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Saiba quem eram os habitantes de Santa Cruz há 230 milhões de anos

Local do afloramento: o nível onde os fósseis são encontrados, abaixo da rodovia | Foto: Cristina Bertoni-Machado

Vários municípios do Baixo Vale do Rio Pardo protagonizaram nos últimos anos diversas descobertas de fósseis de animais que habitaram a face da terra há mais de 200 milhões de anos. Para um comparativo no tempo, as espécies encontradas na região viveram bem antes dos gigantes dinossauros dos filmes do Parque Jurássico (Jurassic Park).

O patrimônio paleontológico de Candelária é reconhecido em todo o mundo. No município, por exemplo, está o maior crânio de um predador triássico já encontrado. Nas três camadas que afloram no município, já foram descobertas 13 espécies de cinodontes. O Museu Aristides Carlos Rodrigues guarda diversas partes do esqueleto de animais desse período, inclusive réplicas desses bichos, em tamanho natural.

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Pesquisadores de diversas universidades também coletaram fósseis em municípios próximos, como Vale do Sol. Museus de outras partes do mundo guardam material raro coletado na região há bem mais tempo, antes até da metade do século 20. Mas o que poucos sabem é que em solo santa-cruzense houve a descoberta de grande quantidade de fósseis antigos e de grande valor científico. Parte do material já foi descrita por pesquisadores, mas ainda há grande quantidade na fila, aguardando por estudos detalhados para descobrir como eram e viveram os animais que andavam por aqui em um passado bem distante.

Esses vestígios podem revelar muito sobre a evolução do planeta Terra. E ainda há perspectivas de novos achados na terra da Oktoberfest, que guarda no solo um rico patrimônio palentológico.

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Patrimônio científico de grande valor

O solo de Santa Cruz do Sul abriga um patrimônio de conhecimento de poucas pessoas no município, mas de grande valor no meio científico. No final dos anos 1990 e início de 2000 foram descobertos diversos fósseis de animais que viveram na face da Terra há mais de 230 milhões de anos, no período Triássico. O afloramento de Schoenstatt, nas margens da BR-471, é considerado raro pelas espécies de animais encontrados no local, com a predominância de cinodontes, importantes para entender a evolução dos mamíferos.

O afloramento na zona de associação chamada de Santacruzodon foi descrito formalmente para a ciência em 2001 e faz parte da Supersequência Santa Maria. O paleontólogo e aluno de doutorado do Programa de Pós-graduação em Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Maurício Rodrigo Schmitt, em entrevista ao programa Estúdio Interativo, da Rádio Gazeta FM 107,9, destacou que o Schoenstatt é muito peculiar para entender as espécies dos animais encontrados no local. “A gente tem uma abundância muito grande de material. Desde que foi descoberto, houve a coleta de mais de 300 fósseis na área”, explicou.

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Crânio e mandíbula de Santacruzodon hopsoni

A composição faunística do local é dominada quase que exclusivamente por cinodontes traversodontídeos. O terreno das descobertas tem uma área aproximada de 30 metros quadrados, no lado direito da BR-471, no sentido trevo do Bom Jesus – Distrito Industrial, ao lado do antigo Santuário. Hoje, resta apenas um pequeno espaço onde ainda é possível coletar material para as pesquisas, pois a ocupação com construções ocorreu em quase todo o lugar. Segundo Schmitt, houve a coleta de vários tipos de materiais do esqueleto, não necessariamente dos mesmos bichos, sendo os mais comuns crânios, pós-crânios, fêmur e costelas, todos completamente misturados.

O paleontólogo afirmou que se trata do único afloramento no Brasil que preserva fósseis do intervalo de 236 ou 235 milhões de anos. “Os bichos que existiam naquele tempo só vão ser encontrados ali. E com os animais descobertos neste local, assim como no trevo de Vera Cruz, consegue-se correlacionar os afloramentos com formações na Argentina e em outros países do mundo.” Além dos vestígios de cinodontes, na área houve a descoberta de fósseis da espécie Menadon, com a dentição mais antiga do tipo hipsodonte, como dos roedores, a exemplo dos existentes na capivara, que crescem o tempo todo.

Reconstrução de como era um cinodonte: o Santacruzodon hopsoni
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Estudo dos caracteres identifica espécime

O paleontólogo Maurício Rodrigo Schmitt, aluno da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), descreveu Na dissertação de mestrado, em 2019, um espécime de traversodontideo, proveniente da Zona de Associação (ZA) de Santacruzodon da Sequência Pinheiros-Chiniquá (Triássico Superior da Supersequência Santa Maria). No trabalho de pesquisa, ele também discutiu questões taxonômicas e implicações bioestratigráficas envolvidas.

Crânio de Massetognathus ochagaviae como encontrado no momento da coleta

Os fósseis estudados, compostos por crânio e mandíbula com dentição, foram identificados como Massetognathus ochagaviae com base nos seguintes caracteres: borda labial dos dentes pós-caninos maxilares em formato de triângulo isósceles, presença de plataforma lateral da maxila, presença de cíngulo posterior nos pós-caninos maxilares.

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O espécime analisado está tombado na coleção científica do Laboratório de Paleontologia de Vertebrados do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O material foi coletado no afloramento Schoenstatt durante uma expedição de campo realizada em 2003. O estudo confirmou a vinculação ao gênero Massetognathus, reconhecendo-o como Massetognathus ochagaviae.

O artigo, submetido ao periódico Journal of South American Earth Sciences, descreve a primeira ocorrência de Massetognathus ochagaviae na Zona de Associação de Santacruzodon, da Sequência Santa Cruz, Triássico Superior do Rio Grande do Sul. Com base na descrição do material craniano e dentário e na comparação deste com outros traversodontídeos, observou-se que estão proximamente relacionados, provenientes especialmente de camadas triássicas da Argentina e de Madagascar.

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Dinossauros apareceram 200 milhões de anos depois

As espécies de animais encontradas no afloramento de Schoenstatt viveram quase 200 milhões de anos antes do tempo geológico dos dinossauros mais clássicos, que são do período cretáceo. “Os materiais coletados em Santa Cruz do Sul são de períodos bem mais antigos, logo depois do período permiano, quando ocorreu a maior extinção da face da Terra”, observa Maurício Schmitt.

Destaca que no período Triássico todos os continentes ainda estavam unidos. Essa época é conhecida como Pangeia, nome dado ao supercontinente que compunha a superfície terrestre dos períodos Permiano ao Triássico. A massa única era banhada também por um único oceano, chamado de Pantalassa. A separação da Pangeia, que deu origem à configuração dos continentes como hoje se conhece, teve início há 230 milhões de anos.

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Onde hoje se localiza o Rio Grande do Sul havia condições semelhantes a um deserto, com alguns riachos e lagos, com vegetação em volta. Os animais cinodontes da época eram mamíferos sem pelos, com vários tamanhos, desde pequenos, com 200 gramas, do porte de um rato, a um bicho maior, com até 300 quilos. Além disso, havia os arcossauros, semelhantes aos crocodilos, considerados os predadores de topo. No Schoenstatt, 85% dos fósseis são de cinodontes.

Dos fósseis no Schoenstatt, 80% foram descobertos no começo dos anos 2000. Schmitt explica que agora ainda há coletas esporádicas. O material recolhido permanece na Ufrgs para estudos posteriores. Segundo Schmitt, atualmente há cerca de 50 publicações sobre o material coletado. O paleontólogo explica que nas proximidades há outra área de rocha vermelha que pode representar mais um afloramento. Caso alguma pessoa encontre um material parecido com um fóssil, pode fazer contato com a Ufgrs.

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Animais de hábito herbívoro e dentição expandida

O afloramento Schoenstatt foi inicialmente descrito pelos paleontólogos Fernando Abdala, Ana Maria Ribeiro e Cesar Leandro Schultz (2001). Devido à abundância de cinodontes herbívoros, identificados como pertencentes à família Traversodontidae, a associação ali encontrada foi denominada como Biozona de Traversodontídeos. A sequência Santa Cruz é composta por siltitos vermelhos similares aos encontrados na Sequência Pinheiros-Chiniquá intercalados com arenitos e conglomerados, com afloramentos nos municípios de Santa Cruz do Sul, Vera Cruz e Venâncio Aires. Nesse pacote de rochas, encontram-se os tetrápodes fósseis da Zona de Associação de Santacruzodon.

Dente de Santacruzgnathus abdalai, característico dos cinodontes

Os traversodontídeos foram animais com hábito predominantemente herbívoro e caracterizados pelo padrão de dentição expandida lábio-lingualmente, denominada gonfodonte. Atualmente, sabe-se que a fauna da ZA de Santacruzodon era muito mais diversa e mais abrangente geograficamente do que se estimava inicialmente. Muitos outros materiais de Santacruzodon foram coletados em Venâncio Aires e Vera Cruz. Fósseis inéditos encontrados em Vera Cruz ainda aguardam descrição e identificação.

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Santacruzodon é um dos objetos encontrados no começo dos anos 2000. Trata-se de uma parte do esqueleto de uma espécie de cinodonte, de uma linhagem que foi completamente extinta. O nome é em homenagem ao município, e o sufixo odon é uma terminação do latim que significa dente.

Evidências da história

Com estimados 4,6 bilhões de anos de idade, o planeta Terra carrega uma história de profundas transformações na atmosfera, condições climáticas, paisagens e biodiversidade. As evidências mais importantes desses acontecimentos podem ser encontradas nas rochas que constituem o chamado “registro geológico”. Através dele, cientistas são capazes de mapear essas mudanças e mensurar o tempo transcorrido entre cada uma delas.

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Esse extenso legado encontra-se atualmente organizado em um sistema cronológico que adota como referência as camadas de sedimentos rochosos – assim como o conteúdo fossilífero nelas contido – e que formam o registro geológico da Terra: escalonado em intervalos de tempo de diferentes magnitudes (éons, eras, períodos, épocas e idades), tal sistema é conhecido como Escala do Tempo Geológico, e é padronizado por uma organização científica que reúne pesquisadores do mundo todo: a Comissão Internacional de Estratigrafia.

Como se formam os fósseis?

Fósseis são restos ou vestígios de animais e vegetais preservados em rochas ou no solo. Pode ser um osso ou algum membro ou resto orgânico que ficou de alguma forma conservado. Geralmente ficam preservadas as chamadas partes duras (como dentes, ossos e conchas). Para uma evidência ser considerada como fóssil, é preciso que ela tenha mais do que 11 mil anos, ou seja, antes do Holoceno, que é a época geológica atual.

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A fossilização resulta da ação combinada de processos físicos, químicos e biológicos. Para que a natural decomposição e desaparecimento do ser que morreu seja interrompida e haja preservação, são necessárias algumas condições, como rápido soterramento e ausência de ação bacteriana, que é a responsável pela decomposição dos tecidos. Também influenciam na formação dos fósseis o modo de vida do animal e a composição química do esqueleto.

Há vários tipos de fossilização. Entre eles, a permineralização, que ocorre quando partes duras de um organismo – como troncos de árvores e esqueletos ósseos – têm os poros e cavidades preenchidos por sedimento e substâncias minerais, como sílica e carbonato de cálcio, transportados pela água. Outra forma é a substituição, processo em que a constituição mineralógica de estruturas como conchas, ossos e dentes modifica-se por meio da dissolução do mineral original e a substituição concomitante por outro abundante no meio. O original pode ser substituído por minerais como sílica, pirita, carbonatos e limonita.

*Colaborou o jornalista Ronaldo Falkenback

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