Faz alguns anos, recebi e-mail de um renomado petista e importante professor (até então fraterno amigo) me questionando se eu havia mudado de lado, haja vista as inúmeras crônicas que escrevera criticando severamente o presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores.

Parênteses: nos mesmos termos, críticas e coerência, já escrevia aos tempos dos presidentes Collor (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), não menos enrolados em comportamentos e negócios duvidosos. Ainda que em circunstâncias políticas, sociais e econômicas diferentes.

De imediato, em resposta, afirmei que não havia mudado, que continuava com as mesmas convicções político-sociais (que guardo, mantenho e exercito) que me identificavam com a então e histórica esquerda brasileira, mas fiel, entretanto, à necessidade de os governantes serem honrados, dignos e implacáveis na defesa do dinheiro público.

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A sucessão de escândalos recém começava. Mas já havia sinais negativos suficientes do rumo que tudo iria tomar. Como de fato tomou. Era previsível e óbvio. Os ensinamentos e exemplos da história mundial são como um farol. Meu amigo nunca mais me escreveu. Pena. Continuo admirando seu talento e pessoa!

Na mesma época, o então deputado federal Fernando Gabeira já pregava a necessidade de uma revisão existencial e política. Dizia: “Quando há um fracasso tão retumbante e você se vê como parte desse fracasso, a sua vida entra em questão.”  

Gabeira insistia na necessidade de uma autocrítica e afirmava: “A esquerda brasileira chegou à decadência mais lentamente, mas segue o mesmo padrão da esquerda mundial. A diferença é que, no Brasil, o Muro de Berlim está caindo com atraso.

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A decadência moral em que parte da esquerda se meteu mostra que ela não é o bem absoluto. Fica demonstrado também que a direita não é o mal absoluto.”

Agora, mesmo finda a eleição, submissos à cúpula partidária e resistentes a necessária autocrítica, a soberba e a ignorância têm se mantido. Pior: pendente, sobretudo, um pedido de desculpas à maioria do povo, rotulado juvenil e grosseiramente de fascista.

Felipe Gonzalez, ex-primeiro-ministro da Espanha, disse certa vez: “Raras vezes as coisas ocorrem pela primeira vez, ainda que assim seja a experiência pessoal de muitas pessoas. Por isso há tantos governos ‘adãonistas’, que creem que tudo o que fazem, ou o que lhes passa, é a primeira vez que ocorre. Isso os leva a pensar que estão criando sempre, ex-novo, que estão reinventando a ‘res publica’, até que caia em cima deles o peso da história, com suas constantes sociais e seu próprio ritmo, com suas idas e vindas inevitáveis”.

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