Vestindo uma túnica vermelha, uma cota de malha e armadura, empunhando um escudo e uma pesada espada de metal, Tárcio Thozeski espera dentro de um bosque. Integrando o exército, ele observa a neblina se formando e a inquietação dos cavalos dos soldados. Na penumbra, formas se aproximam e os guerreiros esperam os inimigos, ouvindo o som dos tambores nórdicos à distância. Logo as faces barbadas dos oponentes podem ser avistadas entre as árvores. Corta, a cena começa de novo. E é repetida outras quatro, cinco vezes. Em um set de filmagens no interior da Irlanda, o engenheiro de produção santa-cruzense, de 36 anos, tornou-se parte da temporada final de uma das séries mais assistidas do mundo, Vikings, do History Channel.
Em maio de 2018, Tárcio desembarcava no país europeu para cumprir seu desejo de morar fora do Brasil – e para melhorar o inglês. Além de Dublin, ele acabou conhecendo outras grandes cidades europeias, como Paris, Roma, Munique e Amsterdã. A longa estadia no exterior terminou no mês passado, quando ele retornou ao país natal e, já em Santa Cruz, contou à Gazeta do Sul sobre as suas aventuras no mundo das produções televisivas.
“Eu fiquei sabendo que havia a oportunidade de trabalhar como extra em filmes, seriados e comerciais. A Irlanda dá incentivos para que gravações sejam feitas lá, de filmes como Coração Valente. É um país onde é normal ter algum tipo de gravação. Na época, estavam ocorrendo as de Game of Thrones e Vikings”, conta. A inscrição foi realizada em um site, e mais tarde ele foi chamado para um Open Day, quando os candidatos a figurantes preenchem um formulário com dados pessoais e tiram uma fotografia. Os recrutadores perguntaram se ele tinha alguma experiência de atuação: não tinha.
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Depois do cadastro feito em junho, quatro meses se passaram antes que Tárcio recebesse algum retorno, mas, quando recebeu, era uma boa notícia. Seu perfil condizia com os requisitos exigidos do elenco, como ser alto e ter barba, e ele foi chamado para o início das gravações. Para as cenas de batalha, os extras eram levados para o interior do país, em regiões de campo aberto. O primeiro dia consistiu em treinamentos de como marchar e como se posicionar para as cenas de luta.
O santa-cruzense, que havia começado a assistir à produção antes de sair do Brasil, sempre gostou de filmes históricos, e essa foi a parte que mais o atraiu. “Sempre gostei desses filmes que contam um pouco sobre a luta dos povos. Esta série é bem próxima da realidade, foi um povo que entre os anos 800 e 900 era muito guerreiro e conquistou muitas coisas, inclusive em questões de navegação. Na série, o foco deles é mais no drama, mas tem pontos de embasamento histórico.”
PUXADO – Foram 14 dias de gravação, uma média de 12 a 14 horas por dia. O grupo partia de Dublin às 5 horas, fazia 45 minutos de viagem e voltava às 22 horas. Algumas gravações noturnas, com tochas, seguiam até a meia-noite. As temperaturas podiam chegar a 5 ou 6 graus. “A maioria das gravações que fiz foram cenas de marcha, batalha em campo aberto e dentro da floresta, além de cenas de acampamento, e teve uma cena em que acompanhei um funeral.” Interpretando um dos soldados saxões sob o comando do Rei Alfred, o brasileiro recebia a caracterização apropriada, passava por maquiagem e tinha o figurino revisado antes de entrar em cena.
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As gravações principais, com lutas, tinham os atores principais na frente. Próximo aos protagonistas, ficam os extras chamados de “standard”, que são contratados pela série. Eles treinam mais e costumam reprisar os papéis a cada nova temporada, fazendo as cenas de luta coreografadas que vemos de perto nos episódios finalizados. “Os figurantes tinham liberdade de lutar e, dependendo do parceiro que tinha, eu até esquecia da câmera e brincava como se fosse de verdade. Eram horas e horas para gravar uma cena, os produtores revisavam os vídeos e pediam para fazer de novo.”
PROFISSIONAL – Uma das cenas favoritas de que o santa-cruzense participou foi um encontro de exércitos, envolvendo mais de 500 pessoas, divididas nos dois lados do campo de batalha. Os figurantes e atores posicionavam-se frente a frente e corriam um na direção do outro para o início da luta. “Era uma parte bem interessante de participar, a paisagem era muito linda e colocam gelo seco em volta pra climatizar. Tudo bem profissional.”
Ele lembra que uma de suas partes favoritas da experiência foi ficar perto dos atores, ver os discursos dos personagens e participar de cenas grandiosas como a guerra. “A gente não sabe como devia ser difícil naquela época, porque só de ficar ali parado encenando já dava uma canseira, imagina quando o pessoal tinha que lutar na realidade.”
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Sobre a experiência, ele avalia que passou a ter uma renovada admiração por quem faz séries e filmes, porque não sabia que gravar uma cena dava tanto trabalho, além de admitir que está ansioso para conferir o resultado nas telas. No entanto, Tárcio e os outros fãs de Vikings terão de esperar até dezembro, quando estreia a primeira parte da sexta temporada. A segunda parte, com os episódios finais da série, que o brasileiro gravou, vai ao ar só em 2020. Enquanto isso, é possível ver todos os episódios até a quinta temporada na Netflix.
Cuidado com o spoiler
Para garantir que os espectadores não descubram os segredos da aguardada temporada final antes da hora, a produção da série exigia que os participantes das filmagens assinassem todos os dias um termo de confidencialidade. “A gente não podia divulgar, tirar fotos e filmar as cenas, nem divulgar a história. Quando estavam rodando uma cena principal que vai aparecer no seriado, ficavam pessoas circulando para ver se ninguém estava filmando. Qualquer exposição é passível de pena”, explica Tárcio Thozeski. Tudo isso para evitar que vazem os famosos spoilers, informações importantes sobre a trama.
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A produção também tinha um cuidado especial com os atores, já que, se eles aparecem no set, os personagens ainda estão vivos na narrativa. “Vai sair a primeira parte da sexta temporada, que não foi a de que eu participei. Participei da parte final e tem pessoas que estão vivas, que tu não sabe se vão sobreviver. Então o fato de estarem lá já diz alguma coisa. Se não estavam lá os atores, alguma coisa aconteceu com eles.”
Os figurantes também não tinham permissão para pedir fotos com os atores principais enquanto estavam no set, para não divulgar os figurinos, que entregam as alianças feitas pelos reinos da história. Tárcio chegou a conversar durante o intervalo de gravações com dois dos atores principais, Peter Franzén, que interpreta o Rei Harald, e o dinamarquês Alex Høgh Andersen, que vive o personagem Ivar.
Família de figurantes
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Ao todo, os figurantes principais trabalharam durante quatro meses a cada temporada e se reencontraram durante seis anos, o que criou uma profunda ligação de amizade entre eles. A maioria era de irlandeses, mas atores de toda a Europa e até outros continentes integravam a equipe com cerca de 500 pessoas que participava das gravações. “Esse pessoal que estava lá era como uma família, brincavam com os produtores e diretores, que já sabiam os nomes de alguns figurantes. Eram bem reconhecidos, até nas ruas, por causa da altura e das barbas longas”, comentou Tárcio.
Drama histórico
A série de televisão Vikings foi criada por Michael Hirst para a emissora History Channel e estreou na tevê em março de 2013, na carona do sucesso de épicos como Roma, Spartacus e Game of Thrones. A produção medieval é inspirada na saga do viking Ragnar Lothbrok, herói nórdico que teria liderado batalhas contra os territórios que hoje pertencem à Inglaterra e à França.
Na história, ele é retratado como um fazendeiro escandinavo que alcança fama por meio de ataques e se torna rei em torno do ano 793. Também figuram nos episódios a família de Ragnar, como seu irmão, filhos e esposas. A série, que terá ao todo seis partes, está disponível até a quinta temporada na Netflix. A primeira parte da última temporada está prevista para estrear em 4 de dezembro. Já a segunda parte só chega às telas em 2020.