Aniversariante da última quinta-feira, o Futebol Clube Santa Cruz completou 107 anos de fundação. A data foi lembrada nas redes sociais por ex-jogadores, entre eles, um em especial: Alex Stival, o Cuca, começou a carreira profissional no Galo. Aos 56 anos e morando em Curitiba, sua terra natal, o ex-meia, que tornou-se técnico de renome no cenário nacional, concedeu entrevista exclusiva à Gazeta do Sul.
Ele recordou a época em que vestiu a camisa carijó, em 1984, quando tinha 21 anos de idade. Naquele ano, o time alvinegro conseguiu um feito. No dia 21 de outubro, um domingo, às 11 horas, pelo Campeonato Gaúcho, a equipe de Daltro Menezes venceu o Internacional por 2 a 1, nos Plátanos, derrubando a segunda maior série invicta do time colorado, que não perdia há 39 jogos. Os gols foram marcados por Betinho e Valduíno – André Luiz descontou para os visitantes.
Além das lembranças do Santa Cruz e da cidade, Cuca falou sobre temas como a relação de jogador e treinador, celebrando, em 2013, o maior título da carreira: a Copa Libertadores da América pelo Atlético-MG, que contava com o talento de Ronaldinho Gaúcho, hoje preso no Paraguai. “Na ocasião, todo mundo criticou, mas eu sentia que a gente precisava de uma estrela para dar brilho. Foi um casamento perfeito”, destacou o treinador.
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ENTREVISTA
Cuca – Técnico de futebol
Gazeta do Sul – Que lembranças você tem do Santa Cruz?
Cuca – Comecei minha carreira profissional no Santa Cruz em 1984, com o falecido Deka, depois o Daltro Menezes, que era o treinador. Tenho uma lembrança muito viva ainda até hoje. Lembro do Irineu Roesch (dirigente), do Vitiello (atual vice-presidente), do Hermany (Edmar, ex-presidente), uma série de pessoas e de jogadores que estiveram comigo naquela época, Betinho, Valduino, Chimbica, uma turma boa. Fizemos um grande trabalho e, no final do ano, fui vendido para o Juventude.
O que o clube representou na sua carreira?
O início é o mais difícil no futebol ou em qualquer segmento da vida. Vim numa condição de empréstimo, sem ter sido profissional em lugar nenhum. Era um risco que o Santa Cruz corria comigo. Tinha o meu pai, que iria operar o coração e o INPS não pagava anestesista na ocasião. Precisava muito de dinheiro. Peguei um mês adiantado para poder mandar para o meu pai. Ele viveu mais 13 anos depois de cirurgia. Além da lembrança profissional, tenho um agradecimento eterno ao Santa Cruz, por ter aberto as portas para mim.
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E as recordações da cidade?
Morava em uma pensão perto do Mercado Schweickardt (na Coronel Oscar Jost). Dei muito valor a tudo por ter que fazer minha própria comida, ir ao campo a pé nos dias de chuva com uma caixa de papelão. Foi ótimo ter passado por isso, a gente aprende a ser muito mais responsável. Lembro da igreja, que era maravilhosa, eu sempre ia.
Caso surgisse a oportunidade, você aceitaria treinar o Galo?
Sou muito grato ao Santa Cruz. Tudo na vida é possível. Quem sabe um dia a gente possa trabalhar, com muito prazer.
Qual a diferença do futebol atual para o daquela época?
Existem muitas diferenças. Para se ter uma ideia, o nosso Departamento Médico era em um quartinho. A parafina era feita numa panela. Era líquida, ficava fervendo, passava um oleozinho no tornozelo, vinha com o pincel e fazia as camadas para fazer a botinha. Era mais dolorido fazer o tratamento do que a dor no tornozelo. Hoje, o jogador tem uma recuperação muito mais fácil. A gente não tinha tantos pares de chuteiras para usar. Era uma de manhã, deixava secando e colocava outra à tarde. Às vezes, usávamos molhada e íamos à luta. Hoje, um jogador com uma micose já não vai treinar. No passado, não tinha isso. O tempo mudou, e para melhor, mas essa coisa raiz levamos como lembrança para sempre.
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Seu último clube foi o São Paulo. Pretende retornar à casamata?
Fiquei no São Paulo até o fim de setembro. São seis meses na inatividade. Para mim, está sendo muito bom porque eu tenho a minha primeira netinha (Eloá, de 2 anos), estou podendo curtir muito, porque eu não pude fazer com as minhas filhas, sempre estava longe. A minha preparação era para iniciar um Brasileiro. Mas, para falar bem a verdade, com essa pandemia (da Covid-19), acho que não estamos nem pensando no começo do campeonato e sim no fim dessa loucura que está acontecendo. Que possamos voltar logo a viver naturalmente.
O que a presença em campo lhe ajudou como treinador?
Dizem que não é necessário ser jogador para ser treinador, mas é inquestionável que ajuda. Muitas vezes que você tem um problema, você viaja no passado e busca dentro do conhecimento em campo alguma situação, seja positiva ou negativa. ‘O que eu gostava quando eu jogava?’. E você consegue pensar com a cabeça do jogador lá em campo. Isso é importantíssimo. Acho fundamental.
Quais as maiores dificuldades na relação técnico–jogador?
É tirar a chuteira, você passar dessa fase de jogador, que você tem muito viva, e virar um gestor, um comandante. Isso não acontece já na primeira etapa. São etapas que o profissional vai passando e amadurecendo. Hoje não faço coisas que fazia há dez, 15 anos. A escola da vida me mostrou o caminho. Todos os treinadores mais jovens vão passar por isso também.
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Que análise você faz sobre a situação atual do futebol?
É triste. Tenho um temor muito grande. Temos ficado de quarentena em casa, rezando e fazendo contas para que os números baixem não só aqui, mas na Itália, na Espanha, nos Estados Unidos. Precisamos ter uma conscientização muito grande. Hoje, o futebol fica em segundo plano para todos nós. A saúde é essencial. Fico pensando numa Itália enterrando 800 pessoas por dia. Que sofrimento para aquelas pessoas não poderem ir a um velório, não fazer um enterro para um ente querido, que viveu ao seu lado.
Qual foi o momento mais difícil como jogador e técnico?
Como jogador foi parar, sem dúvida. Quando você para de jogar, você acorda e quer ir para o treino ou jogo, mas não tem mais, dá um choque muito grande. O jogador de futebol não se prepara para o futuro. Ele guarda um dinheiro e dele vai viver, só que 95%, 99% dos jogadores passam mal depois que param de jogar, porque o dinheiro que ganham não é o necessário para viver. Tem que se preparar. É um conselho que dou. O empresário tem que prepará-lo para o pós-trabalho de campo. Alguns têm sorte na vida, como eu tive de continuar a carreira (como técnico), mas é uma minoria.
O treinador tem que ter um elo em comum, que não é o presidente, nem os jogadores. Ele precisa ter o diretor de futebol como seu irmão, seu parceiro, aquele cara que contrata junto com você, que é teu amigo, que quando as coisas dão errado, não põe a culpa em você e, quando dá certo, não pega só para si. E você também agir da mesma forma com ele. Se o diretor te contratou é porque ele tem a confiança em você.
Depois do Grêmio, você jogou no Internacional. Como vê a rivalidade?
Acho que é a maior do país. Se não for, está ali com outros grandes clássicos, mas é uma rivalidade muito grande. São apenas dois clubes grandes no Estado e dividem 50% da torcida. Vemos com felicidade o momento dos dois. Pena ter acontecido isso (coronavírus), porque estávamos na expectativa de ver como vai ser o andar dos dois dentro da Libertadores.
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Qual a origem do apelido?
Sou de origem italiana. Cuca é porque tinha um delegado aqui em Santa Felicidade (bairro de Curitiba) que era muito ruim, bravo. E quando eu aprontava minhas traquinagens, minha mãe falava: ‘Eu vou chamar o Cuca’. Ficava quietinho porque tinha medo dele. Não me lembro dele, graças a Deus, mas daí ficou por isso: ‘Olha o Cuca, Olha o Cuca’, e ficou para mim (risos).