Depois que acordou, na madrugada de 30 de abril, a prefeita de Sinimbu, Sandra Backes, não conseguiu mais “pregar os olhos”. A chuva forte não parava, assim como as mensagens no seu celular, enviadas por moradores de regiões mais altas, informando que o prognóstico não era favorável. A intuição dela começou a gritar. Era necessário agir, porque havia possibilidade de enchente. Afinal, isso já ocorrera em outros anos. “Mas nunca houve nada parecido, foi uma catástrofe histórica, que deixou marcas profundas”, relembrou.
Trazer os fatos vividos naquele dia de volta à memória é uma tarefa dolorosa. Mas Sandra tem sido exemplo de força e coragem frente à tragédia que se abateu sobre Sinimbu e praticamente todo o Rio Grande do Sul. Por volta das 5 horas da terça-feira mais sombria que o município já viveu em 32 anos de emancipação, a prefeita tomou uma atitude essencial, que salvou vidas. Ela acionou a Polícia Civil, a Brigada Militar e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), para que fizessem um “sirenaço”, acordando e alertando a população residente das ruas do centro e da região de Rio Pequeno.
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Apesar de muitos duvidarem da necessidade de tamanho “alvoroço”, ela não desistiu e ouviu o seu coração. Foi devido ao barulho das sirenes que as famílias despertaram e conseguiram pegar itens fundamentais, como documentos, antes de serem obrigados pela água do Rio Pardinho a deixarem suas casas. A enxurrada não pediu licença. Pouco depois do sirenaço, por volta das 6 horas, o curso d’água invadiu a cidade pela primeira vez.
Desde as primeiras horas da manhã, Sandra e algumas pessoas de sua equipe já se mobilizaram no Centro Administrativo, tentando se antecipar à enchente. “Foi tudo muito rápido. Mas nós, mulheres, pensamos também com o coração e foi o que eu fiz. Felizmente, conseguimos tirar muitas pessoas de casa, principalmente as mais idosas. Se isso tivesse acontecido à noite ou com as pessoas dormindo, a tragédia seria muito pior, com muito mais gente desaparecida ou morta”, analisou.
Às 7h30, a água alcançava a cintura dentro do prédio. Quando achavam que o terror já havia passado, outra enchente, ainda mais devastadora, com uma correnteza tão intensa, capaz de quebrar prédios, arrastar árvores e tudo que encontrou pela frente, iniciou por volta das 13 horas. Foram duas horas de desespero.
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O número oficial de habitantes de Sinimbu é de 8,5 mil. Com a enchente, três vidas precisam ser reduzidas deste número. A tragédia climática ainda causou a destruição total ou parcial de 350 casas. Diretamente, estima-se que pelo menos 2 mil pessoas tenham sido atingidas. Uma das casas que se tornaram ruínas foi a da avó da prefeita Sandra Backes. Um deslizamento de terra acabou com a construção centenária, em estilo enxaimel. “Isso mostra que foi a história de vida das pessoas que foi embora”, lamentou a líder.
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Além disso, os dois estabelecimentos pertencentes à família de Sandra também ficaram destruídos. Eram uma churrascaria e uma loja de materiais de construção. “Já visitei todos os espaços públicos, pontes e locais destruídos, mas ainda não tive coragem de ir nos meus estabelecimentos. Eram a construção de uma vida inteira”, revelou.
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Sandra Backes é a primeira prefeita de Sinimbu. Eleita em 2016 e reeleita em 2020, nunca foi vereadora ou ocupou qualquer outro cargo político. “A vida política me reservou muitos desafios e sei que muitos se perguntaram se eu daria conta”, comentou. Agora não há mais dúvidas: ela deu conta. É claro que a sensação de impotência – muito comum entre mulheres – se fez ainda mais presente no momento da enchente. “Houve pedidos de resgate que não conseguimos atender com a urgência que tinha, porque os barcos não davam conta de tanta correnteza e ainda não tínhamos helicópteros”, recordou. Contudo, a atitude de convocar o sirenaço fez com que as pessoas fossem subindo a Rua Frederico Kops em direção à Comunidade Evangélica, que também já havia sido acionada pela prefeita Sandra, para que servisse como abrigo. “A minha intuição falou e eu ouvi”, afirmou.
A demonstração de força, inteligência e coragem dela faz com que seja uma referência para toda a comunidade. “São muitos filhos para cuidar”, brinca a mãe de duas mulheres, uma de 28 e outra de 33 anos, que já não moram mais em Sinimbu. Mas, no município, é inspiração para outras mulheres. “Participação feminina na política é essencial, não somente como peças a serem manipuladas, mas com voz e poder de decisão”, definiu.
Desde a enchente, a rotina de Sandra mudou. Agora, ela precisa se desdobrar, indo ao encontro das pessoas que precisam de cuidados e, também, se concentrando em seu gabinete, onde encara a burocracia e aciona os governos estadual e federal na busca por recursos.
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Passado o desespero da necessidade de oferecer socorro imediato aos sobreviventes, é chegada a hora de recomeçar. A comunidade de Sinimbu trabalha para limpar ruas e casas, restabelecer pontes e acessos e reconstruir a imagem colorida e acolhedora que lhe era característica. A prefeita Sandra Backes acredita que, até o fim do mês, aproximadamente 50% do comércio tenha reaberto as portas.
Não é um trabalho fácil ou prazeroso. Em muitos momentos, a esperança some e a tristeza ocupa seu lugar. “Tudo tem um propósito”, disse. Sandra entende que a enchente é uma ferida aberta, que ainda vai cicatrizar. Para que esse processo seja menos árduo, é necessário que todos façam sua parte. “Machuca, mas precisa ser enfrentado”, comparou.
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Ela lamenta o fato de, talvez, não conseguir entregar o município tão bem quanto imaginava lá no dia 29 de abril. “Tive uma gestão focada no desenvolvimento de Sinimbu, mas talvez não consiga recuperar os estragos. Aqui havia flores, cores e hoje não há nada. Mas eu quero que a população enxergue a esperança que tenho, a crença em um futuro melhor. Que acreditem que podemos nos reconstruir.”
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Para devolver a vida à cidade e recuperar a autoestima como povo sinimbuense, a Prefeitura já está organizando ações como mutirões de emprego e análises das moradias danificadas, além da busca por programas de habitação. “Vamos todos arregaçar as mangas e ir à luta. Dias melhores virão”, concluiu.
As chuvas deixaram um trauma em todos os gaúchos: ninguém mais gosta do barulho de chuva. “Eu também tenho trauma das sirenes, fico nervosa quando ouço”, conta a prefeita de Sinimbu, Sandra Backes. Porém, foi com esse barulho que ela salvou muitas vidas.
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