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Ruy Castro: o mestre da biografia

Ruy Castro, em Porto Alegre, defendeu a importância do jornal impresso no estímulo à leitura

Ruy Castro, em Porto Alegre, defendeu a importância do jornal impresso no estímulo à leitura

No jornalismo e na literatura, o mineiro Ruy Castro, que cresceu e viveu praticamente toda a sua vida no Rio de Janeiro, capital, é referência incontornável. Como escritor, é autor de biografias que se tornaram icônicas, a exemplo das de Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda, além de volumes que dedicou a temas específicos da cultura. Seu livro mais recente, de meados deste ano, é O ouvidor do Brasil: 99 vezes Tom Jobim, de crônicas, em 232 páginas, lançado pela Companhia das Letras (a R$ 69,90), com crônicas sobre o grande ídolo da bossa nova.

Em meados de novembro, na companhia da esposa, a também escritora Heloísa Seixas, ele foi uma das principais atrações da 70ª Feira do Livro de Porto Alegre. Por lá, esteve em sessão de autógrafos na Praça da Alfândega, no sábado, dia 16. Na mesma tarde, ambos participaram de bate-papo mediado pelo jornalista e músico Arthur de Faria. Instantes antes dessa atividade, concederam entrevista a profissionais da comunicação, sendo que, na ocasião, atenderam a Gazeta do Sul em momento com exclusividade.

Aos 76 anos, natural da pequena cidade mineira de Caratinga (mas a família logo retornou ao Rio), Ruy é um dos autores mais respeitados em atividade na literatura brasileira. Como jornalista, publica crônicas na página 2 do jornal Folha de S. Paulo, e em paralelo conduz a carreira de escritor. Em Porto Alegre, informou que no primeiro semestre de 2025 lançará nova obra, dedicada a descrever o ambiente da capital carioca durante a Segunda Guerra Mundial. É um volume que, em grande medida, se aliará à série de conteúdos em torno dos 80 anos desde o término do conflito global, a transcorrerem em maio do ano que vem.

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Na passagem pela capital gaúcha, a primeira após a pandemia, Ruy e Heloísa frisaram o quanto lhes agradou circular pela área do Centro Histórico e visitar sebos e livrarias de obras antigas. Elogiou o empenho do universo cultural local em manter esse comércio de livros em espaços físicos, o que, conforme mencionou, é cada vez menos comum no Sudeste.

Na conversa com a Gazeta do Sul, Ruy também rememorou a sua relação com o Estado em meio à realização de pesquisas para os seus livros. E comentou sua forte e profunda identificação com a cidade do Rio de Janeiro, da qual faz uma espécie de cartografia.

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ENTREVISTA – Ruy Castro Jornalista e escritor

MAGAZINE: Como foi se estabelecendo ao longo do tempo a relação do senhor com o Rio Grande do Sul? Como ela ocorreu?

Ruy: Há nisso uma história bonita. A Feira de Porto Alegre foi o primeiro lugar na vida em que eu lancei um livro, o Chega de saudade. Ou seja, o primeiro lançamento foi aqui. A editora Companhia das Letras sugeriu que eu viesse para cá, uma vez que a feira estava ocorrendo na praça, e só depois lancei no Rio. Mas era um livro completamente voltado para o Rio, a história da Bossa Nova. E foi lançado primeiro em Porto Alegre.

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Como foi a receptividade naquele momento, em torno da bossa nova?

Foi uma maravilha. E isso que eu era um autor completamente desconhecido. Tinha passado a vida inteira como jornalista, e era o meu primeiro livro. E aí fiquei maravilhado, porque formou-se uma fila de gente para comprar o meu livro, para receber um autógrafo. O engraçado é que havia um outro autor, de que eu não posso falar o nome, que estava lá também lançando o livro dele, do meu lado. E a minha fila tinha umas 50 pessoas, enquanto a dele não tinha ninguém! Como é uma pessoa que admiro muito, foi muito consagrador para mim, né?

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Naquela ocasião, o senhor já tinha relação com autores gaúchos?

Eu só conheci o Luis Fernando Verissimo, em 1975, quando fui editor-executivo de uma revista do Jornal do Brasil, chamada “Domingo”. E o Luis Fernando tinha acabado de se revelar no “Caderno B” do JB, mas insisti para que ele passasse a “Segunda Onda” dele para a página 3 da revista “Domingo”. Isso foi em 1976, e ele era pouco conhecido na época. Estava começando a ser publicado lá no Rio.

O senhor chegou a vir ao Rio Grande do Sul em temporada de pesquisa?

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Não, mas o livro Chega de saudade fala de uma temporada que o João Gilberto [1931-1019, músico] passou aqui, em 1956, e eu conversei com várias pessoas que moravam aqui, né? Alguns desses gaúchos moravam aqui na época e depois foram para o Rio. Comecei a falar do Rio e em São Paulo. Um deles é o Alberto Ruschel [1918-1996, natural de Estrela], o ator. E uma dessas pessoas era a dona Boneca Regina, que provavelmente hoje ninguém mais conhece, em Porto Alegre. Era uma senhora, já na época com mais de 80 anos, espetacular, com muita vitalidade, e que era cronista de jornal aqui em Porto Alegre, não sei em qual.

Eu sei que ela me deu o livrinho dela. Era uma senhora extraordinária, que foi quem acolheu o João Gilberto aqui em 1956. Quando o João veio para cá, não era ainda famoso. E estava com condições psicológicas muito alteradas, estava muito mal, com vários problemas. Ele veio para cá e foi acolhido por essa senhora, dona Boneca, foi morar na casa dela, ela tratou dele, sabe? Comprava tudo, estimulava ele, alimentava ele direito, enfim. Foi uma espécie de mãe para ele aqui.

Isso era de conhecimento geral, na época?

Eu conheci dona Boneca em 1989, 1990, por aí, 30 anos depois de a história acontecer. E conheci lá em São Paulo. A família dela, as filhas e os netos moravam lá. Então, tive referência com o Rio Grande do Sul, indireta, né? Mas foi importante porque a história da dona Boneca foi fundamental para levantar uma série de coisas sobre o João Gilberto, que até então ninguém sabia. Pessoas sabiam dele a partir de quando ficou famoso como cantor lá no Rio, no Balcão Bossa Nova. Então, conheci todos os lados da pré-história do João Gilberto, casualmente, aqui em Porto Alegre. Foi importantíssimo para mim. E essa relação com o Estado foi se mantendo ao longo dos anos.

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Como o senhor avalia essa persistência de Porto Alegre em realizar a sua Feira do Livro na Praça da Alfândega, e mesmo neste ano, após a enchente?

Olha, toda a relação de Porto Alegre (eu diria mais, acho que do Rio Grande do Sul) com os livros me parece uma coisa extraordinária dentro do Brasil, que é um país que lê pouco. E, nesse momento da humanidade, cada vez mais online e se atendo mais às telas, o que a gente vê aqui é uma coisa que salta aos olhos, o amor do gaúcho pelos livros. Hoje de manhã, por exemplo, nós fomos a vários sebos, sebos extraordinários, muito, muito bem organizados e supridos, como raras vezes a gente vê.

Em toda cidade do Brasil em que a gente vai, a primeira coisa é nos informarmos sobre onde estão os sebos para ir conhecer, ou rever, no caso. E aqui nós fomos, já conhecíamos vários, mas há muito tempo que a gente não vinha, e é fantástico. A própria feira também…. Tenho até uma frase que eu falo, em todo sebo que encontro, para fazer um agrado para o livreiro: “Quando eu morrer não quero ir para o céu, quero vir aqui para o teu sebo”. Quando falo isso, é de brincadeira, mas é com sinceridade. Qualquer sebo é bom, é maravilhoso. E aqui em Porto Alegre tem uma quantidade enorme de bons sebos.

O senhor nasceu em Minas Gerais, mas acabou por se tornar uma espécie de porta-voz do Rio de Janeiro. Como o senhor vê isso?

O Rio para mim é a coisa mais natural do mundo. Sou mineiro apenas porque nasci lá. Fui levado para nascer lá pelos meus pais, porque foram trabalhar ali. Mas quando nasci, eu tinha dois parentes: meu pai e minha mãe. No Rio, eu tinha 40 primos. Caratinga é mais próxima do Espírito Santo, mais do lado leste de Minas, bem na beira da Rio-Bahia; é aquela cidade-estrada, que a corta.

Tudo funciona no Rio. Meu pai era do Rio também. Desde os 5 anos, eu sabia andar sozinho pela redondeza, pelas ruas, põe naquela época era possível. A cultura do Rio está impregnada em mim desde sempre.

E trabalhei em todos os jornais: no Correio da Manhã, no Jornal do Brasil, na TV Globo, colaborei com inúmeras publicações no Rio de Janeiro desde os 19 anos de idade. E acabei passando 19 anos no “estrangeiro”, que foram três anos em Lisboa e 16 anos em São Paulo. Mas, mesmo nesses períodos, nunca me desliguei do Rio. Posso garantir a você que desde os 5 anos de idade, e estou com 76, nunca houve um dia em que eu não lesse um jornal do Rio. Quando estava fora do Brasil, em Paris, eu ia na Varig, pegar um jornal.

Então, sempre estive ligado ao Rio de todas as maneiras. E, como profissional de jornalismo, trabalhando sempre também em função do Rio. Quando comecei a trabalhar com livros, nunca tive uma ideia de fazer nada que não fosse ligado ao Rio, né? Porque acho que a pessoa deve falar só daquilo que entende. E o Rio, para mim, é a minha segunda natureza.

O senhor faz uma espécie de cartografia afetiva do Rio…

A ideia original até não era essa. Tive a ideia de fazer um livro sobre a história da bossa nova, e fiz. Aí tive a ideia de escrever a biografia de Nelson Rodrigues, escrevi. Esses dois livros deram muito certo, tão certo que fui obrigado a abandonar as redações. E aí apareceu essa curiosidade pelas biografias. Eu, que já tinha feito a do Nelson Rodrigues, fiz a do Garrincha. E outro livro sobre Ipanema. Aí fiz um sobre a Carmen Miranda. Que, embora tendo nascido em Portugal, era completamente carioca e foi morar fora também, nos Estados Unidos. Depois escrevi um livro sobre o Rio chamado Carnaval no fogo. Fiz livros que se passam em diferentes épocas no Rio de Janeiro.

Então, não tinha me dado conta: é uma espécie de cartografia. Mas inconsciente. E muito natural, porque eu não conseguia fazer de outro modo.

Já me convidaram para fazer, há muitos anos, uma história da Semana de Arte Moderna. Não posso mesmo. Você, para fazer esse livro, tem que ser meio paulista, né? Porque você tem que partir já de um conhecimento bom do território onde se passa a história. Porque você vai levar muito tempo estudando para aprender uma coisa que qualquer nativo já sabe. E esse tipo de trabalho leva tempo para fazer. Se você puder partir de uma base, que é o conhecimento do território, já ajuda muito.

E agora, em que projeto o senhor está envolvido?

Estou trabalhando num livro que deve sair no primeiro semestre do ano que vem, ambientado durante a Segunda Guerra Mundial, mas no Rio. De repente me deu um estalo: como é que era o Rio no tempo da guerra? Bem, não é o Rio no tempo da guerra; é a guerra no Rio. O que aconteceu em função da guerra no Rio. Como tudo aconteceu aqui também.

Aconteceu no Nordeste, e aconteceu muito no Rio, porque era a capital, era o centro da vida diplomática. Muita diplomacia, política, ideológica. Muito espião. Então, a coisa era toda lá. Aí me ocorreu que isso poderia dar uma grande história. E mergulhei nesse trabalho há alguns anos, e estou escrevendo, para ver se sai no ano que vem.

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