A morte do menino carioca Henry Borel, de 4 anos, levantou o alerta para agressões contra crianças e adolescentes. E os casos de violência doméstica envolvendo menores de idade não são raros em Santa Cruz do Sul, de acordo com a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) e o Conselho Tutelar.
Conforme a titular da DPCA e também da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), delegada Lisandra de Castro de Carvalho, os casos envolvem vítimas de zero a 18 anos. “Os fatos ocorrem mais dentro de casa, praticados tanto por familiares quanto por amigos que têm relação de proximidade, vizinhos e conhecidos.”
Os dados da DPCA apontam que em 2020 foram 324 ocorrências registradas durante o an, que geraram duas prisões preventivas e 14 medidas cautelares. No início de 2021 já foram 28 casos em janeiro, 35 em fevereiro e 20 em março e diariamente há ocorrências de maus-tratos, abuso sexual e lesão corporal que chamam a atenção da Polícia Civil.
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Apesar da falta de notificação – quando não são levados até a delegacia –, Lisandra comenta que há um aumento de casos. “Acredito que com o contato mais próximo os pais estão mais atentos às crianças. Acabam percebendo e dando ouvidos”, explica.
De acordo com a delegada, com o crescimento no número de casos não há efetivo suficiente na delegacia especializada para dar conta do volume de trabalho. Uma das preocupações das forças de segurança é que muitas vezes a criança relata uma agressão, mas os pais ou responsáveis não acreditam. “Há um grande descrédito. Sempre é importante os pais estarem atentos e darem credibilidade aos relatos dos filhos. Devemos desmistificar a história de que as crianças mentem e inventam, vários relatos acabam se confirmando sim como crime.” Na dúvida a orientação é que os pais levem o fato ao conhecimento das autoridades policiais, que farão a investigação e tomarão as medidas de proteção necessárias.
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Segundo Lisandra, são comuns ainda casos em que os pais não acreditam que alguém próximo da família seria capaz de fazer uma maldade com o filho, o que faz a criança continuar em risco e convivendo com o agressor. “Na verdade o abusador geralmente ganha confiança da vítima, é simpático e muitos relatos não trazem necessariamente contato físico doloroso, às vezes é só passar a mão. A criança pode não compreender como abuso e sim como carinho, mas não deixa de ser crime.” As situações de abuso podem se prolongar por anos.
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Para o Conselho Tutelar, o número de casos também apresentou aumento significativo na pandemia. Conforme a conselheira Janete Franken, quando há casos de violência contra a mulher, geralmente as crianças e adolescentes também são atingidos, sendo agredidos fisicamente e psicologicamente por se tratar de uma situação que envolve os pais. “A maioria da violência contra a criança e o adolescente acontece na família, por uma série de motivos. Desde o início da pandemia os pais tiveram um novo normal com crianças e adolescentes em casa o dia todo e muitos não conseguem ainda lidar com isso”, relata.
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Segundo Janete, entre os fatores geradores de conflito estão o uso exagerado de aparelhos celulares e outras tecnologias, com muitos adolescentes trocando o dia pela noite para ficar nas redes sociais. Isso causa um choque com os limites impostos pelos pais, que muitas vezes acham que a solução são punições, como agressões verbais e físicas.
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Denuncie
Os pais devem ficar atentos a sinais como hematomas frequentes e dores pelo corpo que podem indicar agressão. Outros sinais de estresse e ansiedade devem ser observados, como náuseas, tonturas, vômito e taquicardia. Também vale atentar a mudanças de apetite ou de sono. Problemas de aprendizado e de rendimento escolar são frequentes em crianças agredidas. Se uma criança se recusa a ver certa pessoa, dá as costas para ela, desvia o olhar, é preciso estar atento. O que é interpretado como birra pode ser medo. Agressividade em excesso com colegas é outro sinal. Problemas de autoestima devem ser levados a sério: podem indicar a internalização de impressões negativas passadas por adultos.
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Em Santa Cruz do Sul a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente conta com serviço de atendimento psicológico e as vítimas são ouvidas com escuta especializada conduzida por uma psicóloga. As denúncias podem ser feitas até mesmo de forma anônima pelo telefone (51) 3713 4340. Por meio do Conselho Tutelar qualquer cidadão pode e deve denunciar violações de direitos pelos telefones 3713 3700 – em horário comercial – e 9 8444 7964 – no plantão 24 horas.
Números
Dados da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) em Santa Cruz do Sul:
Ocorrências de estupro de vulnerável
2017 – 49
2018 – 21
2019 – 39
2020 – 26
2021 – 10
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Delitos contra criança e adolescente (2020)
Estupro – 4
Estupro de vulnerável – 26
Outros crimes sexuais – 3
Perturbação da tranquilidade – 4
Vias de fato – 19
Lesão corporal – 40
Maus-tratos – 12
Ameaça – 40
Delitos contra criança e adolescente (2021 até março)
Estupro de vulnerável – 10
Outros crimes sexuais – 1
Perturbação da tranquilidade – 1
Vias de fato – 6
Lesão corporal – 5
Maus-tratos – 4
Ameaça -12
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