Conheci ela há uns oito anos. Pequena, envelhecida para a idade, sempre cansada e triste. Vivia, em suas próprias palavras, um casamento dos infernos. O marido ganhava mais e decidia o que, quando, como e por quê. Para Amália, sobrava concordar. O imóvel onde moravam fora construído ao gosto dele e com uma economia tão obsessiva que faltava o essencial. A mesma obsessão que se repetia no cotidiano. “Para ele, tudo é bobagem.” Amália queria sumir. Pegar as crianças e nunca mais.
O problema era o medo. Anos atrás haviam saído, ela e os meninos. Em um primeiro momento, fora tomada pela força. Sentia-se dando conta do próprio destino e tivera coragem de entrar com o pedido de divórcio. Meses depois, mergulhada em dívidas, assustada com a falta de perspectivas, desistiu. Surgiu na minha vida logo depois, enquanto trabalhava de domingo a domingo e fazia planos para escapar: “Preciso pagar minhas contas. Daí vamos embora definitivamente. Da próxima vez não volto de jeito nenhum.”
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Era dezembro quando nos achamos no centro. No burburinho das compras de Natal, não vi nela a expressão de derrota das outras vezes. Seus olhos azuis brilhavam, a pele parecia renovada. Era outra Amália. Sentamos na sorveteria e ela contou que enfim havia conseguido: “Saí, Rose, aluguei uma casa. Vamos morar só eu e meus filhos. Agora vou ter paz.” Fiquei sinceramente feliz. Mesmo sem conhecer o homem, mesmo sem saber até que ponto ele era o responsável pelos tormentos da minha amiga, fiquei feliz porque ela estava feliz. E pensei: vai ser melhor para todos.
Até dias atrás. “E aí, como está a nova vida”, perguntei animada ao revê-la. Ela me olhou, suspirou fundo e disse: “É muito bom lá. Um lugar como eu gosto e os filhos estão felizes”. E arrematou: “Mas é difícil manter. O que eu ganho não paga as despesas. Estou de novo no vermelho. Meu ex veio conversar. Quer que eu volte. Não tenho certeza. Mas acho que vou aceitar”.
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Nem sempre sei o que dizer, ainda mais em situações assim. Tentei disfarçar minha decepção. Pronunciei algumas exclamações vazias. Ah…, sim…, rã rã… e por fim cruzei o limite: “Pensa bem. Podes te arrepender de novo”.
Mais tarde, maldisse aquele instante. A frase desnecessária. Pensei no Jones e sua interjeição irreparável: menos, menos. Pensei nas Amálias deste e de outros lugares. Nas muitas facetas da infelicidade feminina. Não é fácil entender as mulheres. Nem os homens. Não é fácil entender nem a si mesmo. Há razões objetivas para o que fazemos ou não fazemos. E há razões mais profundas. Há uma grande quantidade de medos e fantasias. Inclusive nos casamentos. Talvez principalmente nos casamentos.
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