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Relação entre netos e avós é mutuamente enriquecedora

Quando foi confirmado o primeiro caso de Covid-19 no Brasil, o primeiro dado assimilado por muitos foi saber que a saúde dos idosos da família estava em risco. Por fazerem parte dos grupos mais vulneráveis à contaminação, os avós precisaram se isolar. Na mesma intensidade em que o medo chegou, a alegria tomou conta quando a vacinação começou, justamente por esses grupos prioritários. Querendo ou não, eles sempre estiveram no pensamento de quem temeu e ainda teme a ameaça trazida pela pandemia.

Alguns tiveram a sorte de ter os avós vivos e intactos, sem contaminação pelo vírus. Outros, infelizmente, perderam esses familiares e não poderão comemorar esse 26 de julho, Dia dos Avós. Contudo, não foram vividos apenas receios e traumas durante o período de pandemia. Sabe-se bem que os avós, principalmente as matriarcas, foram fundamentais para que os filhos e netos conseguissem se manter e passar pela crise que não foi apenas sanitária, mas também social e econômica.

Quer dizer, com restrições impostas que resultaram em escolas fechadas, crianças em casa e pais precisando trabalhar, quem ficou responsável pelo cuidado dos menores, em muitas famílias, foram as avós. Há quem diga que avós e avôs são mães e pais duas vezes. Existe também o mito – ou fato – de que netos são mais mimados e têm todas as suas vontades feitas pelos pais de seus pais. Verdade ou não, admite-se que o vínculo entre netos e avós é muito bonito e traz consigo a troca de experiências entre gerações tão distantes e que tanto têm a aprender uma com a outra.

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Aproveitar cada segundo
A técnica de enfermagem do Hospital Ana Nery, Tiziane Calixto, de 34 anos, trabalhou na linha de frente no enfrentamento à Covid-19. Para conseguir ficar isolada e não colocar em risco o filho Heitor Calixto Freire, de 3 anos, em julho do ano passado deixou o menino aos cuidados da avó Sandra da Cruz Calixto, de 58 anos, e salienta o quanto o apoio da mãe foi importante. “Com a pandemia, o pessoal começou a ser remanejado. Eu fui para o CTI Covid e fiquei com mais medo”, relembra Tiziane. “Meu marido trabalha, é metalúrgico, e os horários não coincidem para ficar com o Heitor, e também não tinha creche. Então ele ficava com a mãe, mas ela é diabética, do grupo de risco. Não tive outra opção, logo que fui para o CTI, eu deixei ele. Foi bem difícil, eu queria vê-lo, mas tinha medo.”

Matando a saudade de Heitor por chamadas de vídeo, ela ao menos tinha a certeza de que o filho estava bem aos cuidados da avó. Sandra, por sua vez, é toda carinhos com o neto mais novo e faz tudo o que o pequeno pede. “Eu fiquei isolada e ele me fez companhia. Foi muito bom, gostei da experiência de tê-lo direto comigo”, conta. Avó de mais três, ela acredita que, com os netos, tem mais tempo para aproveitar cada segundo dos aprendizados que eles proporcionam. “Sendo vó temos mais tempo e mais experiência do que quando temos os filhos. Com os filhos estamos sempre ocupados, mas hoje eu vejo que posso passar uma tarde inteira brincando com ele. Antes, tinha mais coisas para fazer, mais preocupações”, observa Sandra. Com o pequeno Heitor, ela tenta acompanhar as atividades do menino. “Ele é ativo assim o dia todo, me convida para brincar. A gente brinca, tem os brinquedos dele, e eu assisto aos desenhos dele”, detalha a avó.

Nelson e Augusto no cânion Fortaleza, em Cambará do Sul. Próximas viagens da dupla ainda estão em planejamento

Amizade com 60 anos de diferença
Depois que ficou viúvo, em 2018, o aposentado Nelson Amon, de 71 anos, passou a viver sozinho. Perdeu a parceira, mas levou para a vida o aprendizado de não perder mais nem um segundo de boas vivências. O avô de Laura, de 1 ano e 5 meses, e de Augusto Amon Koehler, de 10 anos, encontrou no neto mais velho o melhor amigo e parceiro que precisava para conhecer e desbravar novos lugares.

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A última viagem que realizaram juntos foi para os cânions de Cambará do Sul, em 17 de julho, mas avô e neto também já conheceram locais como o Viaduto 13, em Vespasiano Corrêa, e Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Conforme o relato de Augusto, foi mais ou menos um ano depois que a avó morreu que Nelson deu a ideia das viagens. “Eu gosto bastante de viajar com ele porque eu acho que ele fica alegre e eu fico feliz também”, diz o menino.

Embora a grande diferença de idade, avô e neto se tornaram grandes amigos, que compartilham experiências, cada um de seu tempo. “Ele fala o que ele fazia e conta histórias. E eu às vezes tento ensinar ele a falar pelo WhatsApp.”
Augusto comenta que ele e o avô ainda não decidiram qual será o próximo destino, mas que guardam boas lembranças dos momentos que já viveram.

Silvia Virginia Areosa, psicóloga

Rotinas e vínculos que mudaram
A psicóloga e doutora Silvia Virginia Coutinho Areosa, que também é líder do grupo de estudos e pesquisas em envelhecimento e cidadania e representante da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) no Conselho Municipal do Idoso, destaca que a relação dos avós é de suma importância para o desenvolvimento infantil e também para bem-estar dos avós. “É possível estabelecer uma relação de cuidado mútuo, onde um auxilia o outro, tanto em crises pessoais como familiares ou econômicas. Uma relação saudável entre os avós e netos pode contribuir para um neto mais concentrado e calmo e com um relacionamento interpessoal mais satisfatório.” A profissional também considera que a presença do neto auxilia no alívio de sentimento de solidão e tristeza, ajudando a combater possíveis sintomas de depressão. “O neto também motiva as pessoas idosas a fazerem atividades não rotineiras e, desta forma, também aumenta a prática de exercício dos avós”, diz.

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Como forma de auxiliar no combate ao coronavírus, a Unisc passou a oferecer um serviço gratuito: o Tele Cuidado. O objetivo do projeto é disponibilizar atendimentos de medicina e acolhimento à pessoa idosa.

O trabalho, segundo Silvia, demonstra justamente essa proximidade mais latente. “Durante a troca de experiências, foi possível notar que essa ‘interferência’ foi vista de uma forma positiva pelos idosos. Ficou notável que a maior presença dos netos na rotina dos avós auxiliou eles a desenvolver laços mais fortes com os netos, dando sensações de satisfação e amorosidade. Entretanto, os relatos também anunciaram que eles se sentem mais cansados fisicamente, devido à demanda de atenção dos netos com a falta dos pais e da escola”, completa a psicóloga.

Silvia alerta que “certamente não sairemos iguais desta pandemia”. Isso porque as rotinas mudaram, assim como os
vínculos familiares. “Os mais velhos foram os que sentiram mais, os que mais morreram, os mais hospitalizados e os que ficaram o maior tempo em isolamento. Certamente levarão mais tempo para se recuperarem deste período. E os vínculos entre avós e netos, que foram fortalecidos, certamente seguirão fortes. Porém, aqueles que ficaram distantes de seus familiares tiveram seus vínculos fragilizados”, reitera.

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Nascimento de Clara, agora com 8 meses, trouxe luz para a avó Melani

Mais amor e mais paciência
Quando a pequena Clara, de 8 meses, chegou ao mundo, em novembro, os pais da recém-nascida, Daíse Correia Soares e Wagner de Oliveira Rocha, precisaram reorganizar suas vidas e pensar em como fariam quando precisassem voltar ao trabalho. Sem creches abertas em razão da pandemia, deixar a bebê aos cuidados da avó materna Melani Waechter Soares, de 67 anos, foi uma boa solução encontrada.

Mãe de quatro filhos e avó de terceira viagem, Melani define a chegada de Clara como “uma luz”. Para a aposentada, poder cuidar da neta foi uma bela experiência. “Parece que revivemos todos os momentos que passamos há tantos anos, só que não curtimos da maneira que podemos curtir agora”, comenta. Ela concorda com o ditado de que vó é mãe duas vezes. “Tudo o que a gente não fazia para os filhos, a gente faz para os netos. Com os filhos tu não tem tanta paciência e com os netos é tudo mais, mais amor, mais paciência. As vovós têm fama de estragarem os netos, mas isso é só amor e excesso de fofura”, completa. A mãe de Clara, Daíse, de 36 anos, salienta que os dois avós, Melani e Edemar Correia Soares, rejuvenesceram com o nascimento da menina. “A mãe e o pai têm uma certa dificuldade física de locomoção devido à idade, mas parece que eles revigoraram com a presença da Clara.”

Santa Cruz é 22ª melhor cidade para idosos
Dados divulgados em outubro do ano passado mostraram que Santa Cruz do Sul está em 22º lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Urbano para a Longevidade (IDL), que mede especificidades como habitação, saúde, bem-estar, cultura, finanças, educação e trabalho. As melhores notas ficaram com os quesitos educação e trabalho, e também habitação. Já a menor média é do tema cultura e engajamento.

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Para a psicóloga e pesquisadora em envelhecimento e cidadania, Santa Cruz é sim uma boa cidade, pois tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) alto. Mas ainda pode melhorar. “São necessárias ruas e calçadas mais acessíveis, ônibus com escada para pessoas cadeirantes. Os pontos positivos ficam por conta de ter um Conselho Municipal do Idoso que é muito ativo e a universidade com várias atividades e projetos, como a Universidade do Adulto Maior (Uniama), que proporciona a interação das pessoas idosas com a Unisc”, destaca Silvia Areosa.

Conselho Municipal do Idoso
O Conselho Municipal do Idoso (CMI) de Santa Cruz é o responsável por proteger, formular e promover políticas públicas e ações governamentais destinadas a tutelar os direitos dos idosos. Norberto Raul Haas, representante do Sindicato dos Contadores e Técnicos em Contabilidade do Vale do Rio Pardo no CMI, frisa aspectos que auxiliam para que Santa Cruz esteja em 22º no IDL. “Nossa cidade investe em políticas que melhoram a qualidade de vida, pois a população passa por processo acelerado de envelhecimento, além de preservar a autonomia e a autoestima.” Porém, segundo o empresário, ainda são necessárias melhorias. “Investir cada vez mais em profissionais da saúde e hospitais; incentivar entidades e planos de saúde na realização de cursos de cuidadores e atuar na recolocação do idoso no mercado de trabalho”, enumera Haas.

Atualmente, o município investe na formação continuada da equipe técnica para melhor compreensão do seu papel junto aos idosos, por meio da realização de capacitações, enfrentando situações de conflitos e possibilitando a convivência comunitária. Mas o isolamento social afetou diretamente os idosos, adversidade que precisa ser vencida. “A pandemia prejudicou, pois impossibilitou a realização de eventos culturais, esportivos e de lazer, fazendo com que muitos perdessem sua autoestima.”

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