Na cultura alemã, Ostern (a páscoa) tem diferentes significados. Comumente festejado no domingo posterior à primeira lua cheia depois do início na primavera, no hemisfério norte, após um longo e rigoroso inverno, era a primeira celebração para as famílias desfrutarem do ar livre.
Da pintura dos ovos de aves (Ostereier bunt Bemalen) à procura dos ovos (Eiersuchen), as tradições germânicas foram trazidas pelos imigrantes que chegaram a Santa Cruz a partir de dezembro de 1849. De geração em geração, a data foi celebrada pelas famílias, e as tradições, passadas para seus descendentes.
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Mas ao longo das últimas décadas ocorreram mudanças. A Páscoa se tornou sinônimo de chocolate. Desde então, a presença dos ovos recheados – não apenas com o doce, mas com presentes dentro, que vão de brinquedos a canecas e até produtos eletrônicos – se tornou obrigatória na data.
E com isso, muitas das tradições dos imigrantes durante o período da Semana Santa, anteriores à introdução do chocolate, acabaram sendo esquecidas. Entretanto, diferentes ações realizadas no município buscam manter o legado vivo e incentivar as famílias a realizar as atividades com as crianças.
A celebração da Páscoa era um momento muito aguardado entre os imigrantes alemães, seus descendentes e a população santa-cruzense. No entanto, de acordo com a professora de História e diretora do Museu do Colégio Mauá, Maria Luiza Schuster, por estarem se estabelecendo na nova terra, as primeiras festividades eram mais singelas.
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Além disso, eles precisaram se adaptar às condições climáticas. Por terem chegado durante o verão, não poderiam começar a produção de alimentos. Mas, apesar das dificuldades, a data não foi esquecida.
Isso porque, segundo a educadora, os imigrantes eram pessoas de fé e celebravam a Páscoa com a leitura da Bíblia e orações em família. “Isso fez com que eles não entendessem como uma Páscoa pobre ou triste”, destacou.
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Aos poucos, foram adaptando os ritos de celebração para o novo lar e o clima local – afinal, na América do Sul, a estação que começa em março é o outono, e não a primavera.
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Com o passar do tempo, as atividades foram passadas aos descendentes, até se tornarem uma tradição no município. Maria Luiza recordou que, durante a Sexta-feira Santa, o silêncio predominava. Nem mesmo as crianças podiam brincar ou fazer barulho.
Enquanto a tranquilidade reinava nos lares, os colonos faziam um momento de reflexão e leitura de um trecho da Bíblia. A prática da Via-Sacra, para lembrar o sofrimento de Jesus Cristo em seus últimos dias de vida, também era comum.
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O sábado era o dia de as famílias arrumarem a casa e fazerem os últimos preparativos para a Páscoa, terminando de pintar os ovos e preparar os ninhos e o cardápio para o dia seguinte. Maria Luiza contou que, durante a sua infância, era comum receber visitas – em certas ocasiões, inesperadas, já que não era comum as casas possuírem telefone. Assim, as crianças auxiliavam as mães nos preparativos para as festividades.
E então, no domingo, chegava a esperada ocasião em que as crianças recebiam os ninhos com os ovos recheados com amendoim doce (Erdnuss). Mas o mais importante eram as celebrações religiosas e o momento em família.
A caça aos ovos (Eiersuchen) foi uma maneira de os adultos incluírem as crianças na celebração de Páscoa. Após serem coloridas e preenchidas com amendoim doce, as casquinhas eram colocadas em ninhos e escondidas nos pátios das residências.
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Era a primeira atividade realizada na manhã de domingo. Porém, apesar da popularidade, a professora Maria Luiza explicou que nem sempre era possível fazê-la. “Em muitas celebrações de Páscoa tem chuva”, disse a diretora do museu do Colégio Mauá.
A tradição foi relembrada em Santa Cruz na quarta-feira. Organizada pela Escola de Língua Alemã Auf gut Deutsch, a atividade mobilizou dezenas de crianças, pais e professores de todo o município.
As crianças foram divididas em quatro equipes: Schokolade (chocolate); Osterhase (coelho de Páscoa); Schnellhase (coelho rápido) e Häschenschule (escola de coelhos).
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Munidas com cestinhas e lanternas, elas saíram com os professores e os pais da sede da escola, na Rua Senador Pinheiro Machado, e seguiram pela Marechal Floriano até a Praça da Bandeira. Os grupos tiveram de decifrar enigmas com pistas – em alemão – e percorrer as ruas do Centro para achar os ovinhos.
A preparação iniciou-se uma semana antes do evento, realizado para celebrar o bicentenário da imigração alemã no Rio Grande do Sul. Professores e alunos da escola fizeram a pintura das casquinhas.
Conforme a professora Jaqueline Sebastiana Bender, o Eiersuchen deste ano é o maior organizado pela escola desde a sua fundação, em 2005. “As inscrições não pararam de chegar. Houve inclusive escolinhas inteiras inscritas”, destacou.
A inspiração para a atividade em Santa Cruz nos dias que antecedem a Páscoa surgiu após uma viagem à Alemanha. Para a educadora, o resgate das antigas tradições é uma ótima metodologia de ensino. Também ajuda a manter os estudantes motivados e interessados em aprender a partir da atividade. “O Eiersuchen é um recurso didático valioso que desperta o interesse e envolve não somente a criança, mas toda a família”, enfatizou.
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O técnico judiciário Luciano Schmidt, de 48 anos, costumava realizar a caça aos ovos quando criança em casa, com os pais, e no interior, quando visitava os avós. Na noite da última quarta-feira, ele reviveu a antiga tradição com o filho Pedro, de 8 anos, que atualmente estuda na Auf gut Deutsch. Logo, o garoto preencheu a cesta com três casquinhas.
Para Luciano, ex-aluno da escola de línguas, a atividade foi uma forma interessante de fazer com que as famílias participassem com as crianças para reviver a tradição trazida pelos imigrantes. “É também uma maneira criativa de exercitar a língua, já que as orientações foram dadas em alemão”, ressaltou.
Na tradição de algumas comunidades alemãs, o ovo de galinha criada pelas famílias e colecionado nos meses anteriores à Páscoa era colorido e preenchido com amendoim doce. Conforme a escritora e doutora em Ciências Sociais, Lissi Bender, o ato de colorir e presentear com ovos é uma forma de celebrar a vida, a ressurreição e a promessa de vida eterna.
Esse símbolo de renovação da vida também remete ao fato de a Páscoa ocorrer no início da primavera, no hemisfério norte. Como havia pouco alimento para as aves durante o inverno, quase não punham ovos. Porém, depois que o frio passava, elas voltavam a pôr. “Os primeiros ovos no início da primavera eram sinal de renovação da vida após o longo tempo invernal”, explicou a colunista da Gazeta do Sul.
Essa antiga tradição, iniciada durante a Idade Média, foi trazida pelos primeiros imigrantes que chegaram a Santa Cruz na segunda metade do século 19.
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Hoje, é difícil pensar em fazer uma pintura sem pincel ou tinta. Porém, as famílias não possuíam tais itens à disposição. Conforme a professora de história Maria Luiza Schuster, para pintar os ovos de Páscoa era preciso criatividade e um pouco de conhecimento de química.
A produção da tinta caseira era feita a partir de determinados produtos da cozinha, como casca de cebola, beterraba ou flor de marcela. Os itens eram colocados em panelas com água quente. Fervidos, produzem determinadas colorações.
Assim, as cascas – que precisavam estar limpas e sem a presença de gordura – eram mergulhadas na tinta caseira. “Uma aula de química”, ressaltou a educadora. Durante a infância, sua mãe costumava mergulhar parte da casca em panelas diferentes, para tingir com duas cores.
Com o tempo, outras técnicas foram utilizadas. Entre elas, o papel crepom, misturado com água e vinagre, até a popularização da tinta têmpera. Já os ovos de galinha foram substituídos pelos de plástico ou de isopor.
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A tradição que aprendeu com a mãe na infância foi mantida por Maria Luiza Schuster, que a apresentou mais tarde aos netos. Em uma Páscoa, a diretora do Museu do Colégio Mauá chegou a pintar cerca de 400 ovos. Em cada um, uma arte diferente, feita com tinta acrílica e figuras alusivas à data.
Já o amendoim doce era preparado nas semanas que antecediam a Páscoa. Primeiro ele era colhido da horta da família, secado e depois descascado. O trabalho ficava por conta das crianças. Mais tarde, ele ia ao forno para ser torrado, com a posterior colocação da camada de açúcar.
Na quarta-feira, o Shopping Santa Cruz realizou a atividade com as crianças. Lá, elas puderam conhecer a tradição de pintar as casquinhas.
Animal de olhos vermelhos, pelo branquinho e passo ligeiro – como é descrito na cantiga criada em 1944 pela professora de canto e assistente de regência de Villa-Lobos, Duhilia Madeira –, o coelho é o símbolo mais popular da Páscoa.
Na tradição germânica, o aparecimento da lebre (hase) e sua primeira ninhada no campo sinalizava que o frio estava chegando ao fim. Eles, segundo a escritora Lissi Bender, eram símbolos de fertilidade e abundância, enquanto seu retorno significava que a vida continuava.
Era também um momento de alívio para os alemães, que durante o longo e árduo inverno precisavam lidar com a escassez de alimentos (especialmente os frescos), condenando muitas pessoas à morte. “Finalmente a vida, a natureza voltava a despertar de seu longo sono invernal”, complementou.
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Uma tradição muito comum na Alemanha, e posterior à chegada dos imigrantes, é o Osterbaum (a árvore pascal). Durante a festividade, no início da primavera, as árvores e arbustos ainda estão desprovidos de folhas, com apenas pequenos tufos e botões de flores a brotar. Para celebrar a data, os alemães costumam decorar as plantas nos jardins das residências com ovos coloridos.
A escritora Lissi Bender explica que, conforme a doutrina cristã, os enfeites colocados no Osterbaum representam o tempo da morte e da ressurreição de Jesus. Na cultura alemã, o galho seco simboliza a tristeza e a morte, enquanto as casquinhas de ovos, o renascimento. “Assim como as árvores que perdem suas folhas e se recolhem no outono e ressurgem majestosamente vivas e verdes na primavera”, destacou Lissi.
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O Osterbaum está presente em cidades brasileiras povoadas pelos imigrantes alemães. Em Pomerode (SC), durante a celebração da Páscoa (Osterfest), a comunidade se mobiliza para montar a árvore. Em 2017, a decoração foi parar no Guinness World Records, com mais de 100 mil casquinhas.
Para Lissi Bender, que conheceu o Osterbaum durante suas estadas na Alemanha, a tradição vem ganhando mais adeptos. E deixa uma sugestão: “Assim como no Natal enfeitamos a cidade, poderíamos também enfeitar com ovos coloridos a nossa praça ou a frente de nossas casas.”
O Osterzopf (trança pascal) é um tipo de pão especial para celebrar a Páscoa. A receita, passada pela família, é preservada pela escritora Lissi Bender, cronista do jornal Gazeta do Sul e doutora em Ciências Sociais. Ela está incluída no livro bilíngue Kochen und Backen für feierliche Tage/Forno e Fogão para dias festivos.
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