A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou nessa quarta-feira, 4, em votação nominal, por 15 votos favoráveis e 11 contrários, um novo substitutivo à proposta de emenda à Constituição (PEC 10/2022) que exige uma legislação específica para regulamentar a utilização de plasma humano para desenvolvimento de novas tecnologias e produção de medicamentos destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Por quase três horas, os senadores travaram intensa discussão sobre a possível comercialização e abertura às empresas privadas para a coleta e o processamento do plasma.
A PEC 10/2022, do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), teve parecer da senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), na forma de um texto alternativo, segue para análise de Plenário. Atualmente, a Constituição prevê que uma única lei deverá tratar da remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas e coleta de sangue e derivados para fins de transplante, pesquisa e tratamento, vedando expressamente a comercialização desses produtos.
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A proposta original retira desse texto constitucional a menção a “pesquisa e tratamento” e insere um novo parágrafo determinando que uma lei específica terá de estabelecer condições e requisitos exclusivamente para coleta e processamento de plasma humano para desenvolvimento de novas tecnologias e de produção de biofármacos destinados a abastecer o SUS.
No entanto, no que se refere à vedação de comercialização, a relatora acatou emenda do senador Otto Alencar (PSD-BA) que permite às iniciativas pública e privada negociar plasma humano para fins de uso laboratorial, desenvolvimento de novas tecnologias e de produção de medicamentos hemoderivados destinados a prover preferencialmente o SUS.
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A emenda estabelece ainda que a iniciativa privada deverá atuar em caráter complementar à assistência em saúde, mediante demanda do Ministério da Saúde e cumpridas as normas regulatórias vigentes. “Comercialização de bolsa de sangue já existe no Brasil. A coleta é que é gratuita”, ponderou Otto. A relatora acatou ainda emendas redacionais apresentadas pelo senador Otto durante a reunião.
O senador Marcelo Castro (MDB-PI) apresentou voto em separado no entendimento de que se permita a comercialização dos hemoderivados, mas não a comercialização do sangue humano. “Não se pode regredir socialmente. Se hoje nós permitimos a comercialização do sangue, qual argumento moral vamos ter para permitir a comercialização de um rim?”, questionou o senador.
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A senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) também disse que não é algo trivial no Brasil passar a incentivar o comércio de órgãos humanos, inclusive do plasma. Ela apelou pela não-comercialização, mas sim pelo acesso mais célere aos medicamentos que os pacientes precisam. “O objetivo do comércio é lucro. Sangue é vida”, expôs a senadora Mara Gabrilli.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) lembrou que o Brasil é o maior transplantador do mundo “porque criamos um sistema eficiente e sério, com a lista nacional”. “Ninguém é contra a criação de novas empresas processadoras de hemoderivados. Essa não é a questão. O que nós estamos discutindo aqui é a comercialização de órgãos (…) Na hora que se abre a comercialização vamos ferir de morte a assistência. Podemos sim aproveitar melhor todo o plasma em processamento no Brasil.”
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Da mesma forma, o senador Humberto Costa (PT-PE) disse que não é verdade o argumento de que se aprovada a PEC “não se esteja liberando a coleta remunerada”. “Esse discurso de que estão preocupados com a autossuficiência não corresponde à verdade”, disse o senador, ao defender o trabalho desenvolvido pela Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia).
As senadoras Zenaide Maia (PSD-RN) e Professora Dorinha Seabra (União-TO) ratificaram a preocupação com a proposta e enfatizaram que o fato de a Hemobrás não conseguir atender toda a demanda não justiça a liberação da comercialização. “Não vamos permitir que o sangue seja uma commodities. Isso aqui é comercializar parte do corpo humano”, disse Zenaide.
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A senadora Daniella disse concordar que sangue não é para se comercializar, mas afirmou que é preciso dar condições de vida às pessoas que precisam do plasma humano. Ela enfatizou que não existe qualquer previsão de remuneração para sangue e plasma. “Quando falamos em abrir para a iniciativa privada, para auxiliar, estamos falando em medicamentos para o SUS, estamos ajudando o cidadão. (…) Não vai cair a doação de sangue, porque nós vamos discutir a lei regulamentar. (…) Derivados de sangue poderiam salvar vidas, mas vão para o lixo”, afirmou Daniela, ao sublinhar que não há qualquer possibilidade de comércio com os doadores.
Autor da matéria, o senador Nelsinho Trad explicou que o Brasil importa para conseguir os medicamentos que precisam ser oportunizados a quem precisa. “Não existe remuneração no projeto relatado. Não existe remuneração para transplantes de órgãos. O sangue é um órgão, o plasma não é. (…) Eu sou a favor do remédio para quem precisa. Isso precisa ser resolvido no Brasil”, disse Nelsinho, ao apoiar o relatório. Flávio Bolsonaro (PL-RJ) argumentou que é preciso aprender com o que aconteceu na pandemia e abrir o mercado para que haja concorrência. “É fundamental para que a gente não dependa mais do comércio exterior, para produzir os medicamentos, e salvar vidas aqui no Brasil.”
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A relatora acatou outra emenda que reinsere no texto constitucional a permissão para utilização em “pesquisa e tratamento” de órgãos, tecidos, substâncias humanas e outros derivados de sangue, como glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e plaquetas. Fica mantida, contudo, a proibição de comercialização desses itens. Para permitir comercializar plasma humano, a relatora argumenta que, nos últimos 30 anos, houve muitos avanços científicos em relação ao sangue e doenças a ele associadas, sem que legislação brasileira fosse atualizada.
O resultado disso, segundo ela, é que os profissionais de saúde reclamam da dificuldade de conseguir plasma em quantidade adequada para atender a população do país. Ela lembra que, em 2020, o Tribunal de Contas da União (TCU) notificou o Ministério da Saúde pelo desperdício de quase 600 mil litros de plasma que não foram utilizados na produção de hemoderivados, o que equivale a mais de 2,7 milhões de doações de sangue, segundo o Ministério Público. O prejuízo pode chegar a R$ 1,3 bilhão por ano, ainda conforme o Ministério Público. “Ou seja, o Brasil capta sangue, aproveita os glóbulos vermelhos e, muitas vezes, o plasma é desperdiçado”, afirma a senadora.
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Para Daniella Ribeiro, o país tem muito a contribuir em relação à produção de medicamentos derivados do plasma, pode atrair investimentos nesse setor e, com isso, exportar medicamentos para os países vizinhos. “Para isso, precisamos, também, que seja permitida especificamente a comercialização desses produtos, o que ainda é vedado pela Constituição”.
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