Única mulher entre 11 candidaturas ao governo gaúcho, Rejane de Oliveira (PSTU) apresenta um programa que define como “socialista e revolucionário”. Na entrevista que concedeu na manhã do último dia 17, em uma residência no Bairro Jardim Isabel, em Porto Alegre, defendeu até expropriação de grandes empresas. Antecipou-se à crítica ao afirmar que não se trata de utopia e alegou que sua vitória representaria uma autorização da população para implementar essas medidas. Reconheceu, no entanto, a dificuldade para vencer este ano.
Para ela, a geração de emprego e renda passa por redução da jornada de trabalho e ampliação de investimentos públicos. Quando questionada sobre de onde tirar os recursos para isso, afirmou que pretende contestar a dívida com a União e estancar as isenções para as companhias de grande porte – preservando, no entanto, os micro e pequenos negócios.
Natural de Porto Alegre, Rejane é professora aposentada da rede estadual e tornou-se conhecida por, enquanto presidente do Cpers/Sindicato, liderar grandes manifestações do magistério, sobretudo no governo Yeda Crusius (PSDB). É a primeira vez, no entanto, que concorre a um cargo público. Seu plano inclui ainda a criação de conselhos populares, que seriam os responsáveis por orientar as ações do governo e apontar as prioridades. Assim, conforme ela, seria definido qual escola ou estrada deve receber aportes.
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Entrevista
Rejane de Oliveira (PSTU)
O atual governo encaminhou a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal. Como a senhora resolveria a dívida com a União?
Nós somos completamente contra o Regime de Recuperação Fiscal. É um acordo que coloca condicionantes que vão desde o congelamento de salários dos servidores públicos e privatizações até a perda da autonomia sobre as finanças do Estado, já que a União quer determinar os caminhos da nossa política econômica. O governo, inclusive, já começou a dar conta das exigências, quando privatizou a CEEE, quando acabou com o plano de carreira dos professores e quando congelou salários. Nós achamos que é um grande erro e nossa posição é de revogação. Esse acordo tem uma lógica de jogar sobre os ombros da classe trabalhadora o problema da crise. A dívida era de R$ 9,5 bilhões, foram pagos R$ 37 bilhões e nós ainda devemos R$ 73 bilhões. Ou seja, é uma dívida impagável. Todo esse acordo que penaliza a população e a classe trabalhadora vem no sentido de pagar uma dívida que já foi paga. Nós estamos cedendo a uma agiotagem e penalizando mais uma vez a classe trabalhadora. Esse acordo não vai resolver o problema do Estado, que é de fome, miséria e desemprego. Essa é a nossa grande tarefa.
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Mas a dívida é um fato. O que a senhora faria, uma vez revogando o acordo?
Nossa proposta é a suspensão do pagamento, fazer uma auditoria independente dessa dívida e provar que ela já foi paga. Nós não somos de uma política de canetaço. Achamos que é muito importante que se faça essa auditoria e que se prove que estamos submetidos a uma política para beneficiar a União, o Banco Mundial e o setor financeiro. Esses é que estão cobrando uma dívida que já foi paga e que querem se beneficiar dela não para fazer política para o povo mais pobre, mas para os grandes empresários e os super-ricos dos nosso país.
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A CEEE e a Sulgás foram privatizadas e a Corsan está em processo de privatização. Qual a sua posição?
Nosso programa é muito claro. Somos contra a privatização. Está provado que a privatização não resolve os problemas da população. Vejam que a CEEE foi privatizada e o preço da luz hoje é muito mais alto e o serviço é de menos qualidade, tanto que a empresa está sendo multada. Achamos que isso é entregar o patrimônio público, é acabar com a nossa soberania, uma política de vender o que é do povo para entregar para os ricos. Ou seja, a ideia dos governos que privatizam é estar a serviço dos empresários. Querem que os empresários continuem lucrando com aquilo que é do povo. Agora querem vender as ações da Corsan, entregar aquilo que é uma riqueza natural. Nós não iremos privatizar e iremos revogar as privatizações que já aconteceram. Queremos fazer uma política de reestatização. Aquilo que puder ser público para atender às necessidades da população, nós queremos que seja.
A Corsan tem uma série de metas a cumprir até 2033, conforme o novo Marco Legal do Saneamento. É possível fazer os investimentos sob gestão pública?
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É possível, sim. O serviço público é uma responsabilidade do Estado. Porém, os governos fazem as suas escolhas. E o que temos visto é os governos fazerem a escolha de entregar o patrimônio para o empresariado. Se os governos tivessem uma outra lógica, que é a de atender às necessidades da população, teria investimento por parte do Estado na Corsan e ela teria como dar conta de todos os requisitos. São escolhas. Os governos mantiveram os benefícios para os grandes empresários e os super-ricos, através de isenções, da privatização, da política para pagar uma dívida que já foi paga e do aumento dos altos salários em detrimento dos pequenos salários. Por isso dizemos que queremos um governo dos trabalhadores, que inverta essa lógica de os ricos ficarem mais ricos e os pobres ficarem mais pobres.
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E quanto a parcerias público-privadas, a senhora faria?
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Não. Eles trocam bastante de nomes, colocam apelidos na privatização para enganar a população. As parcerias público-privadas são uma caminhada em direção à privatização. Continua sendo a lógica de botar o serviço público para a iniciativa privada continuar lucrando. Pode mudar o nome, mas a lógica é a mesma. Vem no sentido de tirar do povo para dar para os mais ricos.
A senhora falou em qualificar os serviços públicos, mas isso exige recursos. Com o novo teto do ICMS, haverá uma perda de arrecadação de R$ 2,8 bilhões apenas neste segundo semestre. Como lidar com isso?
Para mudar a lógica, é preciso parar de beneficiar os ricos. No primeiro ano do governo Leite, houve R$ 20,1 bilhões em isenções. No segundo ano, R$ 9,3 bilhões. São quase R$ 30 bilhões que o governo deixa de arrecadar porque isenta empresas com grande potencial de lucro. Gerdau, Havan, a vinícola do Galvão Bueno, farmácias Panvel, Zaffari. Então, vamos pegar esse dinheiro e aplicar onde, de fato, vai resolver o problema da arrecadação. Nós temos um programa socialista e revolucionário para apresentar à população, mas sabemos que precisamos de ações emergenciais para acabar com a fome e com o desemprego. Não é mais possível falar em desenvolvimento sabendo que as pessoas estão na fila do osso para sobreviver. Achamos, sim, que é necessário acabar com as isenções e expropriar as empresas com grande capacidade de lucro. Quem produz as riquezas é a classe trabalhadora e as riquezas não podem ficar na mão de uma minoria, enquanto a maioria passa fome. É fundamental expropriar as empresas para que os trabalhadores administrem e digam para onde vai o dinheiro. Aí vocês vão dizer que é utópico. Não é. Se nós chegarmos a ganhar uma eleição, que pode não ser agora, é porque temos uma grande parcela da população que entendeu nosso projeto e estará nas ruas para garantir que isso seja implementado.
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Os governos sempre apostaram em isenções para atrair investimentos. Se não for por esse caminho, como gerar empregos?
Tem várias formas de gerar empregos, partindo de uma lógica da classe trabalhadora. Uma delas é redução da jornada de trabalho sem redução de salário. Se a jornada fosse de 30 horas, muita gente que está desempregada teria que ser colocada no mundo do trabalho para poder dar conta da produção, não é isso? E queremos um plano de obras públicas que possam dar conta das necessidades da população e esse plano será executado por esses que hoje estão desempregados. Então, nós temos uma política voltada ao aumento do emprego e queremos investir e valorizar com isenção de impostos as micro e pequenas empresas. As grandes empresas exploram, demitem, enriquecem às custas do trabalho. E temos que investir no campo também. Hoje muitas pessoas estão na cidade porque o agronegócio e o latifúndio toma conta das terras. Os jovens do campo vêm para a cidade para poder sobreviver. Reforma agrária é política de emprego.
A senhora foi presidente do Cpers e ficou conhecida pelas manifestações em defesa de reajuste salarial. Qual o compromisso assumiria, enquanto governadora?
Não há possibilidade de desenvolvimento sem a educação. Nós temos uma defesa há bastante tempo que é o pagamento do piso nacional dos professores e a criação de uma lei do piso para funcionários de escolas. E queremos reverter a alteração nas carreiras que o governador Eduardo Leite fez. Ele acabou, literalmente, com o nosso plano de carreira. Precisamos construir as condições para que os funcionários sejam reconhecidos como trabalhadores em educação. A educação não se dá só dentro sala de aula. A partir do momento em que a criança põe a mão no portão, está vivendo o processo educacional. Queremos revogar o confisco do salário dos aposentados. E temos 20 mil contratados que trabalham há 10, 15 ou 20 anos, que já fazem parte do processo educacional do Rio Grande do Sul e vivem sob ameaça dos governos de serem demitidos no fim do ano. Queremos concurso público e que esses contratados tenham os mesmos direitos que os concursados, que sejam efetivados imediatamente.
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Já que a senhora falou em educação, como reverter situações que foram apontadas no último Censo Escolar, que incluem queda nas matrículas da educação básica e aumento na taxa de abandono nas escolas?
A questão das matrículas também está relacionada ao número de escolas, que diminuiu. Esses dados são importantes e reais. Para nós, a política não pode ser apenas de ingresso na educação. Temos que ter uma política de ingresso e manutenção. Como faz um aluno ficar dentro da escola? Nós avaliamos que são vários elementos. Para manutenção, é necessário investimento. A escola tem que ser atraente para o jovem, que hoje tem acesso a uma série de tecnologias. Precisamos ter condições de garantir uma educação que seja ilustrativa e que o estudante possa ter não só o conhecimento teórico mas também o conhecimento prático. Nem o governo do PT nem o do PSDB, nenhum dos últimos anos, cumpriram sequer o que diz a Constituição Estadual de que 25% da receita deve ser investido em Educação. É inadmissível.
Nessa linha, temos escolas que aguardam há anos por investimentos em infraestrutura, como é o caso da José Mânica, em Santa Cruz. Como tornar mais ágeis esses processo?
Nosso governo seria estruturado a partir de conselhos populares. Seria um espaço onde as pessoas decidem quais são as suas necessidades. O papel do Estado deve ser de se preocupar com a população, como garantir saúde, educação, segurança, moradia, saneamento, transporte gratuito. Nos conselhos populares, os trabalhadores vão decidir o que é mais importante. E a rapidez se dará a partir daí. Para nós, educação de qualidade pressupõe uma boa estrutura, valorização dos trabalhadores, uma boa merenda para os nossos estudantes e material pedagógico. Temos um entendimento de que o investimento em educação é prioritário.
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A senhora criticou a disparidade de salários no serviço público e sabe-se que os altos salários estão principalmente nos outros poderes. Enquanto governadora, iria interferir nisso? Como fazer isso sem ferir a autonomia dos poderes?
Nós achamos que quem tem que ter autonomia é a classe trabalhadora. Eles é que foram alijados do processo daqui e precisam de autonomia para decidir. Não achamos que o salário tenha que ser nivelado por baixo. Muitas vezes fazemos a luta junto com servidores que têm salário muito mais alto que nós, professores. Mas achamos importante que eles tenham avançado nos seus direitos e nós queremos estar junto e avançar também. Os trabalhadores merecem um salário digno e alto. Não há contradição. Através dos conselhos populares, vamos discutir. Por que existem órgãos que se empoderam, inclusive através do salário, enquanto o povo, que é quem produz a riqueza do Estado, fica submetido? Um exemplo: quem está encarcerado hoje? São os pobres e negros. Quando o negro é flagrado com drogas dentro da pasta, ele é considerado traficante. Quando é um branco rico, ele é considerado usuário. Esse tipo de visão de órgão público que beneficia os ricos e penaliza os pobres tem que acabar. O aparato do Estado não pode estar a serviço do capital e contra a população.
Tivemos uma redução, nos últimos anos, de indicadores de homicídios e latrocínios. O que a senhora mudaria e o que manteria na política de segurança?
Temos divergência com esses dados. O feminicídio aumentou. A marca do governo Bolsonaro, que é a arma apontada, autorizou muita violência e muito ódio e aqui no Estado não é diferente. Temos muitos dados sobre feminicídios, sobre a matança no campo, a matança de indígenas. Na nossa visão, a segurança não pode servir para a propriedade privada e, sim, para as pessoas. Esse é outro elemento a ser invertido. Hoje a segurança serve para defender a iniciativa privada e contra o povo e a classe trabalhadora. Nós somos criminalizados por defender os nossos direitos, apanhamos da polícia porque lutamos por uma lei reconhecida como a do piso nacional dos professores. Precisamos acabar com a perseguição contra aqueles que lutam, com as mortes de jovens negros nas periferias, com o feminicídio e todo tipo de violência. Para isso, é preciso valorizar os trabalhadores e desmilitarizar a segurança. Os trabalhadores precisam ter direito a posição política e a ter lado. São liberdades democráticas que precisam se expandir para as polícias para que elas sejam humanizadas e cumpram o seu papel.
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E o que a senhora pensa sobre a implantação de câmeras em viaturas e uniformes, como outros estados vêm fazendo?
Esse é um debate que não chegamos a fazer. Mas não achamos que a população precise ser vigiada. Queremos garantir as liberdades democráticas da população. Nossa visão é de uma polícia que proteja a cidadão e não achamos que a câmera vai ajudar nisso. A consciência daqueles que vão usar o serviço de segurança e dos policiais é que vai garantir o bom trabalho. E não uma câmera.
A senhora mencionou antes o problema do campo. Este ano, a economia está sofrendo o impacto de mais uma estiagem severa. Como proteger a produção agrícola?
O evento climático, de fato, é inevitável. Mas achamos que é preciso investimento por parte do Estado. Se olharmos a situação do campo, vemos que os pequenos agricultores que produzem o nosso alimento são completamente desassistidos de qualquer investimento do Estado para que tenham condições, inclusive, de superar os problemas climáticos. O dinheiro está indo todo para o latifúndio e o agronegócio. A propaganda diz que o agro é pop, mas não é. O agro é devastador. Achamos que é possível resolver esses problemas que o campo vive com um bom investimento. Se o Estado investisse na agricultura familiar, nos pequenos agricultores, seria possível criar mecanismos de proteção e de previsão.
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Como a senhora pretende lidar com a fila de espera por procedimentos de saúde, que é grande em áreas como traumatologia?
O problema é que os governos não investem na saúde. Veja, em plena pandemia, o governo investiu em 2020 10,9% na Saúde, quando deveria ter investido 12%. Estamos, sim, passando por um problema muito grave e a pandemia mostrou isso. 12% não é suficiente, mas sequer isso é respeitado. Achamos que tem que ter investimento na estrutura dos hospitais, construir mais hospitais e postos de saúde e valorização dos trabalhadores.
E como resolver o problema do IPE, que acumula uma dívida de R$ 1 bilhão?
O Estado tem que pagar sua contrapartida. O maior devedor do IPE é o Estado, porque os trabalhadores têm o desconto automático no contracheque, nem tem como ficar devendo. O Estado tem que parar de ser caloteiro e pagar. Não é possível que o Estado não seja penalizado. Nós achamos que todo mundo deveria ir para o SUS, mas lutamos para manter o IPE porque sabemos que o SUS é deficitário e não dá conta de atender toda a população porque não há investimento, então só aumentaríamos a fila dos que não são atendidos. O IPE tem hoje uma realidade de cobrança muito dura, está se transformando em algo para arrecadar.
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O atual governo tem investido em concessões de rodovias para a iniciativa privada. Como seria o modelo de gestão das estradas na sua administração?
Achamos que quem tem que resolver os problemas das estradas é o Estado. E seguimos falando na questão das obras públicas. Queremos boas estradas, mas a diferença muito clara para nós é a forma como isso vai ser resolvido. Não achamos que as empresas privadas têm que lucrar para fazer as obras. O Estado tem que fazer o planejamento, fazer um cadastro de desempregados e construir as condições para que eles realizem as obras. Colocaríamos as estradas como obras públicas feitas por trabalhadores desempregados e gerenciados pelos conselhos populares, que vão fiscalizar e decidir qual a estrada mais necessária e quanto vão pagar.
Raio-x
- Nome: Rejane Silva de Oliveira
- Partido: PSTU
- Naturalidade: Porto Alegre
- Idade: 61 anos
- Estado civil: Solteira
- Grau de instrução: Ensino médio completo
- Cargos que ocupou: Presidente do Cpers/Sindicato (dois mandatos)
- Coligação: PSTU
- Patrimônio declarado: R$ 520 mil
- Principais bens: Apartamento (R$ 500 mil), Veículo (R$ 20 mil)
- Patrimônio na última eleição disputada: Não disputou outras eleições
- Presidenciável que apoia: Vera Lúcia (PSTU)
- Candidato a senador: Fabiana Sanguiné (PSTU)
- Vice: Vera Rosane de Oliveira (PSTU)
- Número: 16
- Fonte: DivulgaCandContas
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