Rejeição, discriminação e preconceito marcaram as raízes históricas e culturais do fenômeno “deficiência”. E, para que as pessoas afetadas por alguma de suas formas – intelectual ou múltipla – contassem com o atendimento adequado na perspectiva da inclusão social no Brasil, foi necessária a mobilização de pais, avós e outros cuidadores, empenhados em quebrar paradigmas e criar alternativas para que seus filhos tivessem lugar na sociedade, com garantia de direitos como qualquer outro cidadão.
Nesse contexto, surgiram as primeiras associações de familiares e amigos, que se mostraram capazes de lançar um olhar mais propositivo sobre as pessoas com esse tipo de deficiência. Convivendo com um Estado desatento quanto às necessidades de seus integrantes, tinham a missão de educar, prestar atendimento médico e suprir suas necessidades básicas de sobrevivência.
Essa mobilização precisou contar com o apoio de vários profissionais que, acreditando na luta dessas famílias, empreenderam estudos e pesquisas, buscaram informações em entidades congêneres no exterior e trocaram experiências com pessoas de outras nacionalidades.
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A partir de então, começou-se a prestar serviços de educação, saúde e assistência social a quem deles necessitasse, em locais denominados como Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). A entidade constituiu-se no Rio de Janeiro, em 1954. Essa mobilização em torno da pessoa com deficiência, impulsionada pela Declaração dos Direitos Humanos, expandiu-se Brasil afora e passou a ser conhecida como Movimento Apaeano.
A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) caracteriza-se por ser uma organização social, cujo objetivo principal é promover a atenção integral à pessoa com deficiência, prioritariamente aquela com deficiência intelectual e múltipla. A Rede Apae destaca-se por seu pioneirismo e capilaridade, estando presente, atualmente, em mais de 2.200 mil municípios em todo o território nacional.
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O número de crianças consideradas, à época, excepcionais crescia ou se tornava mais evidente no início da década de 1960 na região. Em consequência, a necessidade de um atendimento escolar adequado, que possibilitasse que elas desenvolvessem ao máximo suas capacidades, também era cada vez maior.
Em detrimento de uma sociedade que, talvez por total desconhecimento, marginalizava e esquecia essas pessoas, uma santa-cruzense iniciou a mobilização que viria transformar tal realizada no município. Mãe de uma menina com deficiência intelectual, a professora Elisa Gil Borowski (já falecida) levantou a bandeira da luta por uma escola que preenchesse a lacuna.
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Em 1961, levou Heloísa a Porto Alegre a fim de que tivesse um atendimento escolar específico. Ao conhecer o trabalho desenvolvido, determinou-se a buscar os meios para que em Santa Cruz as crianças também tivessem seus direitos à escolarização garantidos, bem como possibilidades de crescimento, de convivência com colegas, professores e com o trabalho.
Seu primeiro passo foi organizar, simultaneamente ao seu trabalho no então Grupo Escolar Estado de Goiás, uma classe para oito crianças com deficiências, no turno inverso às aulas na classe comum. De forma voluntária, Elisa ofereceu todo o atendimento que lhe era possível, dentro de suas condições, mais inspirada no amor do que na técnica, conforme suas palavras.
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Na sequência, Elisa solicitou à Secretaria de Educação e Cultura do Estado a vinda de técnicas focadas em Educação Especial. A chegada da comitiva despertou o interesse de outros abnegados, como Nestor Odilon dos Santos Webber. Ele logo tomou parte na luta pela fundação da Apae, necessária para que se pudesse instalar uma Escola Especial no município.
À entidade seria atribuída a função de arrecadar recursos em todos os canais competentes e dar cobertura à escola. Para viabilizar esse propósito, começou o trabalho comunitário, com visitas às escolas, motivação de professores, procura pelos alunos, busca de sócios, realização de palestras sobre o tema, contatos com autoridades públicas e clubes de serviço.
Os primeiros tempos foram de dificuldades, sobretudo no que diz respeito a recursos financeiros. Era preciso que a Apae se estruturasse legalmente para obter convênios e buscar verbas – seu quadro de sócios precisava ser criado. Junto de Elisa e Webber, o Lions Club SCS – Centro, do qual ele era integrante, incorporou-se à campanha e ajudou na conquista de seu objetivo.
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Oito anos após a fundação da primeira Apae do Brasil, Santa Cruz do Sul também constituía a sua. A partir daí, novos grupos e pessoas engajaram-se nesse ideal que, embora repleto de obstáculos, motiva uma trajetória especial e vitoriosa que agora completa 60 anos.
“Estar na presidência de uma entidade que está completando 60 anos – seis décadas de atuação – em Santa Cruz do Sul, e é uma das pioneiras no Rio Grande do Sul no movimento apaeano, é motivo de muito orgulho pra mim. Fazer parte disso é fruto de muita dedicação, comprometimento e doação por essa linda causa, mas além de tudo isso, é fruto de acreditar. Acreditar em uma sociedade mais justa, com oportunidades para todos. O trabalho de Presidente dessa entidade, bem como o trabalho de todos os membros da diretoria, é exercido de maneira voluntária, e estar à frente disso é a oportunidade que tenho de contribuir com as mais de 470 pessoas atendidas aqui. Hoje, temos 69 colaboradores com várias especializações nas áreas da assistência, saúde e educação, que são as três áreas que trabalhamos. Tenho muito orgulho desse grande time, que dá todo o seu melhor na parte pedagógica, na saúde e na assistência para todas as famílias envolvidas. Para 2024, nosso grande sonho será a construção da nova Clínica para atendimentos na área da saúde. Este será o nosso desafio: trazer para a realidade esse projeto e, assim, poder ampliar os nossos atendimentos! Que nosso Senhor nos proteja e ilumine nossa caminhada diária! Maribel de Souza Dockhorn | Presidente da Apae“.
Apenas oito anos após a primeira Apae ser fundada no Brasil, em 1954, Santa Cruz do Sul se interessou em iniciar o mesmo movimento. A comunicação ainda era precária, não havia internet, poucos possuíam telefone e televisão. As notícias e bibliografias sobre os ideais apaeanos demoraram a chegar na cidade.
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Apesar das dificuldades e falta de informação, o município mostrou-se bastante avançado, obtendo o registro número 21 na Federação Nacional das Apae. Assim, figurou entre as primeiras fundadas no País.
No dia 25 de novembro de 1963, na 6ª Delegacia Regional de Ensino, foi lavrada a ata de fundação. Sob aclamação, Nestor Webber foi eleito presidente provisório e Elisa Gil Borowski, vice-presidente. Mário Giehl foi nomeado secretário e Getúlio Gabesh, tesoureiro.
Após 60 anos de trajetória, impossível nomear todos que foram ou são importantes para a existência da Apae no município. Na contramão das dificuldades e obstáculos, são as conquistas e a satisfação proporcionada pelo atendimento adequado às pessoas com deficiências intelectual e múltipla que mais se sobressaem neste meio século.
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Hoje, instalada em sede própria, oferece gratuitamente serviços especializados nas áreas da educação, saúde e assistência social para cinco municípios da região: Santa Cruz do Sul, Vera Cruz, Herveiras, Sinimbu e Vale do Sol.
Atualmente, 475 alunos, entre crianças, jovens e adultos, têm na Apae um importante referencial para conquista de respeito, dignidade e reconhecimento pessoal, projetando a perspectiva de inclusão social através da educação, colocação no mercado formal de trabalho e na busca dos direitos básicos da pessoa com deficiência.
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