sai no voto.
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