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Reservado para dona Iolanda

Todo meio-dia, a história se repete. Saio da redação e corro para o restaurante do pai. Almoço, cumprimento os clientes e assumo por uma hora diária o posto que há alguns bons anos já é meu. Ali no caixa observo a movimentação dos clientes. Alguns mais apressados praticamente engolem a comida: têm apenas 15 minutos. Como conseguem? Outros, com um pouco mais de calma, aproveitam o intervalo, folheiam o jornal e batem um papo com a gente antes de começar o próximo turno.

No restaurante do pai é assim. O clima é em família. E alguns clientes, nossos parceiros de anos, já nos conhecem muito bem. Um desses exemplos é a dona Iolanda. Não sei bem certo quando ela começou a almoçar lá. Pelos meus cálculos, no mínimo há uns 15 anos. Ela me viu crescer, acompanhou as mudanças na trajetória da nossa família, mostrou-se prestativa para ajudar e nunca, mas nunca esqueceu de perguntar como está o meu coração. Carinhosa que só ela, é toda cuidadosa quando indaga algo relacionado ao âmbito pessoal. E como recompensa, se mostra sempre disposta a deixar conselhos de quem muito já viveu e hoje faz questão de compartilhar. 

Todos os dias ela entra pela porta devagarinho e me lembra que a vida pode ser mais calma. Mas não a ponto de ser parada. Baixinha de cabelo chanel grisalho, cheirosa e toda estilosinha, Iolanda tenta depender o mínimo possível dos outros. Até pouco tempo atrás, ia de ônibus para a hidroginástica. Parou, pois está com problema nas articulações. Em casa (mora sozinha), é ela mesma quem lava as roupas. “Prefiro lavar à mão, fica melhor.” Mas para a faxina, ela pede ajuda. “Daí eu chamo uma moça, pois não preciso fazer esforço à toa.” Lá no restaurante, ficamos ansiosos quando ela não aparece por alguns dias. Na última temporada, foi porque estava com gripe e não quis pegar “sereno”. Ufa!

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Prestes a completar 90 anos, ela lembra sagradamente do meu aniversário e tem o costume de reparar quando eu troco o esmalte das unhas. Pega nas minhas mãos, faz um carinho e elogia principalmente quando o tom é chamativo. É porque a dona Iolanda gosta de cor. E da vida.  Até porque nunca a vi reclamando dela. Pelo contrário. Toda mimosa, aparenta aproveitar os seus dias por aqui. Quando o frio combina de aparecer com o sol, então, ela fica ainda mais faceirinha. “Coisa bem boa esse tempo, minha querida. Bom pra arejar a casa e dar uma animada.” E assim ela sai, com seus passinhos lentos, deixando aquela energia boa de vovó sorridente.

Não faz muito tempo, decidimos que Iolanda merece um lugar reservado no restaurante. Desde então, a mesa do canto esquerdo – a preferida dela – recebe uma plaquinha. Ninguém senta ali até a nossa cliente vip chegar. Mas não pense, dona Iolanda, que o seu lugar está reservado somente no salão. No meu coração, esse espacinho já existe há muito tempo. Talvez porque a senhora seja a avó que eu não tive.

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