É a um autor dedicado ao resgate da história e à preservação da memória que Rio Pardo, cidade histórica do Rio Grande do Sul e do Brasil, presta homenagem. A famosa Tranqueira Invicta escolheu o escritor Alcy Cheuiche para patrono de sua Feira do Livro em 2022. O romancista, cuja obra está projetada para o País e para o exterior, esteve no evento na quinta e na sexta-feira, em atividades e interação com públicos de todas as idades.
Aos 82 anos, completados em 21 de julho, e natural de outra cidade histórica, Pelotas, de origem libanesa por parte de pai e de tradicional família gaúcha por parte de mãe, seu Alcy assina alguns best-sellers, a exemplo de Sepé Tiarajú – Romance dos Sete Povos das Missões, Nos céus de Paris – Romance da Vida de Santos Dumont e Ana sem terra.
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No contexto de pesquisas e entrevistas para a elaboração de suas obras, Cheuiche costuma visitar as inúmeras cidades às quais faz referência, e já estivera em mais de uma ocasião em Rio Pardo. Diversas vezes premiado por seus livros e por seu esforço em favor da preservação da memória, também se dedica a outros gêneros, como crônica, teatro e poesia. Já fora o patrono da 52ª Feira do Livro de Porto Alegre, a mais importante do Sul do País.
Em função do evento na região, Cheuiche concedeu entrevista ao Magazine. Por e-mail, respondeu a uma série de questões, manifestando, por exemplo, sua alegria por retornar a Rio Pardo, que “mantém ainda a memória dos muitos municípios que dela se desmembraram”, como define.
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Magazine – O senhor visita Rio Pardo por ocasião da Feira do Livro nesta semana. Como é a relação do senhor com esta cidade e em quais circunstâncias ela já esteve presente em suas pesquisas?
Alcy Cheuiche – Além de convidado para atividades literárias, estive muitas vezes em Rio Pardo realizando pesquisas para meus livros, principalmente os romances históricos Sepé Tiaraju, A Guerra dos Farrapos e João Cândido – O Almirante Negro. Participar agora da Feira do Livro, e como seu patrono, me dá a oportunidade de dialogar com leitores da cidade e visitantes, esclarecendo pontos fundamentais do meu processo criativo. Simplesmente caminhar pelas ruas históricas daquela cidade é inspiração para quem gosta de escrever.
Sua obra ocupa-se especialmente de temas históricos do Rio Grande do Sul. Como e por quais razões esse interesse se firmou em sua caminhada pessoal?
Tive dois gurus na minha infância, que me estimularam a ganhar interesse pela literatura e pela história. O primeiro deles foi meu pai, que era um grande narrador, um contador de histórias, com muita paciência para responder nossas perguntas. Nas viagens, quando passávamos por algum lugar onde aconteceu um fato histórico, ele parava o carro e nos dava detalhes sobre os personagens e os fatos. O outro mestre foi Monteiro Lobato, que me inspirou para escrever romances históricos, a exemplo de obras suas, como O minotauro e Os Doze Trabalhos de Hércules. Quando visitei a Grécia, especialmente Atenas, também tive a sensação de estar pisando num palco histórico muito conhecido.
A iminência das comemorações do bicentenário da Independência do Brasil, na avaliação do senhor, poderia estimular pesquisas específicas relacionadas com a época também no Rio Grande do Sul?
Sem dúvida. No meu livro O velho marinheiro, um romance histórico sobre a vida do Almirante Tamandaré, deixei claro que brasileiros como ele, o Duque de Caxias e o Imperador Dom Pedro II conseguiram o verdadeiro milagre de manter unidas as províncias brasileiras, do Norte ao Sul, formando um único país independente. Para mim, essa foi a obra monumental da consolidação da independência do Brasil, na qual também a Maçonaria teve um papel admirável, desde o Grito do Ipiranga. Mas, sem o quase meio século de reinado de Dom Pedro II, um governante culto e pacifista, jamais teríamos consolidado a nossa independência. O Rio Grande do Sul, por exemplo, só voltou a ser brasileiro porque Caxias e Bentos Gonçalves eram, acima de tudo, patriotas.
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A Província de São Pedro e a então Província Cisplatina, ainda integrada ao Império Brasileiro, motivaram um dos primeiros enfrentamentos do novo país na demarcação de territórios. O senhor entende que os episódios da Guerra Cisplatina hoje estão devidamente explicados e entendidos?
Sim. A invasão da Banda Oriental do Rio Uruguai foi um erro cometido pelos portugueses, principalmente estimulados pela Imperatriz Carlota Joaquina, que era espanhola e queria impedir que as colônias de seu país se tornassem independentes. Cometeram o grande crime de destruir o sonho de Artigas, o grande patriota uruguaio. Proclamada a Independência, Dom Pedro I, principalmente depois da batalha do Passo do Rosário, em fevereiro de 1827, teve a sabedoria de negociar com as Províncias do Prata, dando apoio à criação da República Oriental do Uruguai. O que consolidou nossa fronteira. E ajudou a dar uma pátria aos uruguaios, um povo culto, admirável.
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Na condição de uma das primeiras cidades do Estado, Rio Pardo também teve papel relevante naqueles episódios. O senhor entende que, em termos de memória, as cidades históricas gaúchas poderiam resgatar mais e melhor seu papel no passado e divulgá-lo junto às novas gerações?
De pleno acordo. Algumas cidades, como Rio Pardo, mantêm ainda a memória dos muitos municípios que dela se desmembraram, assim como uma mãe que reúne seus filhos e filhas, netos e netas, numa reunião histórica familiar. Mas isso não é comum. São Miguel das Missões, por exemplo, só cuidou das fantásticas ruínas da República Guarani, depois que a Unesco as tombou como Patrimônio Histórico da Humanidade. Antes disso, deixaram que roubassem até as pedras do frontispício da Catedral de Giovani Baptista Primoli, que não caíram, foram arrancadas. Da mesma forma, por ignorar o passado, perdemos muitos monumentos históricos, como a sede da República Rio-Grandense, em Caçapava, e o casarão onde foi debatida, escrita e votada a primeira Constituição Republicana, em Alegrete. Porto Alegre, por exemplo, ao comemorar seus 250 anos, quase nada tem dos seus primeiros tempos. Mas o povo continua chamando de Rua da Praia a sua principal artéria, ignorando o nome dado em homenagem aos Andradas, que aqui nunca estiveram… Piratini, para a honra de seus filhos, é um exemplo de preservação.
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A que temas de pesquisa o senhor tem se dedicado mais recentemente? Algum novo livro por chegar?
Acabei de escrever um livro sobre a vida de Luiz Alves de Lima e Silva, O Pacificador. Com ele completo a trilogia de nossos patronos militares: Nos Céus de Paris – A história da vida de Santos Dumont e O Velho Marinheiro – A história da vida do Almirante Tamandaré, livros que me renderam honrarias civis e militares, como as medalhas Mérito Santos Dumont, da FAB, e Mérito Tamandaré, da Marinha. Acredito que a leitura desses três livros é muito importante para conhecermos, de fato, a vida desses grandes brasileiros. Patriotas e democratas, acima de tudo.
Como o senhor avalia a divulgação e a receptividade a sua literatura nos tempos atuais? E, nesse sentido, como o senhor avalia a importância dedicada à leitura em meio a tantos atrativos e estímulos variados para as gerações atuais?
Acabo de lançar, pela BesouroBox, a 12ª edição do meu romance histórico A Guerra dos Farrapos, tema de uma palestra na Feira de Rio Pardo. A grande maioria dos meus livros têm tido reedições, e alguns deles foram publicados em outros idiomas, como espanhol, francês e alemão. Ainda nesta semana fiquei sabendo que a letra da canção que escrevi para homenagear Anita Garibaldi, musicada e interpretada por Marlene Pastro, ganhou versão em italiano, sendo cantada naquele país por Milena Morri. Pessoalmente, nada tenho a me queixar dos leitores, antigos e recentes. Além disso, tenho muito orgulho dos livros dos meus alunos escritores, quase uma centena, em vinte anos de existência da minha Oficina de Criação Literária. Também alguns deles com versões em outros idiomas, até em Guarani.
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