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VINÍCOLAS GAÚCHAS

Resgatados na Serra tinham dinheiro controlado, recebiam comida azeda e relatam choques

Alojamento tinha péssimas condições | Foto: Divulgação/MPT

Ficar sem comer por períodos de até dois dias, receber comida estragada e apanhar se reclamasse, trabalhar até 14 horas por dia, ter valores descontados do salário sem justificativa e não ter sequer papel higiênico ao usar o banheiro fazia parte da rotina dos 207 trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul.

Depoimentos aos quais o Estadão teve acesso revelam condições de trabalho degradantes e agressões físicas contra quem se insubordinasse. Os relatos foram repassados, a pedido, pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Os trabalhadores, em sua maioria moradores da Bahia, não tinham dinheiro para irem embora, pois os empregadores controlavam suas finanças.

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Contratados por uma empresa terceirizada, eles prestavam serviços nos parreirais para colheita de uvas nas vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi, que alegaram não saber das irregularidades. O proprietário da Fênix Serviços de Apoio Administrativo, Pedro Augusto de Oliveira Santana, chegou a ser detido, mas foi liberado após pagar fiança de quase R$ 40 mil.

Em nota à imprensa, a defesa afirma que “qualquer conclusão neste momento é meramente especulativa e temerária, uma vez que os fatos e as responsabilidades devem ser esclarecidas em juízo”. “Manifestamos total respeito às instituições e nos colocamos à disposição da Justiça para todos os esclarecimentos necessários, colaborando no que for necessário para o restabelecimento da verdade e principalmente do bem-estar de todos os envolvidos.”

O Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS) deu prazo de dez dias para que as vinícolas apresentem documentos e mostrem a relação entre elas e a terceirizada. Os nomes dos resgatados não foram divulgados. Leia o que o contaram:

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Empregado 1, de 36 anos, da Bahia:

Viajou de Salvador para trabalhar na colheita de uva em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Ele não recebeu valor algum do salário de janeiro de 2023 e foi informado de que tinha dívida de R$ 700,00 com o dono da pensão onde ficou hospedado e devia mais R$ 200,00 de mercado.

A comida servida todos os dias era fria e, por várias vezes, ele e os colegas receberam comida azeda. Quem reclamasse da comida apanhava com tapas, socos e cabo de vassoura. Ele chegou a ficar dois dias inteiros sem receber alimentação.

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Empregado 2, de 44 anos, da Bahia:

Ele e os colegas saíam para trabalhar entre 4h30 e 5 horas, e as quentinhas eram levadas junto com eles no transporte matinal. Na hora do almoço, a comida já estava fria e não tinha onde aquecer. Para piorar, muitas estavam com gosto bastante azedo.

Quando voltavam do trabalho, entre 19 e 20 horas, a comida já tinha sido deixada no alojamento e tinha geralmente um aspecto péssimo. Normalmente estava fria e, de vez em quando, azeda. Quando isso acontecia, um colega preparava uma merenda para eles “enganarem” o estômago. Era normal trabalhar 14 horas por dia, sem receber horas extras ou adicional. Quando foi resgatado, ele ainda devia R$ 100,00 no mercado.

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Ele e os demais trabalhadores trabalhavam sem descanso de domingo a sexta-feira, só folgando no sábado. Além do trabalho sofrido e do alojamento muito ruim, ele recebeu uma única bota e um par de luvas. Quando precisava usar o banheiro ficava em uma situação humilhante, pois não era fornecido papel higiênico.

As agressões eram comuns, embora ele mesmo nunca tivesse apanhado. Para ir embora, teria de pegar um ônibus de Bento Gonçalves a Porto Alegre, dali a Caeté, em Minas Gerais, e outro até Monte Santo, na Bahia. Ele soube que o valor da passagens seria de mais de R$ 1 mil, por isso nunca fugiu.

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Empregado 3, de 23 anos, da Bahia:

Diferente do que foi prometido, o alojamento era ruim, com as pessoas amontoadas, os colchões eram velhos e algumas camas não tinham travesseiro. A primeira refeição era um pão pequeno e um copo de café. Todos comiam sentados no chão. A água era por conta de cada um. Quem não acordasse na hora, recebia choque.

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O que já disseram as vinícolas

Vinícola Aurora

“A Vinícola Aurora se solidariza com os trabalhadores contratados pela empresa terceirizada e reforça que não compactua com qualquer espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão. No período sazonal, como a safra da uva, a empresa contrata trabalhadores terceirizados, devido à escassez de mão de obra na região. Com isso, cabe destacar que Aurora repassa à empresa terceirizada um valor acima de R$ 6,5 mil/mês por trabalhador, acrescidos de eventuais horas extras prestadas. Além disso, todo e qualquer prestador de serviço recebe alimentação de qualidade durante o turno de trabalho, como café da manhã, almoço e jantar. A empresa ainda informa que todos os prestadores de serviço recebem treinamentos previstos na legislação trabalhista e que não há distinção de tratamento entre os funcionários da empresa e trabalhadores contratados. A Vinícola Aurora reforça que exige das empresas contratadas toda documentação prevista na legislação trabalhista. A Aurora se coloca à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos.”

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Vinícola Salton

“Em respeito a seus clientes, colaboradores, acionistas e demais fornecedores, a Salton manifesta seu repúdio a qualquer ato de violação dos direitos humanos e trabalho sob condições precárias e análogas à escravidão. A empresa e seus representantes estão à disposição de todos os trabalhadores e suas famílias, que foram tratados de forma desumana e cruel pela empresa Oliveira e Santana e se coloca à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo e amenizar os danos causados pela prestadora de serviços. Embora a Salton tenha atendido a exigência legal na contratação do fornecedor, reconhecemos o erro em não averiguarmos in loco as condições de moradia oferecidas por este prestador de serviço aos seus trabalhadores. Trata-se de um incidente isolado na trajetória centenária da empresa, e já estamos tomando as medidas cabíveis frente ao tema, com toda a seriedade e respeito que a situação exige. A empresa trabalhará prontamente não apenas para coibir novos acontecimentos, mas também para promover a conscientização das melhores práticas sociais e trabalhistas em parceria com órgãos e entidades do setor. Com um legado de 112 anos, a Salton acredita na sustentabilidade como premissa de negócio. Signatária do Pacto Global, realiza diversos projetos para reforçar a responsabilidade social da empresa e seu compromisso como empresa cidadã. Externamos o nosso compromisso em fazer cada vez melhor.”

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Cooperativa Garibaldi

“Diante das recentes denúncias que foram reveladas com relação às práticas da empresa Oliveira & Santana no tratamento destinado aos trabalhadores a ela vinculados, a Cooperativa Vinícola Garibaldi esclarece que desconhecia a situação relatada Informa, ainda, que mantinha contrato com empresa diversa desta citada pela mídia. Com relação à empresa denunciada, o contrato era de prestação de serviço de descarregamento dos caminhões e seguia todas as exigências contidas na legislação vigente. O mesmo foi encerrado. A Cooperativa aguarda a apuração dos fatos, com os devidos esclarecimentos, para que sejam tomadas as providências cabíveis, deles decorrentes. Somente após a elucidação desse detalhamento poderá manifestar-se a respeito. Desde já, no entanto, reitera seu compromisso com o respeito aos direitos – tanto humanos quanto trabalhistas – e repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos.”

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