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REPORTAGEM ESPECIAL

Santa Cruz já registra mais de 650 casos de violência doméstica em 2025

Simulação. | Crédito: Samara Santos

* Aviso: esta reportagem pode conter conteúdo sensível de relatos de violência doméstica

O mês de março se consagra como um marco na luta pelos direitos das mulheres. Há 10 anos, entrava em vigência a Lei do Feminicídio, que criminaliza o homicídio contra mulheres no contexto da violência doméstica. Apesar do reconhecimento, ainda é enraizada na sociedade a normalidade da agressão pelos companheiros. Em três meses, o ano de 2025 já registra 654 ocorrências que se enquadram no delito em Santa Cruz do Sul.

Os casos aumentaram na cidade do Vale do Rio Pardo. No ano passado, foram 2422 ocorrências do mesmo tipo. Porém, para a delegada Raquel Schneider, da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) de Santa Cruz do Sul, o maior registro das ocorrências pode significar algo positivo: que mais vítimas estão tomando a iniciativa de denunciar. “Com toda a conscientização, com as campanhas, os casos começam a vir à tona”, analisa.

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No mesmo sentido, a subcomandante do 23º Batalhão de Polícia Militar, Michele Vargas, com sede em Santa Cruz do Sul, diz que os números tendem a subir ainda mais. “Na área rural, o trabalho que estamos desenvolvendo, num primeiro momento, elevará os números de ocorrências, pois a mulher terá o conhecimento e saberá onde buscar ajuda”, prevê.

A maior disseminação do tema é resultado de um trabalho de vários órgãos municipais, estaduais e federais que buscam desenraizar a normalidade da prática da violência doméstica, uma realidade em todo o país. No Brasil, cerca de 21,4 milhões de mulheres com mais de 16 anos relataram ter sofrido da experiência nos últimos 12 meses, segundo dados do Datafolha pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgados no dia 10 de março deste ano. 

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São agressões praticadas de diversas formas, já que, segundo a lei, se configuram em “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

Algumas delas vividas pela santa-cruzense Maria (nome fictício), 25 anos, com um ex-namorado. Ela conta que, no início, ele a tratava bem, no entanto, mudou de postura quando foram morar juntos. “Todos que estavam ao nosso redor viam como eu tinha mudado e não existiam mais as minhas vontades. Ele me tirou a felicidade, o amor próprio, minha autoestima e minha confiança”. 

Foram quase dois anos de agressões verbais, restrições no cotidiano e humilhações, até que Maria descobriu traições. “Eu joguei o celular nele e ele veio para cima de mim, entre tapas, socos, me jogando no chão. Ele ‘socou’ a nossa cabeceira. Era para ter pego no meu rosto e sei que não iria sobreviver”, conta. Depois daquele momento, Maria terminou o relacionamento.

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Atendimento na delegacia no âmbito do projeto de apoio às mulheres da Unisc

Nem todas as mulheres conseguem deixar essas vivências no passado. Ela ainda é a realidade de milhares de jovens, adultas e idosas que voltaram atrás após a ocorrência ou sequer denunciaram seus companheiros. “Tem muito a ver com a questão familiar. Também, a dependência econômica, acho que é o principal fator”, avalia Caroline Ritt, professora da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e coordenadora de um projeto que leva estudantes a realizar um primeiro atendimento a vítimas de violência doméstica nas delegacias.

Além da dependência em suas diversas formas, o agressor ainda utiliza de inverdades para que a mulher tenha medo e não realize a denúncia como, por exemplo, a perda de seus objetos pessoais e da guarda dos filhos. O papel das estudantes, assim como de outros órgãos na cidade, é de informar as mulheres a respeito de seus direitos e trâmites do processo, caso escolham realizar a denúncia. 

São situações que mostram a importância de incentivos jurídicos, como a Lei Maria da Penha, que disseminam cada vez mais o assunto e oportunizam que mais mulheres tomem coragem de sair de uma relação tóxica. “Com o tempo, com a cultura e o conhecimento as mulheres, hoje, apesar de muitas desistirem, têm mais coragem de contar”, relata a professora de Direito, destacando também a resistência com essas vítimas por parte da sociedade.

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O “padrão” das agressões

Agentes da Brigada Militar em patrulha Rural e Maria da Penha

As ocorrências de violência doméstica e vivências de quem atua no combate no dia a dia trazem algumas tendências do crime: “A não aceitação do fim do relacionamento, ou por motivo de vícios, bebidas e drogadição. Na área rural, o alcoolismo aparentemente predomina como causa”, ressalta a policial militar Michele Vargas.

Ainda, a professora Caroline Ritt identifica os casos que chegam até as estudantes nas delegacias. “Por exemplo, em uma, o melhor dia para as alunas atuarem é segunda de manhã porque os espancamentos geralmente ocorrem no final de semana. Outra é quinta-feira de manhã, porque quarta geralmente é dia de jogo, o time perde e o homem desconta na mulher. Cada cidade tem a sua realidade”, explica.

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É importante destacar que a lei não distingue orientação sexual e identidade de gênero, sendo aplicada tanto para cisgêneros quanto transexuais. E os agressores podem ser tanto homens quanto mulheres, que exerçam poder sobre outra em uma relação homoafetiva. 

A policial militar Michele Vargas evidencia que a violência doméstica não possui padrão quanto às condições sociais ou idade. Porém, mulheres entre 25 e 35 anos e em situação de vulnerabilidade social aparecem mais visivelmente entre as vítimas das ocorrências. “Em Santa Cruz do Sul, em 2024, eram mulheres da zona Sul da cidade, moradoras de bairros com maior incidência de crimes violentos e traficância”, detalha. 

A Brigada Militar já desenvolve mecanismos para afirmar com precisão os índices do crime. Para aquelas mulheres que perdoam e voltam a se relacionar com os agressores, há uma outra tendência: que os casos voltem a acontecer, como é visto em diversas situações em Santa Cruz do Sul. 

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Medidas protetivas

Um importante recurso na luta contra a violência doméstica são as medidas protetivas. Elas podem ser solicitadas após a realização do boletim de ocorrência presencial ou online (a delegacia entra em contato), pelo Ministério Público ou Defensoria Pública e enviadas para aprovação do poder judiciário. Na prática, ela é um conjunto de determinações para manter a vítima mais protegida do agressor.

“Existe uma série de medidas de acordo com o caso concreto. As mais comuns são o afastamento do agressor do lar e a proibição de contato com a vítima.  Mas, também, por exemplo, se ela diz que o agressor tem uma arma, pode haver um mandado de busca e apreensão dessa arma. Ou, então, uma fixação, eventualmente, de alimentos”, explica a juíza-corregedora Taís Culau de Barros, Coordenadora Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).

Pela lei, existe um prazo de 48 horas para que o pedido seja aceito, entretanto, conforme a juíza, normalmente elas são analisadas em menos de 24 horas. As medidas podem ser pedidas em qualquer situação listada no texto jurídico, tanto em casos de violência física como psicológica; nesse segundo caso, a veracidade pode ser comprovada por laudo e testemunhas. 

Contudo, a juíza adianta que, em grande maioria, as medidas são aceitas. A exceção é para casos em que os magistrados não comprovam a existência de risco a partir do que foi narrado (confira abaixo os números de prisões pelo crime que ocorreram em 2025 na região).

Em Santa Cruz do Sul, há uma Vara da Violência Doméstica e Familiar, o que faz com que o caso tenha maior atenção na cidade. “No ano passado, nós deferimos 2974 medidas de proteção às mulheres, algo que não acontecia justamente por faltar uma jurisdição e olhar especial que tem que ter para este tipo de demanda”, relata o juiz responsável, João Francisco Goulart Borges.

Os números estão divididos por região de jurisdição, ou seja, vários municípios podem integrar uma Comarca:

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Prisão dos agressores

O criminoso pode ser preso em flagrante já no momento em que se aciona a polícia para a denúncia. “Se o agressor estiver no local, ainda com a vítima, teremos uma situação de flagrante. Nesse caso, ambos são conduzidos à Delegacia de Polícia e a prisão preventiva ficará a cargo do delegado plantonista”, elucida a policial militar Michele Vargas.

Além disso, o descumprimento de medida protetiva também pode gerar uma prisão preventiva, pois se constata de que as ordens não foram suficientes para impedir uma ação agressiva. Nesses casos, segundo o Guia Informativo do TJRS, é necessário:

  1. Ligar para o 180 se o cumprimento estiver acontecendo;
  2. Registrar ocorrência policial e/ou efetuar a denúncia através da Polícia Civil e entrar em contato com a Defensoria Pública ou com advogado, que comunicará no processo a ocorrência do descumprimento das medidas protetivas; ou comunicar o descumprimento à Patrulha Maria da Penha, se receber a visita;
  3. Comprovado o descumprimento poderá ser decretada a prisão preventiva. 

Confira abaixo dados de prisões realizadas no âmbito da violência doméstica na região:

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Ações criam formas de acesso ao tema e denúncias

Em Santa Cruz do Sul diversas são as iniciativas para divulgar a luta contra a violência doméstica. “Todos os órgãos ligados a atividades preventivas e de punição participam de um grupo que faz reunião mensal para tratar de assuntos de prevenção, pós violência, como ajudar a vítima”, reforça a delegada Raquel Schneider. 

No legislativo, a recém-inaugurada Procuradoria da Mulher e o gabinete da Presidente da Câmara de Vereadores, Nicole Weber, são suportes para mulheres que precisam de informações sobre como denunciar. 

Jogo “Fada Lila”, disponível para professores aplicarem | Crédito: TJRS

Já no âmbito estadual, o TJRS realiza ações para que o tema seja divulgado já nas escolas. “Chama-se ‘Fada Lila’, é um joguinho para crianças de 6 a 8 anos do Ensino Fundamental, que desenvolve a discussão sobre a igualdade de gênero, porque a gente sabe que o fundamento da violência doméstica muitas vezes vem nessas relações assimétricas”, explica a juíza Taís Culau de Barros. Ele pode ser aplicado por qualquer escola, com regras e jogo disponíveis no site da Coordenadoria.

Outra ação que se destaca chama-se “Guia de Serviços”, fornecido para mulheres quando recebem a intimação de medida protetiva. Ele pode ser solicitado e enviado pelo próprio WhatsApp. “A vítima vai ter ali informações básicas do que ela pode fazer caso o agressor descumpra a medida e quais são os serviços de rede existentes em um determinado município”. O folheto também está disponível no site.

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Denuncie

Se você é vítima de violência doméstica diversas são as formas de denunciar os agressores sem sair de casa. Por exemplo, pela Central de Atendimento à Mulher, discando o número 180 pelo telefone. O serviço funciona 24 horas, é gratuito e anônimo. Além disso, é possível realizar boletim de ocorrência e, se necessário, buscar as medidas de proteção de urgência. Em Santa Cruz do Sul, a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher está localizada no quarto andar do Centro Integrado de Segurança Pública, na Avenida Deputado Euclides Nicolau Kliemann, 1515.

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