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Santa Cruz e Rio Pardo: a história dos precursores do Carnaval

A maior festa popular do Brasil, o Carnaval, chegou ao país com os colonizadores portugueses entre os séculos 16 e 17. No entanto, sua prática era bem diferente da que conhecemos hoje. Segundo a história, o entrudo foi a primeira manifestação carnavalesca, conhecida como uma brincadeira popular de Portugal.

O entrudo era realizado alguns dias antes da Quaresma. Sua atividade ficou conhecida como jogo das molhadelas, que consistia em molhar ou sujar as pessoas que passavam pela rua. A prática permaneceu até meados do século 19, desaparecendo no século seguinte.

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O Carnaval tomou novas formas com outras manifestações, como capoeira, tocadores de bumbos e cortejos realizados principalmente por pessoas do campo. Na mesma época, surgiram as marchinhas, com destaque para figuras emblemáticas, como Chiquinha Gonzaga, com sua música “Ô abre alas”. Já o samba surgiu na década de 1910.

Nesse contexto, o Carnaval se espalha pelo país chegando a Santa Cruz do Sul e Rio Pardo. A popularização da festa ocorreu a partir do século 20, com baile de máscaras, desfiles de escolas de samba e a criação de blocos pelos foliões. Anos mais tarde, o evento caiu no gosto popular e, com apoio do governo, tornou-se a maior festa de rua do Brasil, sendo aberta para todos os povos e suas culturas. 

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Brincadeiras de rua moldavam o início da festa em Santa Cruz

O início do Carnaval de Santa Cruz do Sul aconteceu em 1896, com pequenos grupos que se reuniram para celebrar os dias que antecedem a Quaresma. Já em 1826, o jornal Kolonie registrava os primeiros convites para bailes carnavalescos.

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Conforme uma pesquisa do colunista da Gazeta do Sul José Augusto Borowsky, por volta de 1900 começaram a ser realizadas as chamadas “brincadeiras de rua”, que eram comandadas pelos blocos Bam-Bam-Bam, Filhos do Inferno e Turunas. O festejo era realizado com um desfile pelo centro da cidade, ainda em vias sem calçamento, fantasiados e com acompanhamento de músicos com violões, violinos e instrumentos de sopro.

Em virtude da precariedade da iluminação pública naquela época, Borowsky descreve em sua coluna que os desfiles eram realizados durante o dia, para que os foliões aproveitassem a luz. Geralmente as atrações eram realizadas no final da tarde, pelo Centro e nas ruas próximas. Diferentemente dos dias atuais, com alegorias sendo puxadas por tratores ou empurradas com a força humana, naquele tempo uma das atrações eram os carros alegóricos puxados por cavalos. 

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Com o avanço dos anos e o Carnaval se firmando na cidade, novos blocos foram surgindo, agregando ritmistas e transformando-se em escolas de samba. Surgiram sociedades como Índios Tabajaras, Pif-Paf, Caruru, Vagalumes do Amor, Filhos da Lua e outros.

A festa popular é realizada há mais de 120 anos em Santa Cruz. De acordo com Borowsky, os primeiros desfiles contavam mais com a participação de homens, pois as mulheres preferiam as festas em clubes. O bloco Bam-Bam-Bam, até 1925, tinha um homem como “rainha”. 

Os eventos mais famosos aconteciam nos antigos Clube União (fundado em 1866) e Ginástica (1893). Depois veio a Aliança (1896). Em 1923 surgiu a SCB União e, em 1939, o Corinthians. Na festa, os homens usavam terno e as mulheres não dispensavam adereços na cabeça. Além dos clubes, também havia bailes nos salões, como o dos Kothe na esquina em frente ao estádio do Futebol Clube Santa Cruz. 

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À medida que o Carnaval se firmava na cidade, novos blocos começaram a surgir
Animação: bloco Bam-Bam-Bam foi um dos primeiros a realizar brincadeiras de rua

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Festejos carnavalescos nos tempos atuais

Não é de hoje que Santa Cruz é conhecida por realizar um grande Carnaval. O nome da cidade cruzou o País por um evento realizado em 1925, como um dos festejos de rua mais famosos do Brasil. Ele chegou a ser divulgado pelas revistas Máscara e FonFon, as mais importantes da Capital Federal (Rio de Janeiro, na época).

Quase cem anos depois, o Carnaval do município tornou-se um dos eventos mais importantes do Vale do Rio Pardo, com destaque para o Bailinho da Borges, com sua primeira edição em 2019. A festa foi idealizada por Rafael Tombini, que trouxe a proposta de Porto Alegre, inspirada no Bloco Maria do Bairro (que ele fundou em 2007), resgatando os carnavais de rua da Capital.

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“Quando eu vim morar aqui, senti a necessidade de se fazer algo, pois o verão estava muito parado na cidade. Assim, surgiu a ideia e esse nome lúdico: Bailinho, que envolve os bloquinhos e carnavais de salão”, destaca Tombini.

O evento chegou a sua quarta edição neste ano e se firma como um dos maiores eventos de rua de Santa Cruz, reunindo 30 mil pessoas. “Isso movimenta a economia dos bares e restaurantes. É uma festa para que todas as famílias possam se divertir”, afirma o idealizador. Ele frisa que o Bailinho foi um impulsionador para mais eventos. “Dessa forma, surgiu o Carna Elétrico e a revitalização das escolas de samba.”

Bailinho da Borges se consolidou como um evento de Carnaval | Foto: Albus Produtora/Banco de Imagens

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Os desfiles das escolas de samba também encantam o público, mas as agremiações passaram por dificuldades, muito por falta de recursos financeiros. Atualmente, cinco entidades integram a Associação das Entidades Carnavalescas de Santa Cruz: SCB União, Imperatriz do Sol, Imperadores do Ritmo, Império da Zona Norte e Unidos de Santa Cruz.  

Os últimos anos foram importantes para a retomada dos desfiles. Em 2016, o Parque da Oktoberfest foi a última avenida do samba. Após isso, foram anos em tratativa com o governo municipal para voltar a se realizar a festa. Ela foi retomada no ano passado, tendo a Rua Marechal Floriano como a avenida do samba. Neste ano, a programação chega com força total, com desfiles competitivos entre as escolas. O evento será realizado no próximo dia 17.

Dessa forma, Santa Cruz volta a entrar na agenda dos foliões como opção para pular o Carnaval. Para se juntar à festa, no ano passado foi criado o Carna Elétrico, formando assim o Santa Folia, que trouxe de volta a programação para fevereiro. 

Desfiles das escolas de samba encantaram o público em 2013 | Foto: Rodrigo Assmann/Banco de Imagens

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A festa popular chega à Avenida Gogoia

Quando se fala em Rio Pardo, logo nos vem à mente o Carnaval. A Cidade Histórica organiza uma das maiores festas populares de rua no Rio Grande do Sul. Para entender como chegou ao patamar atual, é preciso conhecer um pouco da história do evento.

O jornalista e coordenador do projeto QCarnaval, ​Gelson Pereira, 36 anos, conta que a história da festa na cidade começa nos salões dos clubes, na virada do século 19 para o século 20, dos quais o Clube Literário é o mais conhecido. “Os sócios e frequentadores começaram a se unir em grupos para brincar a festa e ficaram conhecidos como blocos.”

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Destacavam-se os blocos “Olha o Grupo” e “Tem Gente Aí”, desenvolvendo uma grande rivalidade na época. “Estamos falando de um Carnaval de uma elite socioeconômica e branca. Rio Pardo tem uma presença negra muito forte desde sua formação e essas pessoas também brincavam o Carnaval nas periferias”, ressalta.

Bloco Olha o Grupo comemorando o Carnaval em 1934, no Clube Literário | Foto: Divulgação

A principal via da cidade, Rua Andrade Neves, passou a ser tomada pelos blocos com desfiles de carros na noite do baile. Conforme o profissional que produz conteúdo de mídia sobre escolas de samba do Estado, e que busca fazer um resgate histórico do evento na cidade, essa movimentação foi responsável por aproximar a periferia do centro. “Cada vez mais pessoas passaram a se aglomerar na Andrade Neves a partir dos anos 1940 e 1950. Mais precisamente na esquina do Clube Literário com o atual prédio da Prefeitura.”

Na década de 1960, as comemorações passaram a se concentrar na principal rua da cidade, que atualmente, quando chega a festividade, transforma-se em Avenida Gogoia, uma homenagem à falecida carnavalesca Maria da Glória. Quatro anos mais tarde, em 1964, a Prefeitura organiza o primeiro concurso oficial de blocos e escolas de samba.

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Escolas de samba começam a tomar forma em 1950

Em 1950, as escolas de samba começaram a tomar forma. Na época, a atividade era pouco conhecida no Vale do Rio Pardo, pois o formato das festividades de cidades consagradas com o Carnaval, como Rio de Janeiro, não havia ainda ganhado repercussão nacional. “As pessoas não sabiam direito o que era uma escola fora do Rio, então qualquer grupo de percussão, geralmente de negros, recebeu o nome de escola de samba”, explica Pereira.

As entidades carnavalescas tiveram início com um grupo musical liderado por Manoel Eloi, que se apresentava na Rádio Rio Pardo. Ele recebeu o nome de Escola de Samba de Manoel Eloi, e mais tarde viria a se chamar oficialmente Escola de Samba Unidos da Velha Guarda, a primeira agremiação do município. 

Pereira conta que os desfiles sempre aconteceram na rua principal, desde o primeiro concurso oficial. “Esse, em 1964, contou com a presença da Velha Guarda, Candangos e Black Boys.” O Candangos ainda está em atividade. Já a Velha Guarda desfilou pela última vez em 2016, mas desde a década de 1990 estava inativa. Em 2005 surgiu a escola de samba Enamorados, que inicialmente participou da festa como um bloco. 

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A Black Boys teve sua origem nos bairros Nossa Senhora do Rosário e Bonfim. De acordo com o jornalista, o fundador da entidade faleceu em 1988 e havia pedido para não usarem mais o nome da escola. Dessa forma, a sobrinha, Zélia Leal, fundou a Realeza da Vila, que encanta o público com seus desfiles até hoje.

Além de Candangos e Realeza, a Embaixadores do Ritmo é a terceira entidade carnavalesca que ainda desfila. Já os blocos, que no início mantinham ligações com os clubes da cidade, não existem mais. 
A popularização do Carnaval de rua da Cidade Histórica acontece a partir do ano 2000. É realizado no final de semana que antecede o evento, com desfiles seguidos de apresentações musicais. A programação começou a atrair um grande público de todo o Estado para a Avenida Gogoia. 

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Ricardo Gais

Natural de Quarta Linha Nova Baixa, interior de Santa Cruz do Sul, Ricardo Luís Gais tem 26 anos. Antes de trabalhar na cidade, ajudou na colheita do tabaco da família. Seu primeiro emprego foi como recepcionista no Soder Hotel (2016-2019). Depois atuou como repositor de supermercado no Super Alegria (2019-2020). Entrou no ramo da comunicação em 2020. Em 2021, recebeu o prêmio Adjori/RS de Jornalismo - Menção Honrosa terceiro lugar - na categoria reportagem. Desde março de 2023, atua como jornalista multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, em Santa Cruz. Ricardo concluiu o Ensino Médio na Escola Estadual Ernesto Alves de Oliveira (2016) e ingressou no curso de Jornalismo em 2017/02 na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Em 2022, migrou para o curso de Jornalismo EAD, no Centro Universitário Internacional (Uninter). A previsão de conclusão do curso é para o primeiro semestre de 2025.

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