Aqui em casa somos cinco gatos, um cachorro e dois jornalistas. A família não foi planejada, mas funciona. Ainda assim, acho que a relação entre humanos e animais necessita mais racionalidade. Da nossa parte, claro. É inegável o quanto eles nos encantam. É inegável também o quanto é confusa e contraditória nossa percepção sobre eles. Amamos nossos peludos e nos revoltamos a cada caso de maus-tratos. Ao mesmo tempo, para a maioria de nós é natural e correto o abate em massa de aves, suínos e bovinos.
Desconfio que no futuro não comeremos mais carne. Não dessa forma, via criação e morte. Alguma proteína sintética ou coisa parecida deve ganhar a preferência das pessoas. Os bichos e a camada de ozônio vão agradecer. Você, que na sexta-feira já começa a pensar no churrasquinho de domingo, talvez diga que isso é uma bobagem. Mas vai acontecer. Nossos descendentes olharão com perplexidade as imagens de seus antepassados devorando uma costela gorda. Como bárbaros. Como terríveis canibais.
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Projeto este mundo novo enquanto administro minha prole de quatro patas. Carnívoros absolutos. Todos idosos, meio gorditos, preguiçosos e mimados. Todos alimentados com boas rações. E às vezes com comida de verdade. Ou seja, carne. Faço isso com culpa. Mas faço.
Essa harmonia de dengos e malemolência foi ameaçada pela chegada do Nelson. Todo gateiro sabe que não se introduz um novo membro no grupo de forma abrupta. Só que o Nelson não aceita argumentos. Mia, grita, chora e zanza pelas casas da rua. Como a reclamar de seu destino de felino abandonado. Colocado para adoção, não conseguiu até agora nenhum interessado.
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Nelson é comum demais. Pretinho, sem raça definida e portador do vírus da leucemia felina. Uma doença incurável que acomete apenas gatos e que funciona como uma sentença. Poucos aceitam um bichano com Felv. Os que aceitam, não podem ter gatos saudáveis em casa porque o risco de contaminação é elevado. Nelson precisa de um lar sem gatos ou com outros gatos Felv positivos. Com sorte e uma boa alimentação, terá uma vida longa e divertida.
Enquanto nosso garoto é ignorado nas redes sociais, dias atrás um persa em busca de novos tutores atraiu mais de dez pretendentes em poucas horas. Ninguém sequer perguntou se ele seria portador de alguma doença. Com aquela lindeza toda, com aquela aparência de gato “superior”, quem se importa?
Nelson, o gato sem pedigree, não teve chance alguma. Se esta crônica fosse uma fábula, eu diria que Nelson é como os jovens que matam e morrem nas periferias, tragados pela lógica do tráfico. Sem presente e sem futuro. Sem comoção pública. Praticamente invisíveis.
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